Prato com figura humana. Esta peça de terracota, encontrada em Susa (no actual Irão), foi produzida entre 4200 e 3800 a.C. A figura aqui representada poderia personificar a agricultura. Museu do Louvre, Paris. Werner Forman / Art Archive
Texto: Juan Luis Montero Fenollós
Com a abundante argila dos rios Tigre e Eufrates elaboraram-se figurinhas caseiras rudimentares mas também recipientes cozidos em série nos fornos.
A cerâmica é uma das grandes invenções mesopotâmicas.
As origens da cerâmica permanecem obscuras, mas conhecemos uma série de factos que contribuíram para a invenção desta tecnologia, cujos protagonistas são a argila e o fogo. Na arquitectura de adobe do Neolítico, antes da chegada da cerâmica, era frequente o uso do gesso e da cal para revestir e proteger as paredes e solos das casas. O gesso foi igualmente utilizado para fabricar pequenos recipientes que podemos considerar como o precedente directo da cerâmica. O homem manifestava assim a necessidade de utilizar uma matéria facilmente maleável e que se prestasse à elaboração de recipientes de diversas formas. Anteriormente, a obtenção de gesso não requeria tecnologia do fogo.
Sabe-se também que os dois princípios necessários para o fabrico da cerâmica (a matéria maleável e o forno) já eram conhecidos nos povoados neolíticos desde o início do sétimo milénio antes de Cristo. Terá então nascido a cerâmica.








O início
As primeiras cerâmicas cozidas terão sido produzidas em contexto familiar, de forma acidental ou intencional. A sua função não é muito clara: poderiam ter servido para cozer comida, para guardar alimentos ou poderão ter tido outra função desconhecida. A esta fase inicial podem corresponder os fragmentos de cerâmica e as figurinhas de argila muito mal cozidas – a baixas temperaturas – que se encontraram no sítio arqueológico neolítico de Mureybet, no vale do Médio Eufrates sírio, datadas do sétimo milénio antes de Cristo. Estes são dos objectos de cerâmica mais antigos que se conhecem, juntamente com outros elementos encontrados em sítios da Turquia com a mesma datação.
O desenvolvimento e a expansão da tecnologia cerâmica não foram seguramente conquistas imediatas nem generalizadas. Decorreram quase dois mil anos até que esta técnica se estendesse pelo Próximo Oriente, como sugerem os sítios arqueológicos do quinto milénio na região.
Dar forma à argila
A tecnologia para produzir recipientes cerâmicos compreendia várias etapas sucessivas. Em primeiro lugar, era necessário obter e preparar a argila. A planície mesopotâmica era rica em argilas sedimentares, depositadas periodicamente pelas inundações dos rios Tigre e Eufrates. Era portanto uma matéria-prima abundante e foi muito utilizada pelos povos da Mesopotâmia como material de construção em arquitectura, como suporte para a escrita cuneiforme (com o barro, eram fabricadas as tabuinhas de escrita) e, claro, para o fabrico de cerâmica portátil.
Uma vez depurada a argila – ou seja, limpa das impurezas –, o artesão dava a forma desejada a este material, que tem como propriedade principal a sua plasticidade. Para fabricar os recipientes de cerâmica eram usadas três técnicas: a modelação, a moldagem e o torneamento. A modelação à mão é a técnica mais antiga e já seria usada no Neolítico. Para a produção de peças pequenas, era habitual usar-se uma bola de argila à qual se dava forma com a mão; era assim que se fabricavam vasos ou taças. Para a elaboração de peças maiores, como as jarras, a técnica usada deveria ser a formação de cilindros de argila colocados em espiral ou em anéis sobrepostos posteriormente unidos à mão. A moldagem consistia no uso de um molde de argila, cerâmica ou gesso com o qual se obtinha a forma desejada pressionando a massa de argila com a mão.
No desenvolvimento da cerâmica, o uso do torno foi um avanço tecnológico importante, dado que favoreceu a produção oleira em grande quantidade e padronizada.
O uso do torno
É difícil estabelecer quando aparece em cena o torno, pois é uma derivação directa da roda. O exemplo mais antigo já encontrado é uma roda de cerâmica de 75 centímetros de diâmetro e 44 quilogramas de peso encontrada na cidade de Ur, no Sul da Mesopotâmia, e datada de 3000 a.C. No entanto, o estudo da cerâmica de Uruk sugere o uso do torno de oleiro desde meados do IV milénio a.C.
Do ponto de vista técnico, distinguem-se dois tipos de torno: o lento ou de giro e o torno rápido. O primeiro é uma roda giratória accionada pelo próprio artesão com uma das suas mãos ou com a ajuda de um aprendiz. No torno rápido, o oleiro coloca a roda em movimento com o seu pé, pelo que tem as mãos livres para fabricar qualquer artefacto. O torno gira a maior velocidade e permite a elaboração de peças de melhor qualidade em menos tempo. A produção intensifica-se e uniformiza-se para dar resposta à crescente procura das cidades mesopotâmicas.
Em Susa, no Sul do Irão, conserva-se a impressão de um selo cilíndrico, datado de 3500-3200 a.C., com o que parece ser uma oficina de cerâmica com artesãos (talvez mulheres) a trabalhar. E não existe nenhum elemento que possa ser identificado com um torno. No Egipto, a representação mais antiga que se conhece do uso do torno numa olaria provém de um túmulo da V Dinastia (em 2400 a.C.), onde se pode ver um homem dando forma a um vaso sobre um torno, fazendo-o girar com a mão direita.
O torno rápido só aparecerá na arte à época do rei persa Dario I (518-485 a.C.).
Depois da decoração, para o forno
Depois de a argila ter a forma adequada, o artesão dava um tratamento final ao recipiente durante a secagem: do simples alisamento à elaborada decoração. Na Mesopotâmia, as decorações mais frequentes eram incisas, excisas, impressas, pintadas ou vidradas. Esta última está documentada desde o século XIV a.C. e alcançou grande desenvolvimento no primeiro milénio antes de Cristo.
Um bom exemplo é a porta de Ishtar da Babilónia, reconstruída no Museu de Pérgamo, em Berlim. Os recipientes eram cozidos em instalações de diversos tipos: desde simples fossas escavadas no solo, onde a cozedura era irregular por falta de controlo da temperatura, até fornos de adobe, divididos entre a câmara de combustão e a câmara de cozedura. A câmara de combustão, normalmente escavada no solo, era onde se encontrava o fogo, alimentado por madeira ou dejectos secos.
Sobre esta, separada por uma espécie de grelha, encontrava-se a câmara coberta por uma cúpula onde se introduzia a cerâmica. Este tipo de forno permitia maior controlo da temperatura, que podia chegar a 10000C e está documentado no sítio arqueológico de Yarim Tepe I, no Norte da Mesopotâmia, correspondente ao final do sétimo milénio antes de Cristo.
Há nove mil anos que a cerâmica cozida como a que hoje utilizamos começou a circular na Mesopotâmia, irradiando a partir dali para todo o mundo antigo.