Em 2015, o cometa C/2014 Q2 Lovejoy (aqui apresentado num mosaico de duas fotografias) aproximou-se do Sol pela primeira vez em milénios. É provável que Lovejoy seja oriundo da nuvem de Oort, uma cobertura distante que se pensa rodear o Sistema Solar. É um dos cerca de quatro mil cometas conhecidos entre os milhares de milhões que se estima existirem no nosso quintal cósmico.
A astronomia fornece-nos imagens inéditas dos objectos minúsculos que se encontram espalhadas pelo Sistema Solar.
Texto: Michael Greshko
Dante Lauretta está sereno enquanto se prepara para os 17 segundos para os quais trabalhou nos últimos 16 anos.
Cientista planetário, Dante contempla fixamente um monitor onde se vêem três imagens simuladas de um objecto pedregoso, parecido com um pião, flutuando num mar de estrelas. É o asteróide conhecido como 101955 Bennu. Empoleirado sobre um banco metálico estofado no interior de um edifício discreto no Colorado, Dante observa-o. O edifício pode ser confundido com um vulgar complexo de escritórios. No entanto, os decalques de naves espaciais nas paredes e as etiquetas afixadas sobre cada cubículo – Corrente Eléctrica; Telecomunicações; Orientação, Navegação & Controlo – revelam a sua verdadeira função: aqui fica o controlo de missões da Lockheed Martin Space.
São 13h49 no fuso horário das montanhas (MT) do dia 20 de Outubro de 2020. Bennu aparece no ecrã dentro de um aro verde que representa a órbita de uma sonda espacial da NASA com um nome complicadíssimo: Origins, Spectral Interpretation, Resource Identification, and Security-Regolith Explorer, ou OSIRIS-REx, resumindo.
Daqui a menos de três horas, o emissário robótico tentará descer e tocar em Bennu pela primeira vez e, com sorte, colher uma amostra de poeira e pedras extraterrestres e trazê-la para a Terra.
Lançado em 2016, OSIRIS-REx foi obrigada a orbitar o Sol duas vezes até conseguir alcançar Bennu, que se encontra a mais de 300 milhões de quilómetros. Com quase 500 metros de largura, Bennu é o corpo celestial mais pequeno alguma vez orbitado por uma sonda. A sua superfície é tão irregular que a equipa de Dante Lauretta passou um ano a cartografá-la até encontrar um local seguro onde pousar. Toda esta expectativa poderia contribuir para algum nervosismo, mas Dante parece em paz. “A sonda está bem-disposta hoje”, brinca.
















A que se deve este stress e esforço para obter dois quilogramas de poeira e detritos? Para começar, os componentes do asteróide formaram-se nos primeiros momentos do Sistema Solar, há mais de 4.500 milhões de anos. Estas rochas, que mostram indícios de conterem carbono, constituem um arquivo prístino de como os planetas se formaram e, possivelmente, de onde a Terra obteve os materiais fundamentais para a vida. “Em termos científicos, é ouro”, diz Dante Lauretta.
No entanto, Bennu tem também um potencial de destruição. Está a aproximar-se suficientemente da Terra para que os astrónomos dêem crédito a uma pequena, embora séria, probabilidade – 1 em 2.700 – de colidir connosco entre 2175 e 2199. As amostras que OSIRIS-REx trouxer poderão ser essenciais para conceber a defesa certa contra um impacte que poderá libertar mais de dois milhões de vezes a energia da explosão de nitrato de amónio que abalou Beirute há um ano. Numa escala de dimensão superior, Bennu e OSIRIS-REx simbolizam duas revoluções paralelas na astronomia contemporânea que põem em causa antigas concepções do Sistema Solar. Os telescópios actuais conseguem ver objectos mais pequenos e ténues do que nunca, permitindo que os astrónomos examinem os céus e descubram a população cósmica que rodeia os oito planetas. Há vinte anos, os seres humanos conheciam cerca de cem mil corpos celestiais no Sistema Solar.
No início de 2021, já tínhamos catalogado mais de um milhão de objectos orbitando o Sol.
Em simultâneo, agências espaciais de todo o mundo desenvolveram ferramentas e tecnologias para visitar e explorar esses mundos e até trouxeram pedaços deles para a Terra para os estudarem mais pormenorizadamente.
As probabilidades pouco têm de abstractas. A imagem do Sistema Solar que todos aprendemos na escola parece ter uma arquitectura lógica. No entanto, há décadas que os astrónomos e os cientistas planetários suspeitam que falte algo, uma vez que, dado o aspecto que lhe conhecemos, é extremamente difícil explicar de que maneira Úrano e Neptuno se formaram nos locais que orbitam actualmente. O nosso lar cósmico parece não possuir alguns dos tipos de planetas mais comuns que orbitam outras estrelas. E, até 2021, a Terra é o único refúgio de vida que conhecemos. Como foi então, ao certo, que o nosso Sistema Solar veio aqui parar e deu origem aos seus habitantes?
Durante muito tempo, corpos pequenos como Bennu foram desvalorizados como meros vestígios do processo de criação dos planetas. Agora, porém, os investigadores sabem que estes corpos são muito importantes. À semelhança de Bennu, muitos são cápsulas do tempo, que praticamente não mudaram desde o nascimento do nosso Sol. Outros podem também representar uma ameaça à vida na Terra. Ao seguirmos e visitarmos estes mundos primordiais, colhendo amostras deles, temos finalmente uma oportunidade de perceber de onde viemos e, com sorte, de impedir estes objectos de destruir aquilo em que nos tornámos.
O interesse da humanidade por corpos pequenos (todos os objectos naturais que orbitam o Sol mas não são planetas, planetas-anões ou luas) acompanha-nos desde que existem seres humanos a olhar para o céu. Durante milénios, várias culturas detectaram os cometas e meteoros visíveis no céu nocturno e trataram-nos como importantes presságios. Havia, porém, limites para aquilo que se podia fazer para aprender mais, porque os corpos pequenos reflectem escassa luz solar e são, por isso, difíceis de encontrar no negrume do espaço.
Na alvorada do século XX, os astrónomos já tinham identificado cerca de quinhentos asteróides orbitando o Sol, começando pela descoberta de Ceres, em 1801. O ritmo das descobertas começou a acelerar nas décadas de 1980 e 1990, com o aperfeiçoamento dos telescópios. Em 1992, os astrónomos detectaram o primeiro mundo para lá de Plutão e uma das suas luas, situado além da órbita de Neptuno, confirmando teorias sobre a zona exterior do Sistema Solar, actualmente conhecida como cintura de Kuiper. Hoje, os astrónomos sabem que esta região está cheia de milhares de corpos gelados.
No entanto, se fosse preciso identificar o momento exacto em que o frenesi da descoberta de corpos pequenos começou, um candidato razoável seria o dia 11 de Março de 1998. Nesse dia, o centro norte-americano Minor Planet, repositório oficial global de todas as órbitas de asteróides e cometas, divulgou um comunicado de imprensa de tom ameaçador: um asteróide aproximava-se a uma distância de 42 mil quilómetros da superfície da Terra, existindo uma pequena probabilidade de atingir o planeta.
A notícia afectou o público cada vez mais consciente da gravidade dos danos que um asteróide poderia infligir. Anos antes, geólogos tinham identificado a cratera deixada pelo asteróide que atingiu a Terra há 66 milhões de anos, matando todos os dinossauros excepto as aves.
Os astrónomos apressaram-se a verificar de novo os seus cálculos. No dia seguinte, Don Yeomans e Paul Chodas, do Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, confirmaram que o asteróide passaria, inofensivamente, ao largo da Terra, a uma distância de 960 mil quilómetros. A crise fora evitada, mas a troca de ideias pôs a descoberto, de forma gritante, o escasso investimento que até então fora concedido à detecção de asteróides perigosos.
Em Maio de 1998, o Congresso dos Estados Unidos incumbiu a NASA de descobrir, no mínimo, 90% de todos os asteróides com mais de quilómetro de diâmetro que se aproximassem até 195 milhões de quilómetros do Sol. Concedeu uma década para esse objectivo. Em Julho, a NASA criou um gabinete para supervisionar a busca de asteróides.
Os astrónomos contavam então com a tecnologia certa. Em finais da década de 1990, os sensores das câmaras digitais tinham-se tornando suficientemente grandes e sensíveis para obterem melhores resultados do que as desajeitadas placas de vidro utilizadas, durante décadas, para captar imagens do céu nocturno. De repente, os telescópios passaram a conseguir ver objectos mais pequenos, mais ténues e mais distantes. E como os novos dados já eram digitais, os investigadores podiam analisá-los com programas informáticos, simplificando assim o processo.
O astrónomo Mike Brown assistiu, em primeira mão, ao que se seguiu. Em 2002, Mike e os colegas decidiram actualizar o telescópio de 1,2 metros de diâmetro do Observatório de Palomar, equipando-o com uma grande câmara digital. Quando apontou o instrumento para a cintura de Kuiper na esperança de encontrar objectos maiores e mais brilhantes do que as poucas centenas de habitantes conhecidos na região, a equipa começou a descobrir um número elevadíssimo de mundos novos. “Senti-me como se houvesse objectos a cair do céu”, disse.
Entre as descobertas de Mike Brown contavam-se três objectos com cerca de metade do diâmetro de Plutão e um (denominado Eris) ainda mais maciço. Em 2006 a União Astronómica Internacional votou para criar a categoria de “planeta-anão” que actualmente inclui Plutão. Nos 15 anos entretanto volvidos, os astrónomos encontraram ainda mais objectos para lá de Neptuno e aprenderam como eles são muito diferentes entre si no que respeita ao seu movimento em torno do Sol.
Alguns objectos possuem órbitas estáveis e enfadonhas, indicativas de que a sua formação ocorreu no local onde se encontram agora. Outros foram atirados para órbitas erráticas pela gravidade de Neptuno e alguns, raríssimos, têm órbitas tão distantes e alongadas em torno do Sol que provavelmente não sentem a influência da atracção gravitacional de nenhum dos planetas conhecidos.
Estes corpos pequenos “desligados” são tão estranhos que Mike Brown e alguns astrónomos acreditam serem reveladores da presença de um planeta invisível com uma massa várias vezes superior à da Terra, escondido a dezenas de milhares de milhões de quilómetros do Sol. Para resolver este quebra-cabeças, os seres humanos precisam de trazer peças do cosmo para a Terra.






BERÇÁRIO. Imagens em comprimentos de onda quase-infravermelhos, captadas pelo telescópio Gemini South revelam restos de planetas em redor de outras estrelas. Cada disco de detritos gelados e rochosos rodeia uma estrela jovem (bloqueada na imagem). Muitos discos têm “buracos” interiores, talvez escavados por planetas recém-formados. Estes discos assemelham-se à cintura de Kuiper do nosso Sistema Solar. IMAGENS CAPTADAS PELO OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL GEMINI /NOIRLAB/ GPIES/T. ESPOSITO, UC BERKELEY
Na madrugada de 6 de Dezembro de 2020, o helicóptero de Shogo Tachibana aterrou na Zona Interdita de Woomera, uma área no interior rural da Austrália com vegetação arbustiva, cerca de 450 quilómetros a norte de Adelaide. Nesta manhã de Verão, serviu de local de aterragem a uma sonda espacial que regressava após contacto com um asteróide.
Shogo Tachibana, da Universidade de Tóquio, encontrava-se em Woomera com a sua equipa em busca da cápsula com 40 centímetros de diâmetro. Após uma viagem abrasadora pela atmosfera da Terra, aquele equipamento imobilizara-se no meio de arbustos prateados e árvores encarquilhadas, trazendo consigo poeira prístina e rochas quase tão velhas como o Sol, apenas pela segunda vez na história da humanidade.
Dez anos antes, a Agência de Exploração Aerospacial do Japão, ou JAXA, tornara-se a primeira agência espacial a colher uma amostra na superfície de um asteróide. A missão Hayabusa aproximou-se do asteróide 25143 Itokawa em 2005, mas a manobra de colheita de amostras não correu como planeado. Uma cápsula com uma pequena pitada dos seus grãos de poeira aterrou em Woomera em 2010. A sua sucessora, Hayabusa2, partiu em 2014 para o asteróide próximo da Terra 162173 Ryugu.
No interior da nave espacial, os engenheiros instalaram um conjunto de instrumentos científicos, um módulo para pousar, três veículos de exploração, um projéctil especialmente concebido para criar uma cratera artificial e uma câmara independente, que filmaria a explosão. Esses acessórios ajudaram a Hayabusa2 a concretizar o seu derradeiro objectivo: tocar duas vezes em Ryugu, disparar uma bola contra a sua superfície e recolher a matéria libertada.
Agora há 5,4 gramas de grãos de poeira e rochas escuros num laboratório dos arredores de Tóquio. É a primeira vez que a humanidade contempla de perto a superfície e a subsuperfície de Ryugu e os próximos estudos produzirão registos inestimáveis sobre a história do Sistema Solar.
Até à realização de missões como a Hayabusa2, os cientistas dependiam dos meteoritos caídos na Terra para sondar as origens do Sistema Solar. Alguns destes torrões primordiais indicavam que os asteróides de origem continham uma quantidade surpreendente de minerais com água, bem como os tipos de química carbonada capazes de dar origem a alguns dos componentes da vida. Mas os meteoritos não são completamente prístinos, pois sobreviveram a uma descida flamejante através da nossa atmosfera.
Visitando asteróides, os cientistas talvez consigam ajudar a resolver um mistério de longa data: de que maneira a superfície da Terra se tornou um oásis para a vida, apesar de o nosso planeta se ter formado tão perto do Sol? Enquanto ganhava forma há mais de 4.500 milhões de anos, o nosso mundo atravessou uma juventude escaldante e infernal. Contudo, aqui estamos nós: o nosso pálido pontinho azul viaja pelo espaço como um paraíso biológico dependente da água e do carbono. Segundo algumas investigações, apesar de a Terra ter cozido no Sistema Solar interior durante a sua infância, os seus componentes da vida poderiam conter uma quantidade de hidrogénio suficiente para explicar grande parte da água existente no nosso planeta. No entanto, as crateras de meteoritos e de impactes existentes em todo o Sistema Solar apontam para outra fonte, paradoxalmente violenta, de hidratação: bombardeamento por asteróides e cometas. As missões com destino a corpos pequenos realizadas até à data forneceram indícios fascinantes sobre o estímulo destes impactes ancestrais para a química prebiótica da Terra.
Os 1.500 grãos trazidos de Itokawa pela primeira missão Hayabusa mostram que os minerais do asteróide contêm água que parece quimicamente semelhante à existente na Terra. E a missão Rosetta, da Agência Espacial Europeia, a primeira sonda espacial a orbitar e a fazer descer um veículo sobre um cometa, entre 2014 e 2016, revelou que moléculas orgânicas formadas por processos inanimados poderão constituir até um quarto da massa do cometa.
Porém, não podemos pensar apenas na sua utilidade para o nosso planeta. Os asteróides e os cometas são mundos minúsculos com terrenos próprios. “É como se, de repente, tivéssemos milhões de novos tipos de mundos para explorar”, afirma Lindy Elkins-Tanton, cientista planetária da Universidade Estadual do Arizona e investigadora principal de uma missão da NASA que pretende explorar Psyche, um asteróide estranhamente reflector e possivelmente metálico. Além da sua composição, os movimentos diversificados dos corpos pequenos estão a revelar em que medida estes mundos têm sido importantes para dar forma ao sistema estelar a que chamamos lar.
O mesmo edifício no Colorado onde se aloja o controlo da missão OSIRIS-Rex contém a gigantesca sala onde os engenheiros constroem outras missões da NASA, incluindo uma espécie de paleontólogo robótico que, em breve, viajará até Júpiter. Em Outubro passado, para observar este equipamento, vesti o meu melhor fato… de ir ao espaço: uma máscara facial e um macacão completo, com carapuço, concebido para impedir que as minhas roupas e a minha pele causassem qualquer contaminação. Hal Levison e Cathy Olkin, cientistas do Investigação do Sudoeste, juntaram-se a mim.
Hal e Cathy são investigadores da primeira missão destinada a explorar os asteróides troianos de Júpiter, dois enxames de objectos primordiais que se deslocam à frente e atrás de Júpiter ao longo da sua órbita. Na opinião destes especialistas, os troianos são os fósseis do Sistema Solar e, por isso, Cathy sugeriu chamarem Lucy à missão, em homenagem ao famoso esqueleto de Australopithecus afarensis.
Os engenheiros responsáveis pela construção de Lucy testavam um mecanismo essencial para manter o olhar da sonda fixo nos seus alvos durante uma série planeada de sobrevoos a alta velocidade. Descrevemos um arco espaçado em torno do dispositivo, ansiosos pelo espectáculo. Mexia-se lenta e metodicamente e até este ligeiro movimento maravilhou Hal e Cathy. “Está vivo! Está vivo!”, exclamou Hal, em tom de brincadeira. Os olhos de ambos mantiveram-se colados à criação da equipa enquanto esta ia despertando.
Os troianos de Júpiter, que Lucy estudará, são um enigma dinâmico: não parecem ter-se formado no local onde se encontram, mas as suas órbitas são extremamente difíceis de penetrar por serem muito parecidas com o percurso que o planeta gigante descreve em torno do Sol. Se os corpos pequenos da actualidade tentassem invadir o domínio de Júpiter desta maneira, o mais provável seria colidirem com o colosso, serem espalhados pela sua gravidade ou até possivelmente expulsos do Sistema Solar. Como foi, então, que Júpiter adquiriu o seu séquito?
Em 2005, Hal Levison e os seus colegas do Observatório da Côte d’Azur, publicaram uma hipótese influente, actualmente conhecida como o modelo de Nice, na qual postulavam que o Sistema Solar começou com muitos mais corpos pequenos do que possui actualmente e que Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno se formaram num local mais próximo do Sol do que a sua órbita actual. À medida que os corpos pequenos eram atraídos pela gravidade dos gigantes gasosos, as órbitas dos planetas mudaram até estes deslizarem para uma configuração instável.
Pensa-se que, de súbito, os planetas cambalearam, prosseguindo de forma instável, e as suas órbitas se expandiram até atingirem as posições actuais – o lugar onde Júpiter capturou os seus troianos. Durante a refrega, muitos corpos pequenos foram empurrados mais para dentro, para perto do Sol, ou expulsos do Sistema Solar. Os planetas interiores, incluindo a Terra, poderão ter sentido as sequelas como um aumento dos bombardeamentos. “É como se alguém tivesse pegado no Sistema Solar numa fase inicial e o tivesse abanado com imensa força”, diz Hal Levison.
INVASOR ESPACIAL. Em 2019, Gennadiy Borisov, originário da Crimeia, vislumbrou um objecto a deslocar-se demasiado depressa para estar a orbitar o Sol. YULIA ZHULIKOVA
Após o seu lançamento, em Outubro, entre 2027 e 2033 Lucy sobrevoará uma série de troianos seleccionados. A cor, composição, densidade e crateras devem ajudar os investigadores a descobrir quando e onde cada um se formou no Sistema Solar, sustentando estimativas semelhantes para os outros. Estes dados vão lançar um desafio: para terem alguma possibilidade de estarem certas, as futuras simulações do início da formação do Sistema Solar devem reproduzir os padrões que Lucy encontrar. De caminho, a sonda deverá captar as primeiras imagens dos troianos com pormenores discerníveis jamais vistos por seres humanos.
“Esta é a última população estável de pequenos planetas que falta explorar”, diz Cathy Olkin. “É a altura certa.”
Apesar de todos estes progressos, os astrónomos sabem que o nosso conhecimento do que existe lá fora e dos benefícios ou perigos que poderão estar escondidos na escuridão é meramente superficial.
Quando o Observatório Vera C. Rubin iniciar as suas operações no Chile, em 2023, passará uma década a cartografar o céu austral nocturno com um espantoso nível de pormenor, observando a maior parte do céu 825 vezes. Željko Ivezić, cientista responsável por este projecto de levantamento, compara-o frequentemente com a rodagem do “mais fantástico filme de todos os tempos”. Quando se juntarem todas as imagens num time lapse cósmico, o vídeo resultante poderá ser apresentado em full-color HD ao longo de 11 meses.
Espera-se que, no final de 2033, o Observatório Rubin tenha aumentado dramaticamente o número conhecido de corpos pequenos. As suas previsões incluem mais cinco milhões de asteróides na cintura principal, cerca de 300 mil troianos de Júpiter, 40 mil objectos para lá de Neptuno e 10 a 100 objectos que transitam pelo nosso Sistema Solar e se formaram em redor de outras estrelas, que se juntarão aos dois descobertos pelos astrónomos desde 2017.
Para a astrónoma Michele Bannister, da Universidade de Canterbury, o potencial do Observatório Rubin é motivo de admiração. “Basicamente, temos sido crianças à beira-mar, a apanhar conchinhas e a contemplar a sua beleza”, diz. “No entanto, à nossa volta, existe um oceano enorme a perder de vista que, de repente, se transformou num sítio que podemos visitar e explorar.”
Espera-se também que a cartografia deste mar celestial permita identificar mais cem mil asteróides próximos da Terra, situados até 195 milhões de quilómetros do Sol, alguns dos quais “potencialmente perigosos” como Bennu: objectos com mais de 150 metros de diâmetro, com órbitas que os posicionam a um alcance de 7,5 milhões de quilómetros do percurso da Terra em torno do Sol. Se aprendemos alguma coisa com a COVID-19, para não mencionar as crises climáticas e as extinções, é que os sistemas sobre os quais assenta a civilização contemporânea são frágeis. Agora imagine atirar uma rocha espacial bem grande contra eles.
“Como é óbvio, os asteróides e cometas próximos da Terra são um problema menos provável, comparado com algo como a actual pandemia”, afirma Amy Mainzer, cientista planetária da Universidade do Arizona e especialista em asteróides próximos da Terra. “Mas… um dia, se esperarmos tempo suficiente, os eventos improváveis acabam por acontecer.”
DE OLHOS NO CÉU. Engenheiros juntam-se sob o conjunto de sensores que fornecerão energia à câmara digital do Observatório Vera C. Rubin, o maior alguma vez construído para fins astronómicos. Em fase de construção no Chile, o observatório financiado pelos EUA espera descobrir mais cerca de cinco milhões de asteróides, cometas e outros corpos pequenos quando for activado em 2023. JACQUELINE ORRELL, SLAC LABORATÓRIO NACIONAL SLAC DE ACELERAÇÃO
Para proteger a Terra de tal destino não vamos precisar de equipas desorganizadas de astronautas armados com bombas nucleares como nos filmes. Se os astrónomos conseguirem prever uma colisão com antecedência suficiente, uma sonda espacial expedita poderá ser lançada a tempo de atingir o asteróide e tornar a sua órbita inofensiva. Em 2022, uma missão da NASA concebida e gerida pelo Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins tentará fazer esta manobra com uma sonda espacial chamada Double Asteroid Redirection Test, ou DART. DART embaterá contra a lua minúscula de um asteróide a cerca de 24.000 quilómetros por hora, encurtando a sua órbita até dez minutos.
Se a DART for bem-sucedida, os seres humanos poderão, no futuro, recorrer a uma versão maior desta manobra para manter Bennu sob controlo. Primeiro, contudo, pedaços muito mais pequenos de Bennu atravessarão inofensivamente a nossa atmosfera.
São agora 16h13 no fuso horário (MT), das montanhas (MT) do dia 20 de Outubro de 2020 e os 17 segundos pelos quais Dante Lauretta tanto esperou já decorreram para seu grande contentamento. Dois minutos antes, ele e a sua equipa receberam a informação de que a OSIRIS-REx se encontrava a cinco metros da superfície de Bennu e o sistema de detecção de perigos da sonda dera-lhe luz verde para avançar. Dante faz um sorriso rasgado. Pergunto-lhe como se sente e ele diz apenas uma palavra: “Transcendente.”
A engenheira de sistemas Estelle Church confirma então que as ordens que transmitiu foram cumpridas. A milhões de quilómetros da Terra, esquivando-se de rochedos maiores do que casas, a OSIRIS-REx já recolheu o seu tesouro e está a afastar-se.
A extremidade do braço de recolha de amostras da OSIRIS-Rex ficou tão carregada de detritos que se encravou na posição de abertura e a equipa foi obrigada a apressar-se a vedar a fuga do contentor. Devido ao sucedido, não sabem que quantidade de Bennu chegará à Terra quando a OSIRIS-REx largar a cápsula em 2023, mas calculam que seja abundante e que uma observação mais aprofundada da sua química poderá abalar os conhecimentos actualmente disponíveis sobre os primórdios da biologia.
“Vamos compreender melhor as probabilidades de existir vida noutros lugares da galáxia, ou mesmo do universo”, diz Dante Lauretta.
Somos feitos de matéria estelar, como diz o velho adágio de Carl Sagan. Porém, enquanto produtos do Sistema Solar, também poderíamos considerar-nos irmãos de Bennu, irmãs de Psyche, primos e primas dos cometas, parentes dos asteróides e cometas que contam as nossas histórias mais profundas. Num certo sentido, também nós somos corpos pequenos do Sol: infinitamente belos e diversificados, guardando os segredos da própria vida.