alergias alimentos

Smith Croft, de 9 anos, foi fotografada em 2018 depois de participar num ensaio clínico do fármaco de imunoterapia oral Palforzia, que protege contra reacções graves à exposição acidental a amendoins. Aprovado pela FDA em 2020 é o primeiro e único fármaco para a alergia ao amendoim. Fotografia de Eamon Queeney, The New York Times/Redux

É um momento excitante a área das alergias, dizem os especialistas. Dizemos-lhe o que precisa de saber sobre as causas das alergias e os novos estudos que nos podem ajudar a lidar com elas.

Texto: Allie Yang

Os especialistas chamam-lhes os “grandes nove”: leite, ovos, frutos secos, peixe, crustáceos, marisco, trigo, soja e sésamo. Estas são, de longe, as alergias alimentares mais comuns e podem aparecer a qualquer idade. Na melhor das hipóteses, as alergias alimentares requerem atenção e alterações ao estilo de vida. Na pior, podem desencadear uma reacção potencialmente mortal chamada anafilase.

Apesar de alguns desafios na avaliação da omnipresença das alergias alimentares, os dados sugerem que a sua incidência explodiu nas décadas recentes. O Centers for Disease Control and Prevention relata que as alergias alimentares infantis aumentaram 50 por cento entre 1997 e 2011. Entre 2005 e 2014, as visitas às urgências hospitalares pediátricas por crianças entre os 5 e os 17 anos, devido a anafilase, aumentaram quase 200 por cento.

Nos E.U.A., investigações publicadas no Journal of the American Medical Association mostram que mais de 32 milhões de pessoas têm, pelo menos, uma alergia alimentar, incluindo cerca de seis milhões de crianças americanas – ou aproximadamente 2 crianças em cada sala de aula. Os dados também revelaram pistas sobre como a genética e o ambiente podem contribuir para o número crescente de alergias.

Falámos com especialistas reconhecidos sobre a mais recente investigação na área das alergias alimentares e a tecnologia de ponta que estão a usar para combatê-las.

O que é uma alergia alimentar?

É difícil identificar o número de pessoas com alergias alimentares específicas, em parte porque existem muitos tipos de sensibilidade alimentar com sintomas que podem imitar os de uma reacção alérgica. A intolerância à lactose, por exemplo, pode desencadear dores de barriga, tal como uma reacção alérgica, mas é tecnicamente um problema do sistema digestivo e não uma alergia ao leite.

A melhor forma de ter a certeza que uma má reacção aos alimentos é efetcivamente uma alergia é sendo diagnosticado por um médico, diz Ruchi S. Gupta, directora do Center for Food Allergy & Asthma Research (CFAAR) da Faculdade de Medicina da Northwestern University. Depois de saber que saiba que é uma alergia, diz ela, é possível desenvolver um plano para tratá-la.

alergias alimentares

As sensibilidades alimentares são frequentemente confundidas com alergias alimentares. Os testes com adesivos atópicos são uma forma de determinar se um alimento está efectivamente a causar uma reacção alérgica, embora o Dr. Edwin Kim sublinhe que este método de diagnóstico, juntamente com as análises sanguíneas, é imperfeito pois requer interpretação. Fotografia de Benoit Durand, Hans Lucas/Redux

Aquilo que torna uma alergia alimentar diferente de outras sensibilidades é uma reacção do sistema imunitário. Numa reacção alérgica, o corpo interpreta erroneamente uma proteína estranha inofensiva, como uma proteína do amendoim, por exemplo, como sendo perigosa. (As proteínas que causam uma reacção alérgica chamam-se alérgenos.) Em seguida, o organismo produz um anticorpo chamado hemoglobina E (IgE) para combater o invasor.

Estes anticorpos ligam-se a determinadas células imunitárias – eosinófilos, mastócitos, basófilos – que, quando activadas, libertam um químico denominado histamina. Isto pode causar uma reacção alérgica em qualquer um dos principais sistemas de órgãos: intestinos, pele, pulmões e coração. Os sintomas incluem comichão e rash cutâneo, músculos contraídos nos pulmões, vómitos e diarreia.

Quando mais do que um dos quatro sistemas está envolvidos – por exemplo, quando um paciente tem sintomas no intestino, como vómitos, e nos pulmões, como dificuldades respiratórias – a reacção denomina-se anafilase. Neste caso, a hormona epinefrina, administrada através de uma injeção EpiPen, pode ser utilizada para relaxar e dilatar os músculos das vias respiratórias, facilitando a respiração.

“Os problemas respiratórios e cardíacos são os mais assustadores porque são os envolvidos nas reacções potencialmente mortais”, diz o Dr. Edwin Kim, chefe da divisão de Alergia e Imunologia Pediátrica na Universidade da Carolina do Norte e director da Food Alergy Initiative dessa mesma universidade.

Não existem alergias alimentares ligeiras ou graves – apenas reacções ligeiras ou graves. As reacções podem ser imprevisíveis: um alérgeno que causou uma reacção ligeira no passado, pode desencadear uma reacção mais grave no futuro e vice-versa.

Porque estão as alergias alimentares a aumentar?

Existem duas causas para as alergias alimentares: factores genéticos e ambientais. Gupta diz que a genética não pode exclusivamente responsabilizada por este rápido aumento das alergias. Tanto quanto sabemos, diz Kim, as crianças têm mais probabilidades de desenvolver alergias se ambos os seus pais sofrerem de desregulação imunitária, seja sob a forma de alergias sazonais ou eczema.

Entretanto, existem duas grandes teorias sobre os factores ambientais que provocam alergias alimentares. A hipótese da higiene propõe que a obsessão da sociedade com a limpeza diminui a nossa exposição aos alérgenos durante os primeiros anos de vida, tornando o nosso sistema imunitário mais propenso a desenvolver reacções extremas a proteínas inofensivas e desencadear uma reacção alérgica.

Em muitas partes do mundo, as crianças também passam menos tempo junto da terra e dos animais de criação como no passado, o que poderá explicar por que alguns estudos mostraram que as alergias alimentares têm maior incidência nas zonas urbanas do que nas zonas rurais.

“Falamos com frequência sobre aqueles primeiros cem dias ou no primeiro ano de vida e de quão importante é para os organismos das crianças verem coisas diferentes – isso aplica-se a brincarem na terra ou a serem expostas a diferentes tipos de alimento”, diz Gupta. Temendo que o seu filho possa ter alergias, os pais tornaram-se excessivamente cuidadosos na apresentação de novos alimentos aos seus bebés, acrescenta.

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Um rapaz carrega a sua mochila, com um aviso sobre alergias e medicação, em Broken Arrow, no estado de Oklahoma. Cerca de 80 por cento das crianças com alergias aos ovos, leite e trigo superam-nas com o crescimento, mas só 20 a 25 por cento das crianças superam a alergia ao amendoim. Fotografia de Melissa Lukenbaugh, The New York Times/Redux.

No entanto, a hipótese da higiene não explica completamente o aumento das alergias. Os investigadores descobriram que uma exposição elevada a determinados alimentos (como o marisco na Ásia), está por vezes associada a uma maior prevalência de alergias a esse alimento. É aqui que a hipótese da dupla exposição entra em cena: uma criança é exposta a vestígios de um alérgeno – inalando-o ou tocando-lhe - antes de o ingerir.

Robert A. Wood, chefe da Divisão de Alergia e Imunologia Eudowood, no Centro Pediatrico Johns Hopkins, dá o exemplo de um progenitor que aplica creme na pele do seu bebé. Se o progenitor tiver uma quantidade minúscula de proteína de amendoim nas suas mãos, a teoria defende que isso poderá fazer com que a criança tenha mais probabilidades de vir a desenvolver alergia aos amendoins.

Estas duas hipóteses são, de longe, as mais estudadas. Outras incluem a maneira como as mudanças na forma como cultivamos e embalamos os alimentos e a possibilidade de as alterações alimentares também desempenharem um papel.

Quais os tratamentos disponíveis e o que podemos esperar no futuro?

Os estudos mostram que a prevenção é essencial. A organização sem fins lucrativos Food Allergy Research and Education incentiva as crianças a comerem amendoins assim que possível. O estudo sugere que métodos de prevenção semelhantes também são eficazes noutras alergias alimentares, diz Kim.

Os tratamentos enquadram-se em duas categorias: imunoterapia, que aumenta a tolerância ao alergeno através da administração de pequenas doses, e biológicos, que travam o anticorpo IgE, responsável pelas reacções alérgicas.

Os tratamentos de imunoterapia têm sido amplamente estudados. Em 2020, a FDA aprovou o primeiro tratamento (e único até à data). O fármaco, chamado Palforzia, é uma terapia imunoterapia oral em que pequenas doses altamente controladas de proteína de amendoim são administradas através de um comprimido diário. O objectivo do fármaco é prevenir uma reacção grave no caso de uma exposição acidental – o que significa que as pessoas medicadas com este fármaco devem evitar amendoins sempre que possível. Os esforços para desenvolver tratamentos capazes de tratar alergias ao amendoim através de adesivos para a pele também se encontram em fase de ensaios clínicos.

Não existem tratamentos aprovados pela FDA para outras alergias além do amendoim. Alguns alergologistas administram doses improvisadas destes alérgenos aos pacientes, diz Wood, mas essa prática acarreta alguns riscos. O amendoim em pó que se pode comprar no supermercado, por exemplo, depende de um sistema de etiquetação alimentar comercial que nem sempre é exacto, sendo difícil medir a dose correta.

Como é direcionada para uma alergia de cada vez, a imunoterapia não é muito eficaz para os 40 por cento de crianças que têm alergias alimentares múltiplas. No entanto, as terapias biológicas podem ser a solução, pois bloqueiam os anticorpos IgE. Por exemplo, o fármaco omalizumab liga-se aos receptores das células imunitárias antes de estes serem alcançados por um anticorpo IgE, travando a reacção alérgica antes que esta ocorra.

Wood espera que o omalizumab, comercializado sobre a designação Xolair para tratar a asma, possa ser aprovado para o tratamento de alergias alimentares nos próximos anos. Em vez de um comprimido diário, será uma injeção administrada a cada duas semanas e os primeiros estudos mostram que os pacientes tratados com o fármaco conseguem tolerar uma quantidade maior de determinados alérgenos. Os efeitos secundários do fármaco incluem dores nas articulações, tonturas e fadiga.

Embora seja numa altura excitante na área das alergias, “a palavra cura não faz parte do vocabulário”, diz Wood. Os tratamentos de imunoterapia e biológicos precisariam de ser feito por tempo indefinido – se um paciente interrompesse o tratamento, a alergia voltaria. “Não vemos nada que se assemelhe a uma cura, de momento, mas é óbvio que esse é o nosso grande objectivo.”

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