Milhares de jovens refugiados acalentam sonhos de asilo na União Europeia, território que não os quer receber.
Texto: Rania Abouzeid
Delagha é um rapaz tímido e magro, de 8 anos e olhos tristes. É uma criança que aparenta ser mais velha do que é, envelhecida por experiências que a maioria dos adultos nunca enfrentará. Quando me encontrei com ele no centro para refugiados de Adasevci, perto da fronteira da Sérvia com a Croácia, ele andava de um lado para o outro sem fito, a matar o tempo.







Numa idade em que muitas crianças não são autorizadas a atravessar sozinhas a rua, Delagha deixara a sua casa, os pais e quatro irmãos mais novos na província afegã de Nangarhar, mais de um ano antes. Na companhia de um primo de 10 anos e de um tio de 15, com a ajuda de passadores, vivera uma odisseia de cerca de 6.400 quilómetros, desde a sua cidade-natal de Jalalabad, infestada de membros dos talibã e do autoproclamado Estado Islâmico, atravessando o Paquistão, o Irão e a Turquia, até chegar à Bulgária e à Sérvia. Destino final sonhado: a União Europeia, mais especificamente a França.
Delagha é uma entre trezentas mil crianças refugiadas que empreenderam viagens perigosas sem adultos em 2015 e 2016, número quintuplicado comparativamente com anos anteriores. Juntaram-se às fileiras de um fluxo sem precedentes. Pelo menos 170 mil desses menores solicitaram asilo na Europa. Segundo Michel Saint-Lot, representante da UNICEF na Sérvia, 46% dos sete mil refugiados que, no passado mês de Maio se encontravam na Sérvia, quando ali estive, eram crianças. Na sua maioria oriundas do Afeganistão, 1 em cada 3 não viajava acompanhada por um adulto.
Delagha está agora retido na Sérvia, impedido de prosseguir pelo encerramento das fronteiras desde Março de 2016 e pelas restrições impostas à chamada rota dos Balcãs, uma das vias de entrada na União Europeia (UE). Adasevci, uma das 18 instalações na Sérvia que disponibilizam alimentação e alojamento aos refugiados, é um motel convertido. As famílias amontoam-se em quartos: os homens solteiros e os rapazes acotovelam-se nas imediações, em hangares revestidos a lona.
“Aqui não há nada”, disse Delagha, enquanto caminhávamos de regresso ao hangar. A T-shirt cinzenta e o cachecol preto em volta do pescoço de pouco serviam para atenuar o frio daquela manhã de Primavera. A sua pele infectada com sarna arrepiou-se. O rapaz queria ir para França, “porque em França há paz”. Na Sérvia, também há paz, mas a Sérvia não corresponde à utopia da União Europeia que imaginou.
De acordo com Saint-Lot, as crianças que se arriscam a continuar a viagem tornam-se presas para ladrões, predadores sexuais e traficantes. Michel Saint-Lot estava preocupado, pois conhecia relatórios segundo os quais alguns menores entram furtivamente nos países da UE e são posteriormente detidos, espancados ou repatriados à força, o que constitui crime de violação das convenções ratificadas por esses países. “Muitos não querem ficar aqui, sentem-se retidos.”
Delagha guarda escassas recordações do seu país: o disparo dos morteiros, os combates e os bandidos talibãs, mas também os jogos de críquete com amigos e as refeições em família.
Ainda não contou aos pais que ele, o primo e o tio foram espancados e roubados no Irão por “gente parecida com os talibãs, armados de metralhadoras”. Nem que o tio escondeu dinheiro dentro da roupa interior de Delagha, na esperança de que os ladrões não revistassem um rapaz pequeno. Mas os horrores da jornada não tinham sido tão maus como o armazém degradado, perto da estação central de Belgrado, onde passara o Inverno anterior, num acampamento com outros refugiados, sem aquecimento, instalações sanitárias ou electricidade. Fazia um frio de rachar. Por vezes, reconheceu o rapazinho, sentiu desejos de voltar para casa. “Não estou feliz.” Não sabia o que fazer a seguir. “Nada”, disse. “Agora nada posso fazer.”