beber água canalizada

Um funcionário de uma estação de tratamento de águas em San Diego testa a água em busca de contaminantes. A maioria das pessoas que vive nos EUA tem acesso a água potável, mas uma pequena percentagem, representando milhões de pessoas, é exposta a contaminação todos os anos. Fotografia de Donald Miralle, The New York Times/Redux.

Os especialistas pronunciam-se sobre os químicos presentes na água potável e a forma como esta é regulada e dizem-lhe o que pode fazer se estiver preocupado com a sua água.

Texto: Sarah Gibbens

A maioria dos residentes dos EUA não precisa de se preocupar com a segurança da água que lhes sai das torneiras, mas milhões de americanos ainda são expostos a contaminantes todos os anos.

Foi necessária uma crise hídrica para salientar as falhas da infra-estrutura da água potável.

Uma das crises hídricas mais devastadoras dos últimos tempos foi a contaminação por chumbo da água potável de Flint, no estado do Michigan, ocorrida em 2014. Em Janeiro de 2023, nove anos após o primeiro episódio de contaminação, os residentes continuam a lidar com os seus efeitos. E, no ano passado, uma crise hídrica na cidade de Jackson, no Mississippi, deixou muitos dos seus 150.000 residentes sem água potável – um problema que dura até hoje.

Neste artigo, especialistas em água potável da Agência de Protecção Ambiental (EPA), do meio académico e de grupos de activistas dizem-lhe aquilo que precisa de saber sobre a sua torneira.

O que existe na água canalizada – para além da água?

A água canalizada de cerca de 90 por cento dos residentes dos Estados Unidos da América (EUA) vem de um sistema público de águas (PWS). Água recolhida em lagos, reservatórios, rios ou aquíferos é canalizada até uma estação de tratamento, onde lhe são acrescentados químicos que se fixam aos contaminantes e são posteriormente filtrados para fora do sistema. Algumas estações também usam luz ultravioleta para eliminar as bactérias.

beber água canalizada

Agentes governamentais visitam uma estação de tratamento de águas em Maplewood, no Minnesota. Existem mais de 50.000 estações de tratamento de águas nos EUA e muitas servem apenas algumas centenas de pessoas. Uma das soluções para prevenir a contaminação defendida pelos especialistas é juntar estações mais pequenas criando uma base de clientes maior que permita mais financiamento e a contratação de mais pessoal. Fotografia de Alex Kormann, Star Tribune/Getty Images.

Desinfectantes químicos como cloro ou cloramina são, em seguida, acrescentados à água para ajudar a eliminar quaisquer patógenos remanescentes e outros que se possam esconder nos canos através dos quais a água viaja até sua casa.

Devido a falta de financiamento ou de supervisão, algumas estações de tratamento de águas não desinfectam eficazmente a água. Em 2015, cerca de 21 milhões de residentes dos EUA foram expostos a água canalizada que infringia as directrizes federais, segundo um estudo publicado em 2018.

Níveis inseguros e, consequentemente, ilegais de patógenos (bactérias e vírus), nitratos, arsénio e subprodutos nocivos de desinfectantes, como o cloro, são as fontes mais comuns de infracções, afirma Maura Allaire, autora do estudo e especialista em qualidade da água da Universidade da Califórnia, em Irvine.

Como é regulada a água canalizada?

Em 1974, o Congresso aprovou o Safe Drinking Water Act, que conferiu à Agência de Protecção Ambiental (EPA) autoridade para regular a água canalizada pública.

Quando algo como chumbo, por exemplo, é considerado nocivo para a saúde humana, a EPA pode estabelecer um limite para a sua presença no abastecimento de água. Os limites baseiam-se na quantidade segura para consumo humano e naquilo que é tecnologicamente exequível para as estações de tratamento de águas.

No entanto, estes limites nem sempre resultam em água sem contaminantes.

beber água canalizada

Jabari Omari, funcionário público da cidade de Jackson, entrega caixas de água engarrafada num centro de distribuição da Mississippi Rapid Response Coalition a 31 de Agosto de 2022, em Jackson, no Mississippi. A cidade sofreu uma crise hídrica quando o abastecimento de água local foi afectado por cheias. Fotografia de Brad Vest, Getty Images.

“Existe uma lacuna entre aquilo que é legal e aquilo que é seguro”, diz Sydney Evans, analista científica do Environmental Working Group (EWG). Ela acrescenta que muitos regulamentos são baseados em ciência já com algumas décadas, algo que, segundo a EWG, faz com que os regulamentos estejam desactualizados e sejam insuficientes.

A EWG tem a sua própria base de dados de água canalizada, cujos limites são muito mais rigorosos do que os da EPA, baseando-se naquilo que consideram seguro para a saúde humana. Os seus limites são determinados por estudos revistos por pares, investigação realizada por agências estaduais e cientistas da própria instituição.

O que são os PFAS, os mais recentes químicos a chamarem a atenção da EPA?

Se escrever “água potável” no seu motor de busca é provável que veja artigos referindo que está cheia de PFAS, contaminantes por vezes denominados “químicos eternos”. Os PFAS (substâncias per e polifluoroalquil) são um grupo de milhares de químicos com ligações químicas muito fortes que os ajudam a durar anos no ambiente.

Alguns compostos de PFAS foram associados a problemas de saúde graves, como o cancro. Recentemente, a EPA propôs novos limites para seis destes químicos na água potável. Estudos realizados com água potável demonstram que os PFAS são comuns no abastecimento de água potável em todo o território dos EUA e, consequentemente, foram encontrados no nosso sangue.

As regras propostas este mês pela EPA seriam as primeiras a abordar de forma significativa a contaminação por PFAS a nível federal, abrindo caminho para a remoção de uma toxina que contamina a água potável há décadas.

Existem outros contaminantes não regulados?

A implementação de novas regras para contaminantes actualmente não regulados vai demorar. Os PFAS, por exemplo, são um perigo conhecido há anos, mas foram necessárias muitas provas e investigação até ser proposta uma regra.

beber água canalizada

Shanice Ollie só lava os pratos com água engarrafada fervida, um processo que pode demorar uma hora, ou mais, na sua casa em Flint, no Michigan, em 2016. A crise hídrica de Flint foi causada por água corrosiva contendo chumbo que se infiltrou nos canos que abastecem as habitações. Fotografia de Brittany Greeson, The New York Times/Redux.

“É um desafio significativo”, diz Eric Burneson, um director do Gabinete das Águas Subterrâneas e da Água Potável da EPA, sobre a proposta de novos regulamentos. “Precisamos de informação científica sólida e precisamos que essa informação seja revista por pares. Precisamos de saber qual a nossa capacidade para geri-la. É possível medi-la? É possível tratá-la?”

As respostas a estas perguntas ajudam a EPA a defender o potencial custo da regulação de um novo químico.

Além dos 90 contaminantes já regulados pela EPA, há dezenas de outros, identificados pela agência como ameaça para a saúde, presentes na água canalizada, incluindo 66 químicos, 12 micróbios e todos os PFAS — em vez dos seis cujo limite foi recentemente proposto.

“Precisamos de mais informação para avançar”, diz Burneson sobre regular os químicos potencialmente nocivos, acrescentando que “podem estar na água potável e podem acarretar riscos”.

Quem é mais afectado com água potável contaminada?

As comunidades rurais com baixos rendimentos são as que têm mais dificuldades em aceder a água canalizada limpa, pois é mais provável que as suas estações de tratamento de águas infrinjam as normas da EPA. A proximidade de poluição agrícola, aquíferos contaminados e estações de tratamento com fundos ou pessoal insuficientes põem estas comunidades em risco.

Uma análise a três décadas de infracções à água potável nos EUA concluiu que é mais provável haver água potável com menor qualidade nuns estados do que noutros. Os estados com pólos agrícolas são os mais ameaçados.

Alguns grupos étnicos também têm mais probabilidades de serem expostos água potável com baixa qualidade. Um estudo que observou comunidades latinas e negras da Califórnia e do Texas verificou um risco persistentemente mais elevado de cancro resultante da sua água potável.

O que pode fazer se estiver preocupado com a sua torneira?

A EPA exige que as estações de tratamento de águas publiquem relatórios anuais identificando quaisquer potenciais perigos para a saúde na comunidade que abastecem. (Pode encontrá-los aqui.)

Quando surgem riscos, assegurar que a água potável está limpa pode acarretar custos para os cidadãos.

Para emergências de curto prazo, como um aviso para ferver a água, a água engarrafada pode ser um recurso útil.

A água engarrafada comprada e vendida nos EUA é regulada pela Administração de Alimentos e Medicamentos, que segue as mesmas normas aplicadas pela EPA à água canalizada. Estudos da água engarrafada concluíram que esta não é mais limpa, nem mais segura do que uma água canalizada bem regulada, mas por vezes é vendida a preços várias vezes superiores aos da água canalizada e promove os resíduos de plástico, que são uma ameaça crescente para a água potável.

Os filtros são outra opção para resolver preocupações com a água da torneira. Podem ser tão simples como os filtros relativamente baratos que se usam no frigorífico ou tão complexos como um sistema de filtragem de mil dólares ligado à canalização da sua casa.

Como podemos assegurar que todos têm água potável limpa?

Existem cerca de 3.000 centrais eléctricas nos EUA e mais de 50.000 estações de tratamento de águas. Embora algumas sirvam até oito milhões de pessoas, cerca de metade destas estações servem menos de 500. É menos provável que existam operadores a tempo inteiro ou clientes suficientes para assegurar a manutenção nessas estações mais pequenas.

Os especialistas dizem ser possível assegurar água canalizada limpa para todos definindo as políticas certas e atribuindo fundos suficientes.

“Temos os conhecimentos técnicos necessários para fornecer água potável segura”, diz Allaire. “Tornar isso realidade é uma questão política.”

Juntar essas estações mais pequenas criando contratos hídricos, através dos quais uma comunidade compra água a uma estação maior, e pagar a profissionais bem formados para gerir essas estações poderia fornecer mais água para mais comunidades.

Um novo Mapa Mundial da Água permite às pessoas saber mais sobre o abastecimento da água no local onde vivem. A introdução de uma morada revela a lacuna hídrica da zona – a diferença entre a procura humana e o abastecimento renovável vindo de fontes como rios, lagos e aquíferos. O mapa — elaborado por Marc Bierkens, Explorador da National Geographic, e Niko Wanders, com o apoio da National Geographic Society, da Universidade de Utrecht e da ESRI — também mostra as regiões onde a lacuna hídrica é mais alta e o esgotamento de aquíferos é mais grave, incluindo o Vale Central da Califórnia, o delta do rio Nilo, no Egipto, e a bacia do rio Indo, no Paquistão.

Pesquisar