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JOHN G. TALCOTT, JR., 104 anos
Impecável no seu uniforme da Segunda Guerra Mundial, sentado num Cadillac descapotável, John é o xerife do desfile do 4 de Julho em Plymouth, no Massachusetts.

Os nossos genes guardam segredos para vidas longas e saudáveis. Aos poucos, os especialistas começam a desvendá-los.

Texto: Stephen S. Hall
Fotografia: Fritz Hoffmann

Numa manhã fria e límpida de Janeiro, com a neve revestindo as longínquas montanhas de Aspromonte, Giuseppe Passarino conduzia a sua carrinha prateada por uma estrada de montanha sinuosa que o levava ao interior da Calábria, a região mais meridional da Itália continental. Enquanto a estrada serpenteava por pomares e olivais, Giuseppe, geneticista da Universidade da Calábria, tagarelava com o seu colega Maurizio Berardelli, geriatra.
Ambos se encaminhavam para a aldeia de Molochio, que se orgulhava de contar com quatro pessoas centenárias e quatro com 99 anos num universo de dois mil habitantes. Pouco depois, encontraram Salvatore Caruso, de 106 anos, em frente à lareira de sua casa. Conhecido no dialecto local como “U’ Raggiuneri” [o Contabilista], Salvatore lia um artigo sobre o fim do mundo num tablóide. Um exemplar da sua certidão de nascimento, com data de 2 de Novembro de 1905, estava pousado sobre o rebordo da lareira.

“No Bacco, no tabacco, no Venere.” [Nada de álcool, nada de fumar, nada de mulheres.]

Salvatore gabou a sua saúde aos investigadores, e a sua memória parecia prodigiosamente intacta. Recordava-se da morte do pai em 1913,de como a mãe e o irmão quase haviam morrido durante a pandemia de gripe pneumónica de 1918-19; de como fora desmobilizado da tropa devido a uma queda acidental que lhe fracturara a perna em dois sítios. Quando Maurizio perguntou a Salvatore como conseguira alcançar a sua admirável longevidade, o centenário respondeu com um sorriso matreiro: “No Bacco, no tabacco, no Venere.” [Nada de álcool, nada de fumar, nada de mulheres]. Acrescentou que se alimentara sobretudo de figos e feijão quando crescia e que raramente comera carnes vermelhas. Giuseppe e Maurizio ouviram uma história parecida da boca de Domenico Romeo, de 103 anos, que descreveu o seu regime como “poco, ma tutto [pouco, mas de tudo] e de Maria Rosa Caruso, de 104 anos, a qual, apesar da sua saúde débil, presenteou os visitantes com uma versão de uma canção sobre o santo padroeiro da aldeia. Na viagem de regresso ao laboratório, em Cosenza, Maurizio observou: “Disseram muitas vezes que preferiam comer apenas fruta e legumes.”“Eles preferiam fruta e legumes porque não tinham mais nada para comer”, acrescentou Giuseppe com humor.

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RUBY TIMMS, 83 anos
A mais velha de oito irmãos, Ruby cresceu "mais que pobre" numa quinta no Texas, ajudando a mãe viúva a cozinhar e a cuidar dos irmãos e irmãs. Hoje, já viúva, Ruby vive na casa de San Diego para onde se mudou com o marido em 1965. Repousa no alpendre de ripas do seu pátio, junto ao roseiral, onde gosta de trabalhar todos os dias, logo pela manhã.

Décadas de investigação têm indicado que uma alimentação rigorosamente controlada está associada a uma vida longa. Ultimamente, contudo, a teoria tem sido abalada pela investigação científica. Vários estudos recentes comprometeram a relação entre a longevidade e a restrição calórica. Giuseppe Passarino estava mais interessado nos centenários em si do que no que haviam comido ao longo da vida. Os cientistas que estudam a longevidade começaram a recorrer a poderosas tecnologias genómicas, investigação fundamental na área molecular, e, acima de tudo, dados sobre comunidades humanas geneticamente isoladas, para obterem conhecimentos mais profundos sobre a velhice. Na Calábria, no Equador, no Hawai e até no Bronx (EUA), os estudos estão a revelar moléculas e vias químicas que, em última análise, poderão ajudar toda a população a atingir uma idade avançada e com boa saúde.

"A minha mãe costumava dizer: Se chegares aos 70, será tudo o que Deus te prometeu." (Ruby Timms)

demanda por respostas genéticas levou a comunidade científica internacional a centrar a sua atenção em pessoas como Nicolas Añazco, conhecido como “Pajarito” [passarinho, em castelhano].
Em muitos sentidos, Passarinho é um adolescente típico. Gosta de jogos de computador, pratica futebol e, segundo consta, de quando em vez, olha de relance o calendário com mulheres vaporosas pendurado ao lado do quadro da Última Ceia na parede da sala de jantar da casa de quatro assoalhadas da sua família, localizada no campo das terras altas da província de El Oro, no Equador. Nesta paisagem íngreme e acidentada, contudo estranhamente luxuriante, no sopé dos Andes, o jovem ajuda o pai nas tarefas de transformação da cana-de-açúcar que rodeia a casa.
Aos 17 anos, Passarinho afirma ter tomado consciência da razão para a sua alcunha quando tinha 6 anos, ao olhar em volta para os seus colegas de turma: “Percebi que ia ser mais pequeno do que eles.” Muito mais pequeno.
Devido à mutação recessiva de um único gene, Passarinho parece ter apenas 8 anos de idade, com os seus 114 centímetros de altura, muito mais pequeno que o seu irmão Ricardo, um ano mais velho. Esta mutação provoca uma patologia de deficiência no crescimento denominada síndrome de Laron. Mas também poderá proteger Passarinho das doenças graves que afectam os seres humanos à medida que envelhecem.

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GIUSEPPE ROMEO, 101 anos
Romeo mora em San Fili, em Itália. Faz a sua própria massa e sabe como se massajar para aliviar as dores, aptidão que aperfeiçoou como prisioneiro de guerra durante a Segunda Guerra Mundial.

Numa certa tarde, Passarinho e mais três homens com síndrome de Laron desta região sentam-se nas traseiras de uma loja de electrodomésticos para uma entrevista colectiva. Freddy Salazar, 39 anos, com 1,16 metros, remodelou recentemente o seu Chevrolet Forsa de 1997 com pedais e um assento elevados. Victor Rivera, 23 anos, foi o sujeito de uma fotografia famosa quando tinha 4 anos de idade. Era tão pequeno então que a maçaroca de milho que segurava na mão era ligeiramente maior do que o seu braço. Luis Sanchez, de 43 anos, sacudiu a cabeça para trás numa gargalhada, no que foi acompanhado pelas vozes de timbre agudo dos restantes membros, quando alguém lhes perguntou se tinham conhecimento dos mais recentes relatórios científicos publicados acerca da sua doença.
“Rimos porque agora sabemos ser imunes ao cancro e à diabetes”, explicou.

Durante um quarto de século de levantamento epidemiológico, descobriu cerca de cem pessoas com a mutação de Laron no Equador.

Esta afirmação exagera um pouco os resultados científicos até agora obtidos, mas reflecte o interesse dos investigadores pelos genomas de grupos de pessoas invulgarmente saudáveis ou longevas, cujo isolamento, geográfico ou cultural, facilita a identificação de pistas genéticas para a longevidade e a resistência às doenças, bem como para a saúde numa idade avançada.
Um desses cientistas é o médico de Passarinho, Jaime Guevara, nascido na província de El Oro. Fascinado pela “gente pequena” da região, designação pela qual eram conhecidos muito antes de esta patologia sequer ter um nome, ele começou a estudá-los em 1987 e, durante um quarto de século de levantamento epidemiológico, descobriu cerca de cem pessoas com a mutação de Laron no Equador.
Meche Romero Robles, mãe solteira de 40 anos, é outra doente de Jaime Guevara. Com 1,25m de altura, Meche vive com a filha adolescente, Samantha, num bloco de apartamentos no topo de uma colina da vila de Piñas. “Olhem só para ela!”, exclamou Jaime, dando à mãe um abraço afectuoso. “Ela devia ter diabetes. Mas não tem.” Mesmo aos olhos de um não-médico, Meche aparentava ser obesa. À semelhança de muitos indivíduos com esta síndrome, contudo, mantinha-se livre de diabetes. “Apercebi-me disso em 1994, mas ninguém quis acreditar em mim”, contou Jaime.

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NORMAN APOLO RAMIREZ, 51 anos
Apolo tem síndrome de Laron, uma doença genética que determina uma baixa estatura, mas possibilita uma vida longa. A síndrome gera risco reduzido de cancro e diabetes. Antigo jornalista e líder político na sua aldeia de Balsas, no Equador, Norman é agora professor no ensino secundário. Está rodeado pela mulher, pelas três filhas e por um neto bebé, nenhum dos quais com síndrome de Laron.

Esta situação começou a mudar em 2005, quando Valter Longo, especialista em biologia celular da Universidade do Sul da Califórnia (USC), convidou Jaime Guevara a visitar a USC para descrever a sua investigação. Uma década antes, Valter começara a manipular os genes de organismos simples como a levedura unicelular, criando mutações que lhes permitiam viver durante mais tempo. Isso devia-se a diversas razões. Alguns mutantes conseguiam reparar o seu DNA com mais eficácia do que as células normais; outros davam provas de uma capacidade aumentada para minimizar os danos causados pelas substâncias oxidantes. Outros ainda mostravam-se capazes de travar o tipo de lesões do DNA que promovem o cancro nos seres humanos.
Em 1996, o cientista Andrzej Bartke conduziu experiências com genes de ratinho associados ao crescimento. E demonstrou que, inibindo a via da hormona de crescimento, originava ratinhos de menor dimensão. Surpreendentemente, verificou que estes ratinhos viviam durante mais tempo (cerca de 40%) do que os ratinhos normais.

"Estou feliz, feliz por ter uma família tão encantadora. Eles dão-me vida." (Norman Apolo Ramirez)

Poderiam esses processos existir também nos seres humanos? Poderiam as anomalias genéticas proteger contra as doenças do envelhecimento? Zvi Laron, o endocrinologista israelita que em 1966 descreveu o nanismo que acabaria por ser baptizado com o seu nome, descobrira dezenas de pessoas dispersas pela Europa com aquela rara síndrome. Valter Longo pensou que os doentes de Jaime Guevara representavam uma “experiência” da natureza, uma população isolada com uma patologia que associava a genética à longevidade.

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Pistas genéticas da longevidade
O estudo de grupos geneticamente isolados em termos geográficos ou culturais revelou mutações genéticas que parecem prevenir doenças que tornam a vida mais curta. As mutações não se limitam a estes grupos e nem todos os membros do grupo as possuem. Compreender como estes genes funcionam poderia contribuir para prolongar a vida.

CETP/APOC-3
Judeus asquenazes
Descendentes de judeus europeus, na sua maioria moradores na cidade de Nova Iorque neste estudo, apresentam mutações que os defendem da tensão arterial elevada e diminuem também o risco de Alzheimer.
GHR
Equatorianos com síndrome de Laron
Esta mutação genética suprime uma hormona do crescimento insulínica, causando o nanismo de Laron. Mas também constitui factor de inibição da diabetes e do cancro.
APOC3
Amish da ordem antiga (uma mutação diferente do APOC-3 aparece em judeus asquenazes).
Os membros desta comunidade religiosa estudados na Pensilvânia são portadores de uma mutação que reduz a presença de gordura no sangue.
FOXO3a
Nipo-americanos
Nos homens, uma mutação deste gene diminui as possibilidades de ocorrência de cancro e doença cardíaca. Suspeita-se que diversos genes FOXO são determinantes de longevidade.

A origem dos equatorianos com síndrome de Laron pode ser seguida até finais do século XV, quando judeus chegados ao Novo Mundo provenientes da Península Ibérica trouxeram na bagagem um elemento muito específico: um erro genético conhecido como mutação E180 no gene receptor da hormona do crescimento, o qual produz a molécula que recebe os sinais de crescimento do corpo. Este erro singular do código genético apareceu igualmente em Israel.
“Parte-se do pressuposto de que os judeus sefarditas procuravam desesperadamente sair de Espanha e de Portugal devido à Inquisição”, afirma o médico geneticista Harry Ostrer, da Faculdade de Medicina Albert Einstein da cidade de Nova Iorque. “Dirigiram-se para o Norte de África, para o Médio Oriente e para a Europa Meridional. Muitos aventuraram-se igualmente até ao Novo Mundo, mas a Inquisição foi-lhes no encalço. Por isso, essas pessoas tinham interesse em sair de cidades como Lima e Quito, onde a igreja mantinha presença mais forte.”
Instalaram-se em pequenas vilas e aldeias dispersas por um território de 200 quilómetros quadrados no Sul do Equador. Ao longo dos séculos, a mutação foi-se propagando na população, ampliada pelo isolamento e pela consanguinidade. “Em teoria, somos todos provenientes da mesma família”, diz Christian Asanza Reyes, economista residente em Balsas, cuja estatura elevada não denuncia a mutação transmitida por si e pela sua mulher a dois dos seus três filhos.

Experiências demonstraram que o sangue colhido nos doentes equatorianos parecia proteger as células humanas de cancros induzidos em laboratório.

Jaime Guevara e Valter Longo começaram a colaborar em 2006. Dentro do grupo com síndrome de Laron, não havia casos de diabetes e havia apenas uma patologia maligna não mortal. Num grupo de controlo formado por pessoas da mesma idade residentes na mesma região, Jaime e Valter descobriram que 5% desenvolveram diabetes e 20% morreram de cancro. Experiências posteriores conduzidas por Valter Longo na USC demonstraram que o sangue colhido nos doentes equatorianos parecia proteger as células humanas de cancros induzidos em laboratório. Que ingrediente mágico existia então no seu sangue?
“Nada”, resumiu Valter Longo.
Em rigor, devia-se à inexistência de um factor, uma hormona denominada IGF-1 ou factor de crescimento insulínico de tipo 1. O sangue funcionava como protecção por possuir níveis invulgarmente baixos de IGF-1, que desempenha um importante papel no crescimento infantil, mas também está implicado como carcinogénico e como um poderoso regulador do metabolismo. Poderia o controlo da presença de uma hormona no sangue humano adiar as doenças da velhice? Não será provavelmente assim tão simples, mas o factor de crescimento insulínico de tipo 1 está sempre a aparecer nas investigações sobre a longevidade.

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SADIE MINTZ, 105 anos
Quando era jovem, Sadie ajudava os pais na loja que geriam. Em adulta, foi dona de uma joalharia em Hollywood, pagando renda à estrela de cinema Mary Pickford durante algum tempo e, em certa ocasião, alugou brincos a Marilyn Monroe para uma sessão fotográfica para a revista "Life". Aos 104 anos, Sadie Mintz publicou um conto em edição de autor. Está vestida a rigor para comemorar o Ano Novo Judaico em casa de uma das suas três netas.

Na Calábria, a caça às moléculas e aos mecanismos desconhecidos que conferem longevidade começa em lugares como o Gabinete do Registo Civil na aldeia medieval de Luzzi. Para um geneticista da população, a informação valiosa está escondida nos arquivadores de ficheiros que forram a sala, em prateleiras de registos numerados por ano, a partir de 1866.
Apesar da sua fama de desorganizado, o Estado italiano, pouco depois da unificação do país em 1861, ordenou aos funcionários públicos locais que registassem os nascimentos, casamentos e óbitos de todos os cidadãos em cada paróquia.
Desde 1994, cientistas da Universidade da Calábria analisam os registos de cada uma das 409 paróquias calabresas para realizarem um levantamento extraordinário. Combinando os historiais familiares com simples medições fisiológicas da idade de óbito e com as mais recentes tecnologias genómicas, preparam-se para dar resposta a perguntas fundamentais acerca da longevidade. Quanto é determinado pela genética? E pelo meio ambiente? E como interagem entre si estes factores para promoverem a longevidade ou, pelo contrário, para acelerarem o processo de envelhecimento? Para responderem a todas estas perguntas, os cientistas precisam de começar por dados demográficos incontestáveis.

"Ninguém é capaz de fazer seja o que for sem essa palavra tão importante: coragem." (Sadie Mintz)

“Aqui está o livro de 1905”, mostrou Marco Giordano, um dos colegas de Giuseppe Passarino, abrindo um livro de registo. Apontou para um registo do nascimento de Francesco D’Amato, no dia 3 de Março de 1905. “Morreu em 2007”, disse Marco, descrevendo depois D’Amato como figura principal de uma extensa árvore genealógica. “Conseguimos reconstituir as genealogias das famílias a partir destes registos.”
Cruzando as entradas dos livros de registo com cartões de registo pormenorizados com dados que recuam ao século XIX, Marco, juntamente com os seus investigadores Alberto Montesanto e Cinzia Martino, reconstituíram extensas árvores genealógicas de 202 nonagenários e centenários da Calábria. Estes registos documentam não só os irmãos de pessoas que viveram até aos 100 anos, mas também os cônjuges dos irmãos, o que permitiu ao grupo de Giuseppe Passarino fazer uma experiência histórica sobre a longevidade. “Comparámos as idades dos irmãos e irmãs de Francesco D’Amato com as idades dos respectivos cônjuges”, explicou Marco. “Ou seja, eles viveram no mesmo ambiente. Comeram a mesma comida.

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IRVING KAHN, 106 anos
Irving começou a carreira no mundo financeiro em 1928. Ainda é presidente do conselho de administração da empresa que ostenta o apelido da família. Trabalha cinco horas por dia. E deve ser o profissional de investimentos mais antigo do mundo.

Tomaram os mesmos remédios. Provinham da mesma cultura. Mas não tinham os mesmos genes.” Num artigo de 2011, os investigadores calabreses relataram uma conclusão surpreendente: embora os progenitores e irmãos das pessoas que viviam pelo menos até aos 90 anos também vivessem mais do que a população em geral, uma conclusão concordante com a investigação anterior, os factores genéticos pareciam beneficiar mais os homens do que as mulheres.
No que diz respeito à distribuição por sexo, os resultados calabreses dão-nos outra pista: as voltas e reviravoltas genéticas que conferem longevidade podem ser invulgarmente complexas. Estudos europeus de grande dimensão tinham anteriormente documentado que as mulheres tinham maiores probabilidades de chegar aos 100 anos, ultrapassando em número os centenários do sexo masculino numa proporção de quatro ou cinco para um, ficando com a certeza de que parte das razões é genética. No entanto, a componente genética da longevidade parece ser mais forte nos homens, embora as mulheres tirem melhor partido do que os homens de factores externos como o regime alimentar e os cuidados médicos.

“Descrevemos cinco ou seis vias químicas no interior das células que mais fortemente influenciam a longevidade.”

O DNA tem revelado informação suplementar acerca do grupo calabrês. Por exemplo, as pes-soas que vivem até aos 90 anos e ultrapassam esta idade tendem a possuir uma variante particular, ou alelo, de um gene importante para o sabor e a digestão. Este alelo não só confere às pessoas um gosto por alimentos amargos como os brócolos e os legumes verdes do campo, alimentos tipicamente ricos em compostos conhecidos como polifenóis, que promovem a saúde celular, mas permite também que as células do intestino extraiam com maior eficiência nutrientes dos alimentos, enquanto estão a ser digeridos.
“Descrevemos cinco ou seis vias químicas no interior das células que mais fortemente influenciam a longevidade”, disse Giuseppe. “A maioria está implicada na resposta ao stress, no metabolismo de nutrientes ou no metabolismo em geral – a armazenagem e consumo de energia.” O seu grupo está actualmente a estudar a forma como as influências ambientais, desde o regime alimentar durante a infância ao tempo durante o qual um indivíduo frequenta a escola, poderiam modificar a actividade dos genes de uma maneira que ora prolonga ora abrevia a longevidade.

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LILLY PORT, 99 anos
"Poderia ter sido internada num campo de concentração sem que ninguém tivesse dado por nada", diz Lilly, que fugiu de Viena depois de os nazis tomarem o poder. Esta activista dos direitos do consumidor na reforma adora viajar. Recentemente, visitou Machu Picchu.

Outro continente, outra ilha genética. Estava um dia cinzento no Bronx e Jean Sisinni, de 81 anos, caminhava para a frente e para trás sobre um tapete cinzento num terceiro andar na Avenida Morris Park. Enquanto andava, Jean esforçava-se por soletrar as letras do alfabeto alternadamente (“B, D, F, H”), ao mesmo tempo que o sensor instalado sobre a sua fronte lhe media a actividade do córtex pré-frontal e o tapete registava em simultâneo a localização, o rumo e a velocidade de cada passo.
“Está muito bem!”, afirmou o neuropsicólogo Roee Holtzer, da Faculdade de Medicina Albert Einstein, que tem realizado estudos sobre as funções cerebrais e a mobilidade em idosos. Numa série de estudos nos últimos anos, Roee e o neurologista Joe Verghese demonstraram que a quantidade de raciocínio que um ser humano é capaz de desenvolver na região executiva e pré-frontal do cérebro enquanto caminha e fala prediz o risco de demência, perda de mobilidade e quedas.

O projecto da faculdade cresceu e incluiu mais de 500 centenários residentes na cidade de Nova Iorque e arredores.

Estas experiências complementam a investigação feita na mesma faculdade, liderada por Nir Barzilai, um médico israelita que, em 1998, começou a estudar três centenários de Nova Iorque. Desde então, o projecto da faculdade cresceu e incluiu mais de 500 centenários residentes na cidade de Nova Iorque e arredores, todos oriundos da Europa Central e todos judeus asquenazes, uma população historicamente isolada e culturalmente insular. Neste grupo homogéneo, a investigação revelou mais uma vez um conjunto de genes relacionado com a longevidade, alguns dos quais apareceram igualmente em Itália.
À medida que recolhiam mais dados, os investigadores repararam que os centenários asquenazes possuíam níveis excepcionalmente elevados de HDL, frequentemente designado por colesterol bom, e que os níveis deste eram inclusivamente superiores nos seus filhos. Esta percepção levou-os a analisar o DNA de cerca de cem genes envolvidos no metabolismo do colesterol. Descobriram então uma variante, um subtipo genético diferenciado, de um gene conhecido como PTEC (proteína de transferência do éster do colesterol) que era mais comum nos centenários do que nos restantes grupos etários.

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RAE KLINE, 83 anos
"Uma máquina em movimento permanente" é a frase usada por Rae para se descrever. Foi pioneira do ioga nos EUA. No seu exercício diário, incluem-se 1,5 quilómetros de natação, uma hora de bicicleta e uma caminhada de seis quilómetros pela praia.

Quando investigaram a versão do gene da PTEC dos centenários, confirmaram as investigações anteriores que demonstravam a sua capacidade de protecção contra as doenças cardiovasculares e revelaram em seguida que muitas pessoas com este subtipo genético (não apenas os centenários, mas também outros judeus asquenazes e, até, moradores não-judeus do Bronx) têm melhor desempenho em tarefas cognitivas como “caminhar e falar ao mesmo tempo”. Nesta linha de investigação, duas grandes empresas farmacêuticas conduzem actualmente ensaios clínicos com fármacos inibidores da PTEC, com efeitos semelhantes às variantes genéticas dos centenários.
Nir Barzilai e os seus colegas focaram-se também nas mitocôndrias dos centenários. As mitocôndrias são as centrais electroprodutoras da célula com responsabilidades metabólicas fundamentais. Nir Barzilai e a sua equipa identificaram várias proteínas mitocondriais, por eles denominadas mitoquinas, associadas a nonagenários ou centenários.

O amplo e ambicioso programa de longevidade da Faculdade de Medicina Albert Einstein faz parte de uma grande mudança na investigação sobre genética humana.

Uma destas moléculas, a humanina, parece ser especialmente interessante, pelo menos em experiências com animais. Segundo Nir Barzilai, basta administrar uma única inoculação de humanina a um rato diabético para que os seus níveis de glucose normalizem e, essencialmente, os sintomas diabéticos desse rato desapareçam em poucas horas. Ela também previne a arterosclerose e a doença de Alzheimer em ratinhos com propensão para estas doenças e, de certa forma, limita as lesões coronárias sofridas quando os investigadores induzem ataques cardíacos em animais de laboratório.
O amplo e ambicioso programa de longevidade da Faculdade de Medicina Albert Einstein faz parte de uma grande mudança na investigação sobre genética humana, cujo enfoque primordial nos últimos 20 anos têm sido os chamados genes patológicos. “Todos procuram os genes da diabetes e da obesidade e coisas do género”, diz Nir Barzilai. “Na minha opinião, uma das razões pelas quais não os encontram é porque nós também temos conjuntos de genes protectores.” Muitos investigadores centram-se actualmente na busca desses genes protectores que, aparentemente, conseguem impor-se aos genes associados à doença e ao envelhecimento.

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MARION STEHURA, 103 anos
Durante a infância, no Ohio, Marion queria "fazer o que os rapazes fazem". Agora, na Califórnia, diverte-se assobiar com força e durante muito tempo nos supermercados quando vai às compras com o filho John: era assim que costumava chamar os filhos quando eram rapazes novos. Deslocando-se num carrinho eléctrico fornecido pelo supermercado, gaba-se: "O meu assobio era capaz de desfazer este lugar em bocadinhos."

Um dos mais enigmáticos desses genes é o FOXO3. Noutro estudo, investigadores da Universidade do Hawai descobriram variantes deste gene em homens nipo-americanos longevos moradores na ilha de Oahu. Este gene encontra-se na mesma via do gene IGF-1 insulínico e sobressaiu em estudos com leveduras e vermes e também na população com síndrome de Laron do Sul do Equador.
Os genes protectores são também objecto de um estudo realizado no Instituto Scripps de Ciência Translacional na Califórnia, onde o médico Eric Topol e os seus colegas estão a examinar o DNA de cerca de um milhar de pessoas a que chamam wellderly (idosos extremamente saudáveis). Trata-se de pessoas com mais de 80 anos de idade que não apresentam doenças crónicas, como tensão arterial elevada, doença das artérias coronárias ou diabetes, e que nunca tomaram medicamentos para estas patologias. “Existem necessariamente genes modificadores que explicam porque estas pessoas estão protegidas dos genes nocivos que afectam o processo de envelhecimento”, disse Eric. “E a caça continua.”

"Não deixes que ninguém te engane. Luta, não pares de lutar pelos teus direitos." (Marion Stehura)

A corrida à descoberta das chaves para a longevidade levou os cientistas a centrar a sua procura… no útero. Os investigadores da Faculdade de Medicina Albert Einstein suspeitam que o nosso padrão de envelhecimento é provavelmente determinado numa fase muito precoce, talvez mesmo antes de nascermos.
Para analisar esta hipótese, Francine Einstein e John Greally têm examinado marcadores químicos subtis no DNA de células-tronco retiradas do sangue do cordão umbilical de bebés nascidos no Bronx. Descobriram que o padrão de marcação do DNA nos bebés pequenos e grandes é significativamente diferente quando comparado com o dos bebés de dimensão normal. Estes resultados fazem parte de um novo e popular ramo da biologia, denominado epigenética, que estuda a maneira como as influências ambientais podem modificar quimicamente o DNA e introduzir alterações na actividade dos genes para toda a vida. Como Nir Barzilai explica, “há possivelmente influências no útero que afectam os mecanismos genéticos e que, de alguma maneira, determinam o ritmo de envelhecimento”.

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Apagar 100 velas
Os centenários alcançam esta meta por serem mais saudáveis, graças à genética, ao bom senso ou à sorte. Nas pessoas com uma esperança de vida média, as doenças da velhice atacam mais cedo e duram mais tempo.

No entanto, só por si, os genes não serão suficientes para explicar todos os segredos da longevidade e os peritos consideram existir um aviso preventivo nos recentes resultados respeitantes à restrição calórica. Experiências realizadas em 41 modelos genéticos diferentes de ratinhos, por exemplo, demonstraram que a restrição da ingestão de alimentos produz resultados contraditórios. Cerca de metade das estirpes de ratinhos viveram mais tempo, mas outras tantas viveram menos tempo do que teriam vivido se seguissem um regime alimentar normal. E no passado mês de Agosto uma experiência de longa duração com primatas, realizada pelo Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA, concluiu que macacos sujeitos a uma alimentação com restrição calórica durante 25 anos não apresentavam vantagens em termos de longevidade. Giuseppe Passarino deu a sua opinião depois de visitarmos os centenários em Molochio. “Há bons genes e maus genes, mas a questão é ter os genes certos em certos períodos”, disse. “E, no final, os genes são provavelmente responsáveis apenas por 25% da longevidade. O ambiente também conta, mas também não explica tudo. E convém não esquecer o acaso.”

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SALVATORE CARUSO, 106 anos
Caruso caminha sem ajuda, não precisa de óculos, recita Dante em voz alta e gosta de cantar com os netos. Algumas das suas primeiras recordações prendem-se com os olivais que enchem as terras da família em Molochio, em Itália. Embora as técnicas tenham mudado, continua a participar na colheita e ajudou na produção de azeite ao longo de toda a sua vida.

"Quando era bebé, punham-me aqui, em cima de um cobertor, durante a apanha da azeitona." (Salvatore Caruso)

O que me fez lembrar Salvatore Caruso, de Molochio, agora com 107 anos e sempre forte. Por ter fracturado a perna há 88 anos, encontrava-se inapto para prestar serviço militar no exército italiano quando a sua unidade foi convocada durante a Segunda Guerra Mundial. “Foram todos enviados para a frente russa e nenhum regressou”, contou. Eis uma forma de recordar que, embora existam moléculas e mecanismos que um dia poderão conduzir a fármacos que nos ajudem a atingir e gozar de uma velhice saudável, um pouco de sorte também não prejudica.

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