Texto Joel Achenbach Fotografias Richard Barnes
Um salto gigante para os cépticos: Um funcionário compõe uma peça de exposição no Centro Espacial Kennedy da NASA, na Florida.
O cepticismo relativamente a factos científicos comprovados não é novo, mas a Internet tem sido uma dádiva para crenças marginais. Pensa que as alunagens foram falsificadas? Pesquise na Internet e encontrará muitas teses concordantes.
Há uma cena na comédia "Doutor Estranho Amor", na qual JackD. Ripper, um general dissidente que ordenou um ataque nuclear à União Soviética, exoõe a sua visão paranóica do mundo. O militar explica a Lionel Mandrake, coronel da Força Aérea, por que motivo bebe “apenas água destilada ou água da chuva e apenas álcool puro de cereais”.
RIPPER: Já ouviu falar numa coisa chamada fluoretação? Fluoretação da água?
MANDRAKE: Ah, sim, já ouvi falar nisso, Jack. Sim, sim.
RIPPER: Bem, e sabe o que é?
MANDRAKE: Não. Não, não sei o que é. Não.
RIPPER: Sabe que a fluoretação é a mais monstruosamente concebida e perigosa conspiração comunista que alguma vez tivemos de enfrentar?
Ecoando a opinião de activistas de todo o mundo, alguns residentes de Portland responderam: não acreditamos em vocês.
O filme estreou em 1964, uma época em que os benefícios da fluoretação para a saúde já tinham sido firmemente estabelecidos e as teorias da conspiração sobre ela já podiam ser parodiadas. É por isso surpreendente que, meio século mais tarde, a fluoretação continue a suscitar medo e paranóia. Em 2013, cidadãos de Portland, no estado de Oregon, uma das poucas grandes cidades norte-americanas que não suplementa a sua água com fluoreto, travou um plano para proceder à fluoretação. Os contestatários não gostaram da ideia de o governo acrescentar “químicos” à água. Afirmaram que o fluoreto poderia ser nocivo para a saúde humana.
Na verdade, o fluoreto é um mineral natural que, nas fracas concentrações utilizadas nas redes públicas de abastecimento de água, fortalece o esmalte dentário e previne a cárie dentária, uma forma barata e segura de melhorar a saúde dentária de todos, ricos ou pobres, com a higiene em dia ou não. Este é o consenso científico e médico.
Ecoando a opinião de activistas de todo o mundo, alguns residentes de Portland responderam: não acreditamos em vocês.
Vivemos numa era em que todo o tipo de conhecimento científico (desde a segurança do fluoreto e das vacinas à realidade das alterações climáticas) enfrenta uma oposição organizada e, frequentemente, enraivecida. Fortalecidos por fontes de informação próprias e pelas suas próprias interpretações da investigação, os cépticos declararam guerra ao consenso dos especialistas. Na actualidade, estas polémicas são tão numerosas que até se poderia imaginar uma agência diabólica que injectou algo na água para gerar discussão! Fala-se tanto nesta tendência em livros, artigos e conferências que o próprio cepticismo face à ciência se tornou uma expressão comum da cultura popular. De certa maneira, isto não causa surpresa. A ciência e a tecnologia interferem nas nossas vidas como nunca o fizeram. Para muitos, este novo mundo é maravilhoso, confortável e generoso, mas também mais complicado e, por vezes, inquietante. Enfrentamos hoje riscos que não conseguimos analisar com facilidade.
É-nos pedido que aceitemos, por exemplo, que é seguro comer organismos geneticamente modificados (OGM), porque não existem provas de que sejam nocivos, nem existe razão para pensar que a alteração rigorosa dos genes num laboratório seja mais perigosa do que a alteração lenta através dos métodos tradicionais de selecção e hibridização. No entanto, para algumas pessoas, a ideia de transferir genes entre espécies evoca o mito do cientista enlouquecido.
O mundo crepita com perigos reais e imaginários e é difícil distinguir os primeiros dos segundos. Devemos temer que o vírus do Ébola, propagável por contacto directo com fluidos corporais, sofra uma mutação e se transforme numa epidemia transmissível por via aérea? O consenso científico defende que é extremamente improvável que tal aconteça. Não se conhece nenhum vírus que tenha alterado completamente a sua forma de transmissão nos seres humanos, nem existem provas de que a última estirpe do Ébola seja diferente. Contudo, se escrever “Ébola por via aérea” num motor de busca de Internet, acederá a uma distopia onde este vírus possui poderes praticamente sobrenaturais, incluindo o poder de nos matar a todos.
Neste mundo desconcertante, temos de formar o nosso sistema de crenças e agir em conformidade. “A ciência não é um conjunto de factos”, diz a geofísica Marcia McNutt, editora da prestigiada revista “Science”. “A ciência é um método para decidir se aquilo em que escolhemos acreditar encontra, ou não, fundamento nas leis da natureza.” No entanto, esse método não é naturalmente aceite pela maioria das pessoas. E, por isso, encontramos problemas constantemente.
Evolução em julgamento: Enquanto John Scopes era julgado por ensinar a teoria da evolução num liceu do Tennessee, em 1925, um livreiro criacionista fazia negócio. A biologia moderna não faz sentido sem o conceito da evolução, mas os activistas religiosos dos EUA continuam a exigir que o criacionismo seja ensinado nas aulas de biologia. Quando choca com as crenças nucleares do indivíduo, a ciência costuma perder. Fotografia Bettmann/Corbis
As intuições básicas são difíceis de eliminar: Desde a Antiguidade que se sabe que a Terra é redonda. Colombo sabia que não cairia para fora do mundo, mas as geografias alternativas persistiram mesmo depois da circum-navegação. Este mapa de 1893, da autoria de Orlando Ferguson, é uma variante bizarra das crenças oitocentistas da Terra plana, segundo as quais o centro do planeta ficava no Pólo Norte, delimitado por um muro de gelo, com o Sol, a Lua e os planetas algumas centenas de quilómetros acima da superfície. A ciência exige frequentemente que ignoremos as nossas experiências sensoriais directas (como a percepção de que é o Sol que gira à volta da Terra) em prol de teorias que desafiam as nossas crenças sobre o lugar que ocupamos no universo. Fotografia Biblioteca do Congresso, Departamento de Geografia e Mapas.
Paraíso de dinossauros: No Museu do Criacionismo de Petersburg, no estado de Kentucky, Adão e Eva partilham o Paraíso com um dinossauro. Os defensores do criacionismo acreditam que o planeta foi criado com seres humanos adultos plenamente desenvolvidos há menos de dez mil anos. A ciência defende que a Terra tem 4.600 milhões de anos, que a vida evoluiu a partir dos micróbios e que os seres humanos modernos surgiram pela primeira vez há 200 mil anos, 65 milhões de anos após a extinção dos dinossauros.
Os problemas vêm muito de trás, como é evidente. O método científico conduziu-nos a verdades mais ou menos óbvias, frequentemente alucinantes e, por vezes, difíceis de engolir. No início do século XVII, ao afirmar que a Terra gira sobre o seu eixo e orbita o Sol, Galileu não estava a rejeitar apenas a doutrina da Igreja. Estava a pedir aos seus contemporâneos que acreditassem numa teoria que desafiava o senso comum. O Sol parece mesmo andar à volta da Terra e nós não sentimos a Terra girar. Galileu foi julgado e obrigado a retractar-se. Dois séculos mais tarde, Charles Darwin escapou a esse destino. Mas o seu conceito, segundo o qual toda a vida na Terra evoluíra a partir de um antepassado primordial e os seres humanos são primos distantes dos símios, das baleias e até de moluscos de grande profundidade, ainda é difícil de aceitar para muitos. O mesmo se aplica a outra ideia surgida no século XIX: o dióxido de carbono, gás invisível que todos exalamos constantemente, poderia afectar o clima da Terra.
Mesmo quando aceitamos intelectualmente estes preceitos da ciência, agarramo-nos subconscientemente às nossas intuições ou àquilo a que os investigadores chamam as nossas crenças ingénuas. Um estudo recente de Andrew Shtulman, do Occidental College, revelou que até estudantes com formação científica avançada mostraram hesitação de raciocínio quando lhes foi pedido que confirmassem ou negassem que os seres humanos descendem de animais marinhos ou que a Terra gira à volta do Sol. Ambas as verdades contrariam a intuição. Mesmos os estudantes que assinalaram correctamente a opção “verdadeiro” foram mais lentos a responder a estas perguntas do que a outras, como a rotação da Lua em redor da Terra (igualmente verdade, mas intuitivo). A investigação de Andrew Shtulman sugere que reprimimos as nossas crenças ingénuas à medida que a nossa cultura científica aumenta, mas nunca as eliminamos por completo. Ficam escondidas nos nossos cérebros, chilreando-nos ao ouvido.
Temos dificuldade em digerir a aleatoriedade. Os nossos cérebros anseiam por padrões e significado. No entanto, a ciência avisa-nos que podemos incorrer em enganos.
A maioria das pessoas fá-lo baseando-se nas suas próprias experiências e nos relatos dos amigos – em histórias em vez de estatísticas. Qualquer indivíduo é capaz de fazer um teste ao antígeno específico da próstata, mesmo quando já não é recomendado, só porque este detectou a existência de cancro num amigo chegado. O mesmo acontece quando ouvimos falar sobre um conjunto de casos de cancro numa cidade com um aterro perigoso e partimos do princípio de que os cancros foram causados pela poluição. Na verdade, a ocorrência de dois fenómenos não significa uma relação causal. E o facto de os acontecimentos se apresentarem conjugados não significa que não possam ser aleatórios.
Temos dificuldade em digerir a aleatoriedade. Os nossos cérebros anseiam por padrões e significado. No entanto, a ciência avisa-nos que podemos incorrer em enganos. Para termos a certeza de que existe uma relação causal entre o aterro e os cancros, precisamos de análises estatísticas que mostrem uma incidência de cancros superior ao que seria de esperar aleatoriamente, provando que as vítimas foram expostas às substâncias químicas do aterro e que essas substâncias podem, de facto, provocar cancro.
O método científico implica disciplina difícil de cumprir até para cientistas. À semelhança de qualquer pessoa, os cientistas são vulneráveis àquilo que apelidam de tendência de confirmação, a inclinação para procurar e examinar apenas as provas que confirmem aquilo em que já acreditam. No entanto, ao contrário de qualquer outra pessoa, eles submetem as suas ideias a uma revisão formal por pares antes de as publicarem. E caso sejam suficientemente relevantes, uma vez publicadas as conclusões, outros cientistas tentarão reproduzi-las e, congenitamente cépticos e competitivos como são, ficarão satisfeitos por anunciar que não têm sustentação. Os resultados científicos são sempre provisórios, susceptíveis de posterior anulação ou rectificação em função de experiências ou observações futuras. Os cientistas raramente proclamam uma verdade absoluta. A incerteza é inevitável.
Por vezes, os cientistas não respeitam os preceitos do método científico. Na investigação biomédica, em particular, existe uma tendência perturbadora para resultados impossíveis de reproduzir fora do laboratório onde foram alcançados, uma tendência que suscitou exigências de maior transparência em relação à forma como as experiências são conduzidas. Francis Collins, director dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos, tem mostrado preocupação face aos procedimentos especializados, às aplicações informáticas personalizadas e aos ingredientes estranhos que os investigadores não partilham com os colegas. Apesar disso, ainda deposita fé no processo.
“A ciência descobrirá a verdade”, diz. “Pode errar à primeira e, possivelmente, à segunda, mas acabará por descobrir a verdade.” Essa qualidade provisória da ciência é outro aspecto que muitos têm dificuldade em perceber. Para os cépticos das alterações climáticas, por exemplo, o facto de alguns cientistas na década de 1970 terem manifestado temor perante a possibilidade de uma nova era glaciar é suficiente para desacreditar as actuais preocupações face ao aquecimento global.
No Outono passado, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, composto por centenas de cientistas sob a alçada da Organização das Nações Unidas, publicou o seu quinto relatório dos últimos 25 anos. Repetiu, com mais clareza do que nunca, o consenso de cientistas de todo o mundo: a temperatura à superfície do planeta aumentou cerca de 0,8ºC nos últimos 130 anos e é extremamente provável que as acções humanas, incluindo a queima de combustíveis fósseis, tenham sido a causa dominante do aquecimento desde meados do século XX. No entanto, muitos norte-americanos (em percentagem superior à de outros países) duvidam deste consenso ou acreditam que os activistas do clima estão a utilizar a ameaça do aquecimento global para atacar o mercado livre e a sociedade industrial em geral.
Os meios de comunicação social concedem muita atenção a estes especialistas em polémica e opinião veemente e tentam convencer-nos de que a ciência está repleta de descobertas chocantes feitas por génios solitários. Não é verdade.
A perspectiva de uma conspiração de tamanhas proporções envolvendo centenas de cientistas é risível: os cientistas adoram desmascarar-se uns aos outros. É, porém, evidente que organizações parcialmente financiadas pela indústria dos combustíveis fósseis tentaram minar o conhecimento público do consenso científico através da promoção de alguns cépticos.
Os meios de comunicação social concedem muita atenção a estes especialistas em polémica e opinião veemente e tentam convencer-nos de que a ciência está repleta de descobertas chocantes feitas por génios solitários. Não é verdade. A verdade é que, geralmente, ela costuma progredir contributo a contributo, através de um acréscimo constante de dados e conhecimentos reunidos por muitas pessoas ao longo de muitos anos. Tem sido assim relativamente ao consenso sobre as alterações climáticas. Essa verdade não vai desaparecer com a próxima leitura do termómetro.
No entanto, as manobras propagandísticas da indústria, mesmo que muito enganadoras, não chegam para explicar a razão pela qual apenas 40% dos norte-americanos aceitam que a actividade humana é a causa dominante do aquecimento global.
O “problema da divulgação científica”, designação enfadonha inventada pelos cientistas que o estudam, tem gerado investigação abundante sobre a maneira como as pessoas seleccionam o seu sistema de crenças e os obstáculos à aceitação do consenso científico. O problema não se resume à incompreensão, defende Dan Kahan, da Universidade de Yale. Num estudo, este investigador pediu a 1.540 norte-americanos para avaliarem a ameaça das alterações climáticas numa escala de zero a dez. Depois, correlacionou esses valores com a cultura científica dos inquiridos. Concluiu que uma cultura mais sólida estava associada a pontos de vista mais fortes nas duas extremidades do espectro. A cultura científica promovia polarização e não consenso em matérias climáticas. Segundo Dan Kahan, tal deve-se ao facto de as pessoas tenderem a utilizar os conhecimentos científicos para reforçar crenças que já tinham sido moldadas pela sua visão do mundo.
Os norte-americanos enquadram-se em duas categorias essenciais, acrescenta o autor. Aqueles com uma mentalidade mais “igualitária” e “comunitária” costumam suspeitar da indústria e mostram propensão para pensar que ela está a tramar algo que deve ser regulado pelo governo; é provável por isso que compreendam os riscos das alterações climáticas. No extremo oposto, pessoas com uma mentalidade mais “hierárquica” e “individualista” respeitam os líderes da indústria e não gostam que o governo se intrometa nos seus assuntos, mostrando propensão para rejeitar os avisos relativos às alterações climáticas, porque sabem que a aceitação conduziria a algum tipo de imposto ou regulamentação para limitar emissões.
Nos EUA, o tema das alterações climáticas tornou-se, de certa forma, um teste decisivo para determinar a qual destas tribos antagonistas cada um de nós pertence. Ao falarmos sobre isso, estamos na verdade a falar sobre quem somos e qual é o nosso grupo. Para um indivíduo hierárquico, não é irracional rejeitar a ciência climática consolidada: a sua aceitação não mudaria o mundo, mas poderia levá-lo a ser expulso da tribo.
A ciência apela ao nosso cérebro racional, mas as nossas crenças são, em grande parte, motivadas pela emoção e a maior motivação de todas é mantermo-nos ao lado dos nossos pares. “Estamos todos no liceu. Nunca saímos do liceu”, brinca Marcia McNutt. “Qualquer indivíduo ainda sente necessidade de se enquadrar e essa necessidade é tão forte que os valores e as opiniões locais estão sempre a sobrepor-se à ciência. E continuarão a sobrepor-se à ciência, sobretudo quando não existe uma desvantagem evidente em ignorar a ciência.”
Enquanto isso, a Internet facilita mais do que nunca a busca de fontes de informação e de “especialistas” que reforcem opiniões. Longe vai o tempo em que um punhado de instituições poderosas como as universidades de elite, as enciclopédias, os órgãos de comunicação de referência, até a National Geographic Society, actuavam como guardiães da informação científica. A Internet democratizou a informação e isso é bom. No entanto, juntamente com a fragmentação da oferta televisiva, ela tornou possível a vida no interior de uma “bolha de filtragem” que só deixa entrar a informação com a qual o indivíduo já concorda.
Como penetrar na bolha? Como converter as pessoas que não acreditam nas alterações climáticas? Não vale a pena fornecer mais factos. Liz Neeley, cuja organização Compass realiza acções de formação de comunicação científica, defende que é importante ouvir “crentes”, outras pessoas nas quais acreditem ou com as quais partilhem os mesmos valores. Liz já passou por essa experiência. O seu pai não acredita nas alterações climáticas e obtém a maioria da sua informação sobre o assunto em jornais e canais conservadores de televisão. Desesperada, ela acabou por confrontá-lo: “Acredita neles ou em mim?” Disse-lhe que acreditava nos cientistas que investigam as alterações climáticas e conhecia muitos deles pessoalmente. “Se acha que estou errada, está a dizer-me que não confia em mim”, disse-lhe. A posição do pai quanto à matéria suavizou. Mas não foram os factos que contribuíram para tal.
Cabra-aranha: O Centro de História Pós-Natural de Pittsburgh exibe espécimes preservados de organismos geneticamente modificados, incluindo Freckles, uma cabra criada para produzir leite com uma proteína de seda de aranha que poderá um dia ser transformada em fibra para uso comercial. Não existem provas de que os OGM afectem a saúde humana, mas 64 países e três estados dos EUA aprovaram leis exigindo a identificação dos alimentos com ingredientes geneticamente modificados.
Debate tempestuoso: O furacão Sandy não foi provocado por alterações climáticas de origem humana, mas os danos que originou foram exacerbados pela subida do nível do mar, parcialmente causada pelas alterações climáticas. Para os descrentes, os pontos de vista defendidos pelos cépticos são “quase crachats de membro, de lealdade ao grupo”, afirma Dan Kahan, investigador de Yale.
Para os racionalistas, há algo de desanimador em tudo isto. Nas descrições de Dan Kahan sobre o processo de definição dos sistemas de crença, há escolhas que parecem irrelevantes. Quem trabalha na área da divulgação científica é tão tribal como qualquer outro indivíduo, diz Dan. Acredita em ideias científicas não porque avaliou todas as provas, mas porque sente afinidade com a comunidade científica. Quando referi que aceitava a teoria da evolução, Dan retorquiu: “A crença na evolução é apenas uma descrição a seu respeito. Não é representativo da forma como raciocina.”
Talvez… No entanto, a evolução aconteceu mesmo. A biologia é incompreensível sem ela. Não existe contraditório nestas matérias. As alterações climáticas estão a acontecer. As vacinas salvam mesmo vidas. Não interessa ter razão, e a tribo científica tem um longo registo de validade. A sociedade moderna assenta sobre proezas e acertos da ciência.
Nos EUA, os cépticos das alterações climáticas atingiram o seu objectivo fundamental de travar acções legislativas de combate ao aquecimento global. Não precisaram de mostrar o mérito das suas ideias para vencer o debate. Bastou-lhes lançar dúvidas suficientes.
A dúvida da ciência também acarreta consequências. Há comunidades, frequentemente caracterizadas por população com formação superior e rendimentos elevados, que acreditam que as vacinas provocam autismo. A sua recusa da vacinação está a minar a imunidade colectiva a doenças como a tosse convulsa e o sarampo. O movimento antivacinação tem ganho força desde que, em 1998, a prestigiada publicação científica britânica “Lancet” publicou um estudo associando uma vacina comum ao autismo. Posteriormente, a publicação retirou o artigo e este foi completamente desacreditado. No entanto, a ideia de uma ligação entre as vacinas e o autismo tem sido apoiada por celebridades e reforçada através dos habituais filtros da Internet. A actriz e activista antivacinação Jenny McCarthy proferiu a famosa frase no programa de Oprah Winfrey: “Fiz a minha licenciatura na Universidade do Google.”
No debate sobre o clima, as consequências da dúvida são provavelmente globais e duradouras. Nos EUA, os cépticos das alterações climáticas atingiram o seu objectivo fundamental de travar acções legislativas de combate ao aquecimento global. Não precisaram de mostrar o mérito das suas ideias para vencer o debate. Bastou-lhes lançar dúvidas suficientes.
Alguns activistas ambientais querem que os cientistas sejam mais participativos nos combates políticos. Qualquer cientista que avance nesse sentido terá de fazê-lo com cautela, contrapõe Liz Neeley. “É muito difícil voltar atrás quando se começa a fazer divulgação científica e a defender a ciência”, afirma. No debate sobre o clima, os cépticos alegam com frequência que a ciência que considera as alterações climáticas uma ameaça real está maculada pela política, é impulsionada pelo activismo ambiental e não se baseia em dados concretos. O argumento é falso e difama os cientistas honestos. No entanto, as probabilidades de esse argumento ser considerado plausível aumentam se os cientistas extravasarem as suas competências profissionais e começarem a defender determinadas políticas públicas.
É o próprio desapego da ciência, que faz dela uma arma mortífera. É a forma como a ciência nos diz a verdade, em vez daquilo que gostaríamos que fosse verdade. Os cientistas podem ser tão dogmáticos como qualquer outra pessoa, mas o seu dogma empalidece constantemente sob o brilho forte da ciência. Em ciência, não é pecado mudar de ideias quando as provas assim o exigem. Para algumas pessoas, a tribo é mais importante do que a verdade. Para os melhores cientistas, a verdade é mais importante do que a tribo.
O método científico não tem existência natural, mas se pensarmos bem no assunto, a democracia também não. Durante a maior parte da história humana, nem um nem outro existiram.
O pensamento científico precisa de ser ensinado e, por vezes, não é bem ensinado, acrescenta Marcia McNutt. Os alunos terminam a sua aprendizagem olhando para a ciência como um conjunto de factos e não como um método. A investigação de Andrew Shtulman mostrou que até os estudantes universitários muitas vezes não compreendem efectivamente o que são provas. O método científico não tem existência natural, mas se pensarmos bem no assunto, a democracia também não. Durante a maior parte da história humana, nem um nem outro existiram. Matávamo-nos uns aos outros para subir a um trono, rezávamos a um deus da chuva e, para o bem e para o mal, agíamos mais ou menos como os nossos antepassados.
Vivemos actualmente uma época de mudanças incrivelmente rápidas e, por vezes, assustadoras. Nem tudo é progresso. A nossa ciência transformou-nos em organismos dominantes, com o devido respeito pelas formigas e pelas algas, e estamos a mudar o planeta inteiro. Claro que fazemos bem em questionar algumas das coisas que a ciência e a tecnologia nos permitem fazer. “Todos deveriam questionar-se”, comenta Marcia McNutt. “É o que distingue os cientistas. Mas isso implica seguir o método científico ou confiar em pessoas que o sigam e só depois decidir aquilo em que se acredita.” Precisamos de ser muito melhores a encontrar as respostas, porque as perguntas não vão certamente tornar-se mais fáceis.
Recuo da vacinação: Na Escola da Natureza de Cedarsong, no estado de Washington, Kina e Kaia são duas de muitas crianças não vacinadas contra doenças contagiosas como o sarampo.
A recusa das vacinas tem aumentado nos EUA: 46 estados permitem a recusa da vacinação obrigatória por motivos religiosos e 19 permitem-no por motivos filosóficos.