Os peixes capturados pelas crianças que vivem perto de uma unidade de aquicultura na baía de Manila, habitam um ecossistema poluído por resíduos domésticos, plástico e outros lixos. Ainda não sabemos de que maneira os microplásticos ingeridos pelos peixes afectam os seres humanos.
Texto: Elizabeth Royte
Num laboratório do Observatório Terrestre Lamont-Doherty, da Universidade de Colúmbia, Debra Lee Magadini coloca uma lamela sob um microscópio e acende uma lâmpada ultravioleta. Inspeccionando o aparelho digestivo liquefeito de um camarão comprado no mercado, desabafa: “Este camarão é o país das fibras!” Nas suas entranhas, sete fiozinhos de plástico, coloridos com corante vermelho, emitem um brilho fluorescente.
Em todo o mundo, investigadores como ela descobrem ao microscópio minúsculos pedaços de plástico que chegaram às espécies de água doce e salgada capturadas em mar aberto ou criadas em explorações de aquicultura.
Os cientistas descobriram microplásticos em 114 espécies aquáticas, das quais mais de metade vêm parar aos nossos pratos. O passo seguinte é determinar o seu impacte na saúde humana.
Até à data, a ciência não dispõe de provas de que os microplásticos (os pedaços com menos de cinco milímetros) afectem as populações de peixes. A nossa cadeia de abastecimento alimentar não parece ameaçada – pelo menos, tanto quanto sabemos. No entanto, várias investigações demonstraram que o peixe e o marisco de que tanto gostamos estão a sofrer. Todos os anos, 5 a 13 milhões de toneladas fluem até aos oceanos.
A luz solar, o vento, as ondas e o calor decompõem esses materiais em pedaços mais pequenos que o plâncton, os bivalves, os peixes e, até, as baleias acham muito parecidos com alimento.
As experiências demonstram que os microplásticos são nocivos para as criaturas aquáticas, bem como para as tartarugas e as aves: bloqueiam-lhes o aparelho digestivo, diminuindo a sua vontade de comer, resultando numa diminuição do crescimento e da capacidade reprodutiva. Algumas espécies passam fome e morrem.
Além dos efeitos mecânicos, os microplásticos têm impactes químicos porque os poluentes que flutuam livremente e escorrem do solo para os mares tendem a aderir às suas superfícies.
Chelsea Rochman, professora de ecologia em Toronto, mergulhou polietileno (substância usada no fabrico de alguns sacos de plástico) triturado na baía de San Diego durante três meses. Depois, ofereceu este plástico contaminado, juntamente com uma dieta de laboratório, a espécimes de peixe-arroz, habitualmente utilizado para investigação.
Os peixes que ingeriram o plástico tratado sofreram mais danos hepáticos do que os que tinham consumido plástico não mergulhado.
Os peixes com fígados comprometidos têm menos capacidade de metabolizar fármacos, pesticidas e outros poluentes. Outra experiência demonstrou que ostras expostas a pedaços minúsculos de poliestireno produzem menos ovos e esperma com menor mobilidade. O número de organismos de água doce e salgada afectados pelo plástico eleva-se a centenas de espécies.
É difícil determinar se os microplásticos nos afectam como consumidores individuais de alimentos de origem marinha já que estamos rodeados por este material – desde o ar que respiramos à água engarrafada e canalizada que bebemos, passando pelos alimentos que ingerimos. Além disso, o plástico não tem uma só configuração. Apresenta-se sob formas diversas e contém uma grande de variedade de aditivos que podem infiltrar-se no ambiente.
Algumas destas substâncias químicas são consideradas desreguladores endócrinos, substâncias que interferem no funcionamento normal das hormonas, contribuindo inclusivamente para o aumento de peso. Os retardadores de chamas podem interferir no desenvolvimento cerebral em fetos e crianças. Outros compostos que aderem aos plásticos podem provocar cancro ou malformações congénitas. Segundo um pressuposto essencial defendido pela toxicologia, é a dosagem que faz o veneno, mas muitos destes químicos (como o BPA e os seus parentes próximos) parecem incapacitar animais de laboratório com níveis que alguns governos consideram seguros para os seres humanos.
O estudo dos impactes exercidos pelos microplásticos marinhos sobre a saúde humana constitui um desafio para a investigação. Não é possível pedir a seres humanos que ingiram plásticos para efeitos experimentais porque as suas características podem modificar-se à medida que as diversas criaturas da cadeia alimentar os consomem, metabolizam ou excretam. Não sabemos quase nada sobre a maneira como a transformação ou a confecção de alimentos afectam a toxicidade do plástico nos organismos aquáticos ou qual o nível de contaminação que pode causar-nos danos.
Há boas notícias: a maioria dos microplásticos estudados pelos cientistas parece permanecer nas entranhas dos peixes, não se deslocando para os tecidos musculares – a parte que ingerimos. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, num volumoso relatório sobre o tema, conclui que os seres humanos consomem, provavelmente, quantidades negligenciáveis de microplásticos, mesmo aqueles que comem muito mexilhão e ostras, que são consumidos inteiros. A agência também nos recorda que o consumo de peixe faz bem à saúde: reduz o risco de doenças cardiovasculares e o peixe contém níveis elevados de nutrientes invulgares noutros alimentos.
Mesmo assim, a comunidade científica mantém-se preocupada com o impacte que os plásticos marinhos podem exercer na saúde humana porque, mais uma vez, estes são omnipresentes e acabarão por se degradar e fragmentar-se em nanoplásticos, com menos de 100 mil milionésimos de metro. Por outras palavras, são invisíveis. De forma alarmante, estes plásticos minúsculos podem penetrar nas células e deslocar-se para os tecidos e os órgãos. Como os investigadores não têm métodos analíticos para identificar os nanoplásticos nos alimentos, não dispõem de dados sobre a sua ocorrência de absorção pelos seres humanos.
É por isso que o trabalho continua. “Sabemos que o plástico exerce efeitos sobre os animais a quase todos os níveis de organização biológica”, afirma Chelsea Rochman. “Sabemos o suficiente para tomar medidas para diminuir a quantidade de poluição provocada pelo plástico que chega aos oceanos, lagos e rios.” Os países podem proibir determinados tipos de plástico, concentrando-se nos mais abundantes e problemáticos.
Os engenheiros químicos podem inventar polímeros biodegradáveis. Os consumidores podem evitar os plásticos de utilização única. E a indústria e os governos podem investir em infra-estruturas para captar e reciclar estes materiais antes que atinjam a água.
Numa cave poeirenta, a curta distância do laboratório onde Debra Magadini trabalha, sobre prateleiras metálicas vêem-se recipientes contendo cerca de dez mil exemplares preservados de pequenos peixes capturados há mais de sete anos em pântanos dos arredores. O exame de cada peixe em busca de microplástico é uma tarefa assombrosa, mas Debra e os seus colegas estão ansiosos por ver como os níveis de exposição mudaram ao longo do tempo. Outros irão avaliar meticulosamente a forma como as microesferas, as fibras e os fragmentos afectam os peixes de pequenas dimensões, os peixes de grandes dimensões que os ingerem e, finalmente, nós próprios.
“Acho que saberemos as respostas daqui a cinco ou dez anos”, resume a especialista.
Daqui até lá, pelo menos mais 25 milhões de toneladas de plástico terão escorrido para os nossos mares.
Os microplásticos ingeridos por uma pulga de água com três milímetros brilham em tons de verde. Em laboratório, as pulgas foram expostas a esferas circulares e a fragmentos com formas irregulares em quantidades superiores às que ocorrem no mar. Os pedaços irregulares representam uma ameaça maior porque podem aglomerar-se e ficar presos no intestino.