cheiro cancro

Um beagle explora os cheiros da floresta. Os cães são apenas uma de várias criaturas com olfactos incríveis, capazes de detectar sinais de doenças humanas, como a COVID e o cancro. Fotografia de Johner Images, Getty Images.

Não são apenas os cães: até vermes e formigas podem ser treinados para detectar marcadores de doenças, desde covid a tuberculose.

Texto: Liz Langley

Na próxima vez que se irritar por ver formigas na cozinha, faça uma pausa para pensar no seu extraordinário poder de percepção.

Estes animais minúsculos conseguem detectar marcadores de doenças como o cancro. Com efeito, a formiga é apenas uma de diversas criaturas cujos sentidos conseguem registar sinais de doença humana, incluindo cães, ratos, abelhas e até vermes minúsculos.

Contamos-lhe o que sabemos sobre estes animais e as suas incríveis capacidades.

Formigas operárias

A formiga Formica fusca, uma espécie comum na Europa, pode ser ensinada a identificar o cheiro do cancro da mama na urina.

Uma investigação da Universidade Sorbonne Paris Nord, em França, publicada este ano na revista Proceedings of the Royal Society B, mostra que as formigas conseguem aprender a distinguir o odor da urina de ratos portadores de tumores de cancro da mama humano da urina de ratos saudáveis.

As formigas e outros animais detectam sinais de doença porque se apercebem de compostos orgânicos voláteis (COV). Estes químicos são produzidos de diversas formas e podem estar presentes no ar expirado, no suor, na urina e no sangue. As doenças podem alterar os COV que emitimos, gerando diferentes odores. Ao colocar uma recompensa açucarada junto a uma amostra de cancro, os investigadores ensinaram as formigas a procurar esse odor – um processo denominado condicionamento operante.

“Ficámos surpreendidos com a rapidez das formigas. Uma formiga pode ser treinada em apenas dez minutos”, diz Baptiste Piqueret, autor principal do estudo, actualmente investigador de pós-doutoramento no Instituto Max Planck de Ecologia Química na Alemanha.

Após o treino, os cientistas colocaram as formigas numa placa de petri com amostras de urina de ratos com tumores e de ratos saudáveis. Os insectos passaram 20 por cento mais tempo com as amostras cancerosas.

As formigas cheiram os químicos que compõem os odores graças aos receptores olfactivos que possuem nas suas antenas. O cheiro é a sua principal forma de comunicação, afirma Patrizia d’Etorre, co-autora do estudo e etologista da Universidade Sorbonne Paris Nord.

“Reconhecem membros do seu grupo detectando odores corporais” e usam feromonas – frequentemente em concentrações minúsculas – para comunicar uma incrível quantidade de sinais complexos.

Estas formigas não picam e é “barato comprá-las e mantê-las. Basta mel e insectos mortos para as formigas ficarem felizes”, diz Piqueret. Isto torna-as excelentes candidatas para este tipo de trabalho.

Não se sabe ao certo quais são os químicos que as formigas cheiram, diz d’Ettorre, tal como acontece frequentemente com outros animais que conseguem detectar o cancro.

O melhor amigo do ser humano

Os cães podem ser treinados para cheirar diversos tipos de cancro, incluindo melanoma, cancro da mama e gastrointestinal, e algumas doenças infecciosas nos seres humanos, incluindo malária e doença de Parkinson. Nos EUA já foram utilizados cães para detectar pessoas com COVID-19, incluindo algumas escolas da Califórnia, diversos locais do estado de Massachusetts e em jogos da equipa de basquetebol Miami Heat.

Os cães também conseguem cheirar doenças infecciosas noutros animais, incluindo a Doença Emaciante Crónica, que afecta o cérebro dos cervídeos e pode ser fatal.

“É devastadora para os veados e a única maneira de detectá-la é através de uma autópsia”, diz Cynthia Otto, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia.

Segundo um estudo publicado na revista Prion, no qual Otto participou, os cães podem ser treinados para detectar a doença em fezes de veado. Neste e noutros casos, os investigadores pensam que os cães talvez consigam cheirar o agente infeccioso propriamente dito.

“Fizemos alguns estudos piloto, em busca de infecções bacterianas e, se treinássemos os cães com a própria bactéria, eles reagiam a amostras de sujeitos infectados”, afirma.

A organização de solidariedade social britânica Medical Detection Dogs treinou cães para detectarem um número recorde de 28 doenças, incluindo bactérias específicas.

A detecção do cancro poderá ser diferente: talvez os cães detectem “a forma como o corpo reage às células cancerígenas”, incluindo odores derivados de reacções imunitárias ou outras. “Ou talvez seja o próprio cancro. Não temos a certeza”, diz Otto.

Os cães também podem detectar mais do que um cheiro – ou diferentes cães podem detectar diferentes cheiros. Num estudo sobre cancro nos ovários, no qual os odores foram decompostos em grupos diferentes, “cães diferentes reagiram a fragmentos diferentes”, diz Otto.

Ratos detectives

O rato-gigante-africano é utilizado para detectar explosivos. Em 2004, a organização belga sem fins lucrativos APOPO enviou ratos-gigantes-africanos para Moçambique, “onde os ratos receberam a primeira acreditação externa da IMAS (International Mine Action Standards – Padrões Internacionais para Acção contra Minas)”, diz Cindy Fast, directora de treino e inovação da organização. Desde então, já ajudaram sete países a livrarem-se de mais de 150.000 minas terrestres.

A Tanzânia, onde se situa a sede da APOPO, não tem minas terrestres, mas é um dos 30 países com as taxas de tuberculose mais altas do mundo.

A investigação da APOPO “sugere que eles detectam um bouquet de odores… específicos da Mycobacterium tuberculosis”, a bactéria que causa a tuberculose, diz Lily Shallom, directora de comunicação da organização.

À semelhança das formigas, os ratos ganham uma recompensa alimentar quando identificam amostras de tuberculose na expectoração humana durante o treino. Após o treino, são usados como rede de segurança, uma espécie de sistema de apoio para os técnicos humanos.

Cada rato examina “mais de cem amostras de pacientes em cerca de vinte minutos”, diz Fast, algo que um investigador humano demoraria quatro dias a fazer. Os animais são recompensados quando identificam uma amostra já assinalada como positiva. Se o rato der o alerta para uma amostra que se pensa ser negativa, esta é submetida a um teste mais dispendioso.

Segundo a APOPO, os ratos já detectaram mais de 23.000 casos não identificados pelas clínicas médicas locais desde a criação do programa.

“Eles aumentaram a detecção de casos em cerca de 50 por cento nas nossas clínicas parceiras”, diz Fast, claramente orgulhosa dos seus técnicos de diagnóstico peludos.

Uma abelha num teste de COVID

Como se as abelhas já não fizessem o suficiente por nós, investigadores holandeses descobriram que elas também são boas a detectar o cheiro do SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19.

À semelhança das formigas, as abelhas cheiram com as suas antenas e são incrivelmente sensíveis a odores. Cientistas do laboratório de Investigação Bioveterinária Wageningen, nos Países Baixos, pegaram em abelhas locais e colocaram-nas em “recipientes de abelhas”, caixas de plástico com espaço para conseguirem mexer o corpo e as asas, deixando apenas a cabeça de fora. Foram expostas a odores de várias amostras e recompensadas com uma recompensa açucarada quando desenrolavam a língua, reagindo a materiais com COVID-19. Com o passar do tempo, começaram a fazê-lo sem serem recompensadas.

À semelhança das formigas, as abelhas podem ser treinadas em poucos minutos e fazer um teste em escassos segundos.

Ainda não se sabe ao certo o que as abelhas cheiram nas amostras infectadas com SARS-CoV-2. Os investigadores sugeriram que as abelhas podem ser úteis em comunidades isoladas, onde os testes tradicionais podem ser difíceis de realizar.

Um verme inteligente

Ainda mais pequeno do que uma abelha é o nemátodo Caenorhabditis elegans, um verme aproximadamente do tamanho de um grão de areia comummente utilizado em laboratórios de investigação. Este verme possui genes de doenças muito semelhantes aos nossos, sendo um organismo valioso para o estudo científico. Como é transparente, os seus processos biológicos são facilmente observáveis com um microscópio.

O Caenorhabditis elegans demonstrou possuir capacidades de detecção de cancro. um estudo japonês demonstrou que é capaz de detectar células de cancro do pâncreas e um estudo italiano revelou que reconheceu células de cancro da mama.

Em ambos os casos, houve ocasiões em que os vermes se dirigiram às amostras com células cancerígenas, evitando as saudáveis. Uma empresa de biotecnologia japonesa está a disponibilizar um teste de detecção de cancro em fase inicial denominado N-Nose e as pessoas podem enviar uma amostra de urina para ser analisada pelos vermes.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com

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