terras raras

Estas amostras contêm terras raras e concentrados minerais de onde se podem extrair rentavelmente as terras raras e produtos derivados. Estão nas instalações da empresa Molycorp Minerals, responsável pela exploração da mina de Mountain Pass. Em consequência da concorrência chinesa, a princípio alimentada pela própria empresa norte-americana, a sua actividade cessou em 2002. Em 2010, a empresa retomou a actividade mineira.

Texto: Eva van den Berg

Ainda que aos tropeções, principalmente a partir do estímulo proporcionado pelo Acordo de Paris de 2015, muitos governos tentam promover uma transição para uma economia de baixo carbono, um objectivo fundamental para manter sob controlo o aquecimento global e a crise climática.

No imaginário colectivo, delineamos um futuro a médio prazo alimentado por tecnologias mais limpas. Um futuro em que os carros eléctricos já substituíram os carros de combustão interna. Silenciosos, deslocam-se alimentados por gigantescas baterias de ião de lítio de meia tonelada, cada vez mais autónomas, e motores eléctricos de última geração que, graças aos poderosos ímanes permanentes instalados no seu rotor, são cada vez mais pequenos, mais compactos e simples.

califórnia

Entre 1952 e a década de 1980, a maior parte das terras raras do mundo eram extraídas na mina a céu aberto de Mountain Pass, na Califórnia, com um elevado custo ambiental que foi posteriormente assumido pela China para controlar o mercado destes cobiçados elementos.

Equipados com novíssimos ecrãs LCD, pára-brisas anti-UV e, no caso dos híbridos, catalisadores que minimizam as emissões poluentes, circulam por um território onde proliferam unidades de energias renováveis altamente eficientes, com painéis fotovoltaicos ou enormes aerogeradores que, tanto em terra como no mar, giram também graças a este tipo de ímanes. Pequenos aviões eléctricos asseguram viagens curtas e todos os sistemas de iluminação são de baixo consumo. A sociedade, cada vez mais digitalizada, caminha, em tese, para uma economia desmaterializada, orientada para o menor consumo de recursos e bens materiais, enquanto o tráfego de dados cresce de forma colossal e circula, em tempo real, através de cabos, redes, fibras ópticas e centros de armazenamento de dados, chegando a milhares de milhões de dispositivos receptores cada vez mais inteligentes.

TERRAS RARAS - o presente e o futuro dependem delas

Sem estes 17 elementos, não haverá transição energética, sociedade digital ou tecnologia de ponta. Sem as terras raras, retrocederíamos à década de 1960 e a actividade económica tornar-se-ia muito mais lenta. Estes elementos estratégicos e essenciais para a indústria são fundamentais no sector energético, que necessita deles tanto para produzir energia como para a armazenar e consumir.

terras raras

terras raras

terras raras

Infografia: David Martínez. Fonte: Ricardo Prego

Aparentemente, a dependência dos combustíveis fósseis está a chegar ao fim. Não é maravilhoso? Infelizmente, não tanto quanto fomos levados a acreditar: as novas tecnologias necessárias para implementar a transição energética e a chamada revolução digital, ambas intimamente relacionadas, podem libertar-nos da queima de hidrocarbonetos nas cidades, mas exigem uma enorme quantidade de outras matérias-primas que, obviamente, também são finitas, que são extraídas maioritariamente com recurso a combustíveis fósseis e que também deixam uma pegada ecológica em algumas regiões do planeta.

Em causa estão os chamados minerais críticos, vitais para o desenvolvimento económico da sociedade, mas cujo abastecimento está longe de ser assegurado, tanto pela dificuldade na sua extracção como por motivos geopolíticos que desde há alguns anos estão a remodelar de forma radical um cenário mundial fortemente dominado pela China. Entre esses minerais encontram-se os 17 elementos químicos conhecidos como terras raras, essenciais para a tecnologia actual.

terras raras

Baotou é a maior cidade da região chinesa da Mongólia Interior e o local do planeta onde se produzem mais terras raras: 100 mil toneladas por ano, 75% do total mundial. Ícone de modernidade, Baotou brilha também à custa de áreas vizinhas fortemente afectadas por essa exploração mineira desenfreada.

Estes elementos valiosos nunca são encontrados na sua forma pura. Dispersos pela crosta terrestre, encontram-se em diferentes tipos de minerais e em teores variáveis: em média, cerca de 100 gramas por tonelada. Alguns custam tanto como o ouro (cerca de 50.000 euros por quilograma), mas as suas propriedades ópticas, magnéticas e químicas são tão magníficas que, graças a elas, demos um salto tecnológico brutal. Hoje estes materiais são essenciais, não apenas para alcançar a sustentabilidade, mas também porque têm aplicações em muitos sectores: tecnologias verdes, medicina, automação, robótica, inteligência artificial, segurança cibernética, telecomunicações, conectividade, indústria aeroespacial, processamento de metais, equipamentos militares, biotecnologia, nanotecnologia...

componentes smartphone

Um dos locais para avaliar a dimensão dramática deste problema fica no país vizinho. No Centro de Pesquisa em Recursos e Consumo Energético do CIRCE, a engenheira química Alicia Valero e o pai, Antonio Valero, alertam há algum tempo para os riscos envolvidos nessa transição tão exigente em termos de matérias-primas, como explicam no seu livro “Thanatia: The Destiny of the Earth’s Mineral Resources”.

“No campo das energias renováveis, para gerar um gigawatt numa instalação eólica, por exemplo, são necessários 25 vezes mais materiais do que numa central térmica convencional, e muitos deles são escassos”, destaca Alicia Valero. “Enquanto na central térmica usamos cimento, aço e cobre, na eólica entram em jogo terras raras como disprósio ou neodímio. No caso de painéis fotovoltaicos flexíveis ou de camada fina, além das terras raras, são necessários outros elementos raros, como gálio, selénio, índio, germânio ou telureto de cádmio.” É ainda pior no caso de um veículo eléctrico, que Alicia Valero descreve como “uma verdadeira mina com rodas”: cada unidade pode conter entre nove e onze quilogramas de terras raras, o dobro do utilizado num carro de combustão interna.

terras raras

A província de Jiangxi, no Sudeste da China, é rica em recursos minerais e são aqui explorados depósitos de terras raras, muitas vezes em condições laborais e ambientais inaceitáveis. Abundam neste território terras raras pesadas, de maior peso atómico.

Já foram contabilizadas as quantidades de terras raras exigidas pelos dois mil milhões de carros eléctricos que estarão em circulação em 2050? E os telemóveis? Segundo dados do Statista, uma plataforma de indicadores globais de negócio, em 2021 existiam cerca de 15 mil milhões de telefones activos e cada um contém 65 a 70 elementos químicos. Doze são extremamente escassos: oito terras raras e outros, como o cobalto, altamente conflituosos devido aos problemas sociais e ambientais que geram nos locais onde são extraídos, como a República Democrática do Congo, no caso do cobalto.

componentes carro eléctrico

António Mateus é um geólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e tem participado activamente neste debate colectivo. “O paradoxo não é novo, mas tem vindo a agravar-se com o tempo”, diz. “A massificação das tecnologias digitais e da automação depende de uma quantidade e diversidade de elementos químicos, muitos metais e alguns metalóides como não há registo na nossa história civilizacional. E sociedades mais desenvolvidas como as europeias interiorizaram o princípio de que bastaria ter dinheiro para adquirir estas matérias-primas a outros sem ter de suportar as externalidades.”

“Quando uma região, como a Europa, diz que não quer extrair e processar estas matérias-primas minerais, deve ser coerente e deixar de as consumir”, acrescenta António Mateus. “Sem criação de riqueza, dificilmente conseguiremos distribuir riqueza. E um dos preconceitos neste debate é a ideia de que a actividade mineira é incompatível com a salvaguarda de valores ambientais.”

O geólogo John Morris Pereira, com mais de vinte anos de carreira ligada a empresas de prospecção, pesquisa e exploração de terras raras em Portugal e em Angola, usa uma alegoria curiosa para ilustrar este tema: “A opinião pública compara a indústria extractiva com a de há 50 anos. Faz tanto sentido como falar de indústria automóvel e comparar os problemas do Vauxhall de 1950 com o Tesla moderno!”

Para cessar a dependência energética dos combustíveis fósseis e mitigar as emissões de gases com efeito de estufa e o aquecimento global, temos uma dependência brutal de materiais que aumentará à medida que forem desenvolvidas as tecnologias das energias renováveis e as tecnologias digitais. “Estamos a extrair uma grande quantidade e variedade de recursos da Terra e, num mundo finito, não se pode extrair de forma ilimitada. Já estamos a aproximar-nos do pico de produção de muitos destes materiais”, enfatiza Alicia Valero.

terras raras

Wang Tao e a família moram perto de Baotou. Costumavam plantar milho, batatas e trigo ao lado de casa. Agora, as terras agrícolas de muitos camponeses tornaram-se estéreis devido ao lixiviamento produzido pela extracção de terras raras. A incidência local de cancro também supera a média nacional.

Enquanto a percentagem de energias renováveis tem vindo a aumentar no mix energético global, a quantidade média de minerais necessários por unidade de capacidade de geração eléctrica aumentou cerca de 50%.

Entre 2022 e 2040, a procura destes minerais pelo sector da energia pode multiplicar-se quatro a seis vezes. “Não conseguiremos seguir os caminhos de descarbonização, digitação e automação traçados pelos políticos se não tivermos acesso a estas matérias-primas”, resume António Mateus. Neste momento, existe elevada concentração geográfica da produção e refinação destes materiais na China. É outro dos problemas. O tempo médio de arranque de um projecto comercial mineiro (16 anos), o declínio sustentado da abundância das jazidas, o crescente escrutínio do cumprimento das normas ambientais e sociais a que as empresas estão sujeitas, a instabilidade legislativa, as reservas da opinião pública e o risco crescente a que as minas estão sujeitas devido ao aquecimento global, com falta de água, ondas de calor extremo ou inundações, são outros factores que perturbam o diagnóstico do futuro da revolução digital.

“A transição energética e digital foi concebida em absoluta desconexão com a realidade”, explica Guillaume Pitron no seu livro “The Rare Metals War”. Durante seis anos, este jornalista francês realizou uma investigação numa dezena de países para se documentar sobre esses “materiais raros que transtornam o mundo”. Ao embarcar na transição energética, “lançámo-nos nas garras do dragão chinês”, escreve. Não é exagero: segundo dados dos Serviços Geológicos dos Estados Unidos, em 2019 a China controlava 61,97% da produção de terras raras e, segundo outras fontes, até 95% da sua refinação. Isto significa que o gigante asiático domina os preços e a oferta, uma arma que usa há anos.

Entretanto, na Europa não sabemos exactamente de quantos destes recursos dispomos e não queremos ouvir falar de novos projectos de mineração nos nossos países. Tiramos partido desses minerais, mas preferimos que sejam extraídos noutro lugar, não interessa como. É o fenómeno NIMBY, o acrónimo inglês que significa “Not In My Back Yard” e que faz referência aos movimentos sociais que rejeitam a instalação de infra-estruturas que acarretem perigo no seu território.

António Mateus prefere outro acrónimo: BANANA: Build Absolutely Nothing Anywhere Near Anything. “Há muita ignorância e, quando ela prevalece, as dúvidas transformam-se em retórica que polariza os debates. Na Europa, é preciso restaurar a confiança na indústria pesada e explicar que os passivos ambientais históricos são isso mesmo: históricos. A indústria mudou e pode ser desenvolvida com impacte ambiental mitigado. Ou iniciamos actividades extractivas reguladas ou sujeitamo-nos a que, nos antípodas do mundo, alguém feche a torneira e congele a actividade industrial, daqui resultando enormes problemas económicos e sociais”, diz.

Depois de fenómenos de deslocalização de indústrias extractivas, assiste-se, em alguns países, como os EUA e a Austrália, à reabilitação de empreendimentos mineiros desactivados. “Os países perceberam que há um valor estratégico nessas reservas e que não podem ficar dependentes de cadeias de abastecimento estrangeiras”, diz John Morris Pereira. “Para mais de vinte metais, a Europa depende mais de 70% das importações. Isto é brutal!”, acrescenta António Mateus.

Preocupada com o abastecimento destes materiais essenciais, a própria União Europeia pôs em marcha alguns projectos, como o EURARE, para investigar as várias etapas da cadeia de abastecimento destes elementos e localizar possíveis jazidas e depósitos no continente, mas isto durará tempo. E a ampulheta da competição não pára.

Actualmente, importamos 100% das terras raras de que precisamos, sabendo que vêm de explorações que muitas vezes não respeitam as normas ambientais e sociais com resultados assustadores. É o caso das chamadas “cidades cancerígenas”, dispersas em redor das minas chinesas na Mongólia Interior, a mais importante área de produção de terras raras do planeta, onde muitos habitantes, além de terem perdido as suas terras de cultivo, agora completamente estéreis, adoeceram devido aos resíduos tóxicos que envenenam o solo, a água e o ar.

terras raras

Nesta experiência de luminescência com terras raras, os investigadores Jorge Méndez (à esquerda) e Pablo Acosta, da Universidade de La Laguna, em Tenerife, convertem a luz infravermelha em luz visível através da conversão espectral, uma conquista que permite optimizar o aproveitamento da energia solar.

Em Março de 2021, o governo português actualizou, a exemplo dos congéneres europeus, a sua Lei de Minas, condicionando mais os trabalhos de prospecção, exigindo sessões de esclarecimento público, proibindo pesquisas em leitos fluviais e margens de águas superficiais, entre outras restrições. Foi um sinal claro dado à indústria de que o futuro não passará pela actividade extractiva. “Mas foi um sinal errado”, resume John Morris Pereira. “Vai ditar um atraso maior. No caso das terras raras, já se perderam 30 anos e, tendo em conta que a implementação de um novo projecto comercial acarreta pelo menos outros dez, há um atraso na corrida global ao minério de 40 anos.”

terras raras

Estes concentradores solares luminescentes que contêm terras raras permitem converter a faixa de luz UV em luz visível (aliás visível nestas faixas de cores distintas). Estes vidros concentram a energia do Sol e são usados em janelas eléctricas para edifícios.

Igualmente acutilante, António Mateus redefine o problema: “Parece um problema de tradução. Exploration, em inglês, significa prospecção e pesquisa. Exploitation é que é a exploração. Ora, uma sondagem de prospecção não tem maior impacte ambiental do que um furo para captar água. E responde a uma missão decisiva que o Estado decidiu há muitos anos não cumprir: a do conhecimento do substrato geológico do território. Só as empresas o querem fazer, mas são dificultadas pela legislação. No mínimo, temos de resolver esta questão e determinar ao certo o que temos, em que teor temos e com que potencial.”

A questão é também cultural. A actividade de mineração é um tema sensível porque todos a associam a danos ambientais. No caso das terras raras, estas são muitas vezes extraídas de minerais nos quais há vestígios de elementos radioactivos.

Vale de Cavalos

Na imagem, Vale de Cavalos, no distrito de Portalegre, é um dos locais onde foram identificados recursos potencialmente interessantes, mas ainda longe de qualquer operação extractiva.

Terras raras em Portugal

Os primeiros trabalhos de prospecção sobre terras raras em Portugal datam da década de 1950, muito antes da revolução de automação e descarbonização. O geólogo Cotelo Neiva desenvolveu trabalhos em Vila Nova de Foz Côa e entre Freixo de Numão e Murça, procurando indícios da ocorrência destes metais. “Alguns estudos geológicos da época seguiam as prioridades dos serviços geológicos franceses que então prospectavam recursos radioactivos em Portugal e Espanha”, explica o geólogo John Morris Pereira. “Os minerais com terras raras estão muitas vezes associados a mineralizações com urânio, tendo sido reveladas algumas ocorrências de urânio.”

Mais recentemente, um levantamento do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia na zona de Vale de Cavalos, em Portalegre, sugeriu a ocorrência de monazite e outras fracções de minerais pesados com teores baixos, mas potencialmente interessantes.

“É importante distinguir recursos de reservas”, explica o geólogo António Mateus. “Os primeiros são uma anomalia geoquímica, que se expressa numa acumulação de minerais passíveis de exploração económica. A componente desse recurso que pode ser explorada hoje depende de uma longa série de factores condicionantes, de onde se destacam as limitações geotécnicas, as tecnologias disponíveis e as condições de mercado. E isso é a reserva. Em Portugal, há um volume interessante de recursos, mas, de reservas, sabemos pouco.” Só foram atribuídas licenças de prospecção para esta e outras jazidas com interesse potencial, mas nenhuma licença extractiva. “Estou convicto de que também podemos obter terras raras em Portugal como subproduto de explorações de minérios de ferro, como os de Moncorvo”, acrescenta António Mateus. “E há contextos geológicos no Alentejo semelhantes aos do outro lado da fronteira que nunca foram prospectados, mas que podem ser interessantes.”

Deve acrescentar-se que a refinação é igualmente complexa. Requer a utilização de componentes químicos muito agressivos e água abundante porque a concentração de terras raras na crosta terrestre “é tão imperceptível, que se pode dizer que, num fragmento de rocha encontramos no máximo o equivalente a uma pitada de sal polvilhada sobre a massa do pão”, diz Pitron em modo de comparação. A reciclagem também é difícil e a chamada mineração urbana (extracção de metais e minerais já utilizados) de terras raras é ainda quase nula: recupera-se apenas 1%. “Há mitos enraizados”, lamenta John Morris Pereira. “As pessoas não sabem que a indústria mudou e ignoram factos. Pois aqui está um: na mina de Neves Corvo, em Castro Verde, onde existe um ambiente subterrâneo potencialmente nocivo, resultante da extracção de sulfuretos de cobre e estanho, a qualidade do ar respirado a 800 metros de profundidade é considerada melhor do que a do Colombo ou do Norte Shopping em períodos de grande movimento, sendo o ar totalmente renovado pelo menos duas vezes por dia.” Mas ficaram os mitos e a memória de desastres antigos.

terras raras

O neodímio é uma terra rara utilizada para polimento e coloração de vidro. Os artistas também recorrem a este elemento, como o escultor americano Dale Chihuly, autor destas “canas” criadas para uma exposição no Royal Botanic Garden de Kew, em Inglaterra.

O principal desafio das terras raras, além de se continuar a investigar novas aplicações e propriedades, é resolver os problemas ambientais que a sua obtenção acarreta”, alerta o químico espanhol Ricardo Prego. Sem elas, retrocederíamos tecnologicamente à década de 1960. No entanto, embora os cidadãos europeus e norte-americanos queiram usufruir de tecnologias de ponta, não têm estado dispostos a partilhar a carga poluente resultante da produção destes metais e persiste um diálogo de surdos entre técnicos e movimentos sociais. Num processo que fez correr muita tinta em Espanha, uma empresa mineira foi travada em 2015 pela opinião pública na sua intenção de explorar uma jazida de monazite em Ciudad Real. De um lado, estava uma plataforma ambientalista; do outro, o Colégio Espanhol de Geólogos. As várias instâncias jurídicas paralisaram, por fim, a extracção.

“Sem mineração, não há transição ecológica nem futuro”, contrapõe Arnoldus van den Hurk. Doutorado em Geologia e especialista em energias renováveis para mineração, Van den Hurk trabalhou durante 30 anos no sector da exploração de petróleo e mineração. Grande conhecedor da exploração mineira em todo o mundo, especialmente na América do Sul e na China, actualmente divulga a “mineração climática”, um modelo de mineração que procura acelerar a descarbonização e produzir minerais passíveis de serem rastreados. “No passado, a mineração clássica procurava o desenvolvimento socioeconómico. Hoje, a mineração verde também tem a missão de não poluir. No futuro, a mineração climática será fundamental quer no combate ao aquecimento global quer para a mobilidade eléctrica e para a implementação de energias renováveis”, diz Van den Hurk. Não há transição energética, diz. “O que está em andamento é uma transição mineira: estamos a passar do carvão para o cobre, do petróleo para o lítio e do hidrogénio para a platina e as terras raras.”

gronelândia

Nas cidades gronelandesas de Qaqortoq (na imagem) e Narsaq, foi decidido por voto popular não avançar com um projecto de mineração de terras raras. O potencial de mineração da Gronelândia motivou o antigo presidente dos EUA, Donald Trump, a tentar comprar o território à Dinamarca.

Já existem países que estão a trabalhar a favor desse novo modelo, como a Austrália ou o Canadá, e a tendência global caminha nessa direcção. Um sinal desta tendência foi transmitido pela Bolsa de Metais de Londres, o maior mercado de metais do mundo, que exige que os fornecedores cumpram regulamentações cada vez mais rígidas em relação à pegada de carbono.

No entanto, mesmo que implementemos essa sociedade descarbonizada que todos imaginamos, será sempre fundamental consumir menos. “A depredação da natureza cresce a um ritmo de 2,8% ao ano. Numa geração, consumiremos o dobro de hoje e, em 25 anos, teremos consumido tanto como em toda a história do ser humano”, conclui Antonio Valero. Esse desperdício material não se resolverá com todas as terras raras do mundo. “Devemos aprender de uma vez por todas a distinguir entre o que é importante e o que é acessório”, insiste. “O futuro dos nossos filhos e netos depende disso.” Nesta questão como noutras do século XXI, o problema maior acaba por desaguar no modelo económico e no consumismo. Um dos temas que terá de entrar na agenda é o ciclo de obsolescência programado pelas empresas. Um smartphone não pode ficar obsoleto ao fim de dois anos, requerendo, para sua substituição, tantos ou mais metais do que os que foram usados para o produto original. A reciclagem de materiais já utilizados no ciclo produtivo terá de aumentar exponencialmente a sua eficácia.

fuerteventura

Neste afloramento do complexo basal da ilha canária de Fuerteventura, investigadores locais encontraram diques e veios de rochas sieníticas e carbonatíticas contendo enriquecimentos variados em fases minerais portadoras de terras raras. O seu potencial de exploração é desconhecido.

“A sociedade e os políticos ainda não interiorizaram a mudança de paradigma”, diz António Mateus. “O princípio de que os recursos vão acabar é uma falsa ideia. O que vai acabar são os recursos de alto teor mineral e de acesso fácil. No futuro, com melhoramentos de tecnologia, ainda se conseguirá extrair, mas baixando o teor e produzindo mais resíduos.” E, a partir daí, será sempre pior.

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