tecnologia óleo de palma

O óleo de algas, na imagem gotejando de uma folha de rúcula, pode ser mais sustentável do que outros óleos, como o óleo de palma. Os óleos microbianos podem equiparar a versatilidade do óleo de palma, a sua produção não exige o abate de floresta e as alterações climáticas não afectam a produção. Fotografia de Grant Cornett, Nat Geo Image Collection.

Presente em tudo, desde bolachas a pasta de dentes, o nosso vício neste óleo está a destruir as florestas húmidas. Agora, finalmente, descobriu-se que os micróbios oleosos poderão ser uma alternativa sustentável.

Texto: Sandy Ong

O óleo de palma é o óleo vegetal mais popular do mundo, estando presente em metade de todos os produtos de supermercado e em sete em cada dez produtos de cuidados pessoais. É o que torna as tortilhas de milho estaladiças, confere poder de limpeza aos detergentes e suavidade à pasta de dentes. É também usado como biocombustível. O consumo mundial de óleo de palma aumentou 73%. desde 2016

No entanto, o óleo de palma e o nosso imparável apetite por ele é problemático. O abate de florestas para criar espaço para plantações de óleo de palma é uma das grandes causas da desflorestação dos trópicos. Entre 1972 e 2015 os dois maiores produtores de óleo de palma do mundo, a Indonésia e a Malásia, perderam 16 e 47% das suas florestas, respectivamente, para esta cultura. A desflorestação está associada a uma série de problemas ambientais, como as alterações climáticas, problemas de infertilidade do solo e da qualidade da água, entre outros. A biodiversidade também é seriamente afectada e alguns estudos estimam que a diversidade dos mamíferos diminua até 90% quando as florestas são arrasadas para plantar palmeiras dendém.

No entanto poderá haver uma alternativa ao óleo de palma no horizonte, igualmente multifacetada, mas não tão preocupante: óleo fabricado a partir de micróbios.

Uma tecnologia antiga ressuscitada

Os cientistas começaram a procurar fontes alternativas para obtenção de algo combustível movidos pela necessidade, diz Phillipp Arbter, especialista em biotecnologia da Universidade Técnica de Hamburgo, na Alemanha.

Quando a manteiga e a banha escassearam durante a primeira guerra mundial, investigadores alemães descobriram que certos tipos de levedura também produziam lípidos oleosos. As autoridades não tardaram a criar duas fábricas dedicadas à produção de uma pasta com elevado teor que foi utilizada “no fabrico de pão, substituindo a gordura na massa; para barrar no pão em vez de manteiga”.

Estes esforços desapareceram após o fim da guerra, quando voltou a haver provisões de origem animal e vegetal suficientes”, diz Arbter.

Ressurgiu nos últimos anos o interesse pelos óleos microbianos – extraídos de leveduras, bem como de outros microrganismos, como as algas – enquanto substitutos mais amigos do ambiente do que o óleo de palma e mais viáveis que outros óleos vegetais

“A tecnologia é muito antiga, mas nunca foi verdadeiramente explorada pela indústria e sempre me interroguei porquê, uma vez que tem grande potencial”, diz Arbter. Por exemplo, os micróbios podem cultivar-se rapidamente num clima controlado, num espaço interior compactado, de modo a produzirem elevadas quantidades de óleo, afirma. No início de 2022, Arbter co-fundou a Colipi, uma de meia dúzia de startups recentes que estão a cultivar e a aprimorar micróbios para produzirem uma versão sintética de óleo de palma.

Enquanto óleo, o de palma é difícil de superar. Para começar, é uma cultura extremamente eficiente, razão pela qual é muito mais barato comparado com os outros óleos. Meio hectare de palmeiras dendém – as árvores que produzem os frutos dos quais se extrai o óleo de palma – pode produzir mais de 1,35 toneladas de óleo de palma anualmente, pelo menos seis vezes mais do que outros óleos comestíveis. Além disso, o óleo de palma prospera nos trópicos ao longo de todo o ano, cresce numa grande variedade de solos e é perene (durante até 25 anos), sendo por isso “mais produtivo do que culturas anuais como o amendoim, a soja e outras culturas produtoras de óleo”, diz Erik Meijaard, co-presidente da IUCN Oil Crops Task Force.

O óleo de palma também é único devido ao facto de conter partes iguais de gorduras saturadas e insaturadas, o que o torna extremamente estável em termos químicos. Isso confere um prazo de validade alargado aos alimentos embalados.

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Vista aérea de uma plantação de óleo de palma. Estas plantações são uma das principais causas da desflorestação dos trópicos. Fotografia de Pascal Maitre, Nat Geo Image Collection.

Esses atributos fazem com que encontrar um substituto adequado se assemelhe ao Santo Graal, embora o óleo microbiano, tendo um perfil lipídico semelhante ao do óleo de palma, possa estar à altura dessa tarefa.

Até à data, os cientistas identificaram mais de 40 algas e 70 estirpes de leveduras que se sabem ser oleaginosas, ou ricas em óleo. Para cultivar esse óleo em laboratório, os micróbios têm primeiro de ser criados, geralmente em placas de petri com ágar, e depois transferidos para frascos de vidro ou tanques de fermentação em aço inoxidável. São alimentados com oxigénio e açúcar – proveniente de tudo, desde cana-de-açúcar a melaço - que desencadeiam a fermentação e fazem com que as células se multipliquem. Quando os micróbios atingem uma massa crítica, o que demora alguns dias, são abertos para libertarem o óleo no seu interior.

A parte complicada é optimizar o processo para extrair o máximo de óleo.

Seraphim Papanikolaou, da Universidade Agrícola de Atenas, líder no campo de investigação de leveduras oleaginosas, diz que existem muitos elementos a afinar para o conseguir: a estirpe dos micróbios, a temperatura da cultura, a velocidade de agitação, a quantidade de arejamento, o tipo e a frequência da alimentação e o método de lise celular, para mencionar apenas alguns.

Quando tudo é bem feito, as recompensas podem ser enormes. Papanikolaou, que já obteve colheitas de óleo com um rendimento até 83%, ou 8,3 g de óleo para cada 10 g de levedura –  “o melhor registo existente”, diz. Em geral, porém, “não é muito difícil obter quantidades de 50 a 55%”.

Os micróbios como fábricas minúsculas

Estas colheitas potencialmente elevadas são parte do que torna o óleo microbiano tão atraente como alternativa ao óleo de palma.

Além disso, os óleos microbianos prometem ser mais amigos do ambiente do que o de palma. Os microrganismos podem ser cultivados independentemente das condições climatéricas e sem necessidade de grandes parcelas de terra, diz o cientista alimentar William Chen, da universidade tecnológica de Nanyang, em Singapura. “Aquilo que precisamos é, basicamente, um bio-reactor... é assim tão simples”, afirma.

Cultivar micróbios que se alimentem de resíduos pode contribuir ainda mais para a sustentabilidade, diz Chen. Por exemplo, a sua equipa está a investigar se os meios de cultura tradicionais utilizados para cultivar microalgas podem ser substituídos por cereais previamente usados por cervejeiras ou por resíduos de soja. Do mesmo modo, os investigadores da NextVegOil, na Alemanha, estão alegadamente a produzir óleo a partir do fungo Ustilago maydis, alimentado com restos de colheitas de milho, enquanto o óleo da NoPalm, uma startup sediada nos Países Baixos, é derivado de leveduras de cascas de batata e vegetais rejeitados.

Christopher Chuck, engenheiro químico da Universidade de Bath, em Inglaterra, passou quase uma década a trabalhar em óleo microbiano, diz que obtiveram “os seus melhores resultados do ponto de vista da sustentabilidade e da eficiência” usando resíduos alimentares como as extremidades do pão.

Talvez uma das maiores vantagens do óleo microbiano seja o facto de os organismos que o produzem poderem ser redesenhados através de ferramentas de engenharia e computação de biologia sintética. Embora o rácio de gorduras saturadas e insaturadas deva manter-se perto de 50-50, mimetizando as propriedades do óleo de palma, os investigadores têm margem para jogar com os tipos de gordura em cada categoria. Por exemplo, podem trocar o ácido palmítico, que provoca colesterol, por um ácido saturado relativamente mais saudável, como o ácido esteárico, criando assim um óleo mais desejável para o mercado de consumo. Também podem fazê-lo mais depressa, uma vez que tudo acontece em semanas num laboratório.

O caminho até às prateleiras

A maioria das startups de óleo microbiano quer que os seus primeiros produtos sejam utilizados no sector da beleza e da cosmética, e não no sector alimentar, por estes serem sectores mais lucrativos e com relativamente menos regulamentos. Quando perguntamos se o novo óleo pode equiparar os preços do óleo de palma, sobretudo quando usado em alimentos, Chuck diz: “não devemos andar longe do óleo de palma comestível”, desde que a produção aconteça numa escala suficientemente grande para baixar os preços.

“Temos todos de perceber como melhorar a tecnologia – desde o laboratório à velocidade de expansão”, diz Shara Ticku, CEO e co-fundador da C16 Biosciences, uma startup de óleo microbiano sediada em Nova Iorque financiada por Bill Gates, que até à data foi a que mais se aproximou da produção em grande escala. A C16 alcançou o marco da fermentação de 50.000 litros em Novembro e, no início de 2023, irá lançar um óleo hidratante biológico no mercado cosmético nos EUA – uma das primeiras empresas a lançar um produto com óleo microbiano no mercado.

A incursão não poderia ter acontecido em melhor altura. Espera-se que a produção de óleo de palma triplique para 240 milhões de toneladas até 2050. Com previsões de um aumento da população para quase 10 mil milhões até lá e um aumento de três a quatro vezes na procura de lípidos, Ticku diz sobre os óleos microbianos: “Temos a obrigação de nos mexermos depressa e apresentarmos estas soluções ao mundo”.

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