táxi

A Praça Clichy de Paris em 1896, num óleo de E.G. Grandjean. Podem ser vistos diversos fiacres, uma bicicleta e, à direita, um autocarro.

Juntamente com as carruagens individuais, no século XIX existiram sistemas de transporte colectivo parecidos com os actuais autocarros urbanos. Em 1825, o francês Stanislas Baudry criou em Nantes o primeiro serviço com estas características e chamou-lhe omnibus — “para todos”, em latim. Eram coches amplos, para 8 ou 10 pessoas. Além disso, os viajantes podiam levar equipamentos pelos quais deviam pagar uma tarifa em função do peso. Os coches podiam ser alugados por famílias para viajar das estações ao domicílio. Estas carruagens prestavam serviço entre o centro das cidades e a periferia e tinham paragens fixas. Em muitos países católicos, as empresas estavam obrigadas a oferecer serviços especiais nos dias de romaria ou de Carnaval, em noites de tourada e nos dias de romagem aos cemitérios.

Antes da era do automóvel, as cidades europeias tinham serviços de coches de aluguer com tarifas e paragens fixas.

Texto: Javier Leralta

O primeiro serviço de coches de aluguer do qual se tem notícia remonta a 1654, em Londres. Fundou-se então um grémio de mestres cocheiros (Fellowship of Master Hackney Coachmen) encarregado de regulamentar o transporte público da cidade. Estes cocheiros conduziam carruagens no perímetro urbano, que eram alugadas por percursos mas só podiam ser requisitadas na City.

Poucos anos depois, Blaise Pascal, o célebre matemático, físico e filósofo – e inventor de um protótipo de calculadora mecânica –, organizou um sistema parecido em Paris. Em 1661, criou com o seu sócio, o duque de Roannez, uma empresa dedicada ao transporte urbano de pessoas, as chamadas carruagens de cinco soldos (carrosses à cinq sols) que no ano seguinte já percorriam cinco rotas no centro de Paris.

paragem de táxi

Uma paragem de táxi do século XIX. Este óleo do pintor Childe F. Hassam, de 1887, mostra uma rua em Paris, a Rua Bonaparte, num dia de tempestade. Ao longo da parede do seminário de Saint-Suplice, repleta de cartazes, as carruagens esperam a chegada de clientes, enquanto três cocheiros de uniforme falam entre si. Este era um bairro burguês, mas o pintor representou em primeiro plano, como contraste, um humilde operário com a sua filha que arrasta um carrinho-de-mão.

Embora a empresa pioneira de Pascal tenha sido de curta duração, no século XVIII os coches de aluguer tornaram-se uma presença habitual nas grandes capitais europeias. O dramaturgo madrileno Leandro Fernández de Moratín, no regresso de uma viagem a Londres, relatou aos amigos a impressão que lhe haviam causado os “coches de aluguer” que circulavam pelas ruas em grande número, “mais de mil”, segundo dizia, todos de grande elegância, comodidade e segurança. Surpreendeu-o igualmente que os trajectos fossem pagos com tarifas já estabelecidas. Só não gostou do traje dos cocheiros, que achou pouco cuidados e desajustados da qualidade do serviço.

Carruagens com suspensão

Londres e Paris foram as cidades pioneiras deste serviço porque Inglaterra e França já possuíam uma avançada indústria de carruagem. Em particular, os mestres ingleses (integrados no grémio Worshipful Company of Coachmakers, fundado em 1677) melhoraram progressivamente os seus cavalos, o desenho e o conforto dos coches. Estes foram dotados entretanto de um engenhoso sistema de suspensão. No século XIX, o modelo mais habitual dos coches de aluguer foi o coupé, uma carruagem de quatro rodas, coberta, com assento para duas pessoas e puxada por um cavalo. Em Madrid, este veículo chamava-se simón, devido a um certo Simón González ou talvez por causa do galego Simón Tomé Santos – os simóns celebrizaram-se pela sua má qualidade, a julgar pelo testemunho de escritores do Romantismo como Ramón de Mesonero Romanos ou Mariano José de Larra.

Em França este modelo ficou também conhecido por fiacre por ser um carro que se podia alugar em Paris entre as ruas de Saint-Fiacre e Saint-Martin, durante o Inverno.

fiacre

Coupé ou Fiacre da companhia de coches parisiense l’Urbaine, do final do século XIX.

O crescimento urbano no século XIX estimulou a expansão do serviço de coches de aluguer. Um exemplo eloquente é o oferecido por Paris. Em meados do século XVIII, a capital francesa tinha cerca de duzentas carruagens de aluguer, mas, em 1815, já eram quase 1.400 e, em 1865, superavam 6.000, em grande parte propriedade de uma potente empresa: a Companhia Imperial de Coches de Paris.

Este êxito é explicado pelas necessidades particulares das novas elites burguesas. Para estas, as carruagens não eram só um meio de transporte; eram também um símbolo de estatuto. Por muito perto que se vivesse do salão de baile, da ópera ou do teatro, a etiqueta impunha que se chegasse numa carruagem puxada por cavalos para participar na cerimónia de exibição de riqueza e influência. Não é de estranhar que em França os actores se desejassem sorte antes do início de um espectáculo com a expressão “muita merda”, que originalmente fazia referência à grande quantidade de excrementos equinos que as carruagens dos espectadores deixavam à porta do teatro. A quantidade de estrume estava relacionada com a receita da bilheteira.

Em cada cidade europeia, os coches de aluguer foram objecto de regulamentação severa, semelhante à dos actuais táxis. Em Madrid, por exemplo, passou a ser obrigatório o registo dos donos e empregados dedicados ao negócio do aluguer de carruagens, bem como o controlo dos mesmos. Estes tinham de pintar o número da licença na frente e nos faróis da carruagem e os cocheiros eram obrigados a afixar os preços do serviço num cartaz colocado no interior da carruagem.

Selecção de pessoal

Um serviço de qualidade dependia do tipo de coche, da selecção das cavalariças e das aptidões e qualidades dos funcionários. Por isso, as autoridades impuseram requisitos severos para aceder à profissão. Nem todos os candidatos conseguiam aceder. Segundo um regulamento de 1860, os cocheiros deveriam assegurar “as circunstâncias de honra e moralidade sem mácula, aptidão e inteligência para conduzir e manusear as carruagens e os cavalos, ter pelo menos seis meses neste serviço e mais de 18 anos de idade”. As más condutas, como “infidelidade, o escândalo, a embriaguez habitual ou a inaptidão para o manuseamento da carruagem”, ficavam anotadas numa caderneta e eram motivo para expulsão. E ao que parece havia motivo para tomar precauções. Um artigo de 1867 explicava que os agentes de autoridade de Paris deveriam conduzir às cocheiras os veículos abandonados na via pública “caso os cocheiros estivessem em tal estado de embriaguez que fosse perigoso deixá-los circular durante mais tempo”.

cocheiro

O primeiro taxímetro foi patenteado pelo alemão Wilhelm Bruhn em 1891, mas demorou a generalizar-se devido à resistência dos cocheiros. Quando foi aprovado em Paris, em 1904, obteve êxito instantâneo, tal como o demonstra este trecho, publicado no Boletim municipal de Paris: “Com este aparelho, já não é necessário olhar para o relógio à saída e à chegada. Esta formalidade preliminar conduzia a discussões, já que o relógio do cliente e o do cocheiro nunca estavam de acordo. O público ficou encantado de ver a hora marcada no quadrante do contador.” O aparelho daria nome aos táxis de motor que surgiram nesses mesmos anos. Na imagem: cocheiro de Paris numa carruagem com taxímetro em princípios do século XX.

Um dos principais problemas deste serviço de transporte foram as escalas, já que era habitual a formação de aglomerações de carruagens que esperavam os clientes, alterando a circulação, por vezes até com confrontos entre cocheiros. Em Madrid, as queixas chegaram ao extremo de se proibir que os coches ficassem estacionados nas ruas e era obrigatório ir às cocheiras buscá-los, embora esta decisão municipal tivesse breve vigência e a necessidade obrigasse a criar mais paragens no centro da cidade.

carruagem

A quantidade de excrementos à porta do teatro tornara-se um indicador do volume de trânsito. Paragem de passageiros de carruagens em Londres. Gravura de 1875.

As cidades colocaram tanto zelo na manutenção da boa ordem do estacionamento que foi igualmente decidido que os coches teriam pintados os números das licenças com as cores correspondentes a cada uma paragem. Esta diferença de cores propiciou divisões dos coches em duas categorias: os de primeira classe (por norma, com cores vermelhas, amarelas, verdes e pretas) dispunham das paragens de maior procura de viajantes; os de segunda classe, com cores bancas, eram remetidos para as paragens de pontos de menor procura. Uma vez realizada a viagem, deveriam regressar ao mesmo local de onde tinham partido.

O problema das tarifas

Os coches de aluguer estavam submetidos a um regime de preços públicos, fixados pelas autoridades.

No século XIX, as tarifas dependiam muito do tipo de carruagem, já que existiam carruagens de um ou dois cavalos e com capacidade para duas ou mais pessoas. O tarifário também dependia da hora do dia e da distância e tempo da viagem. Por norma, os preços eram elevados e na imprensa apareciam inúmeras queixas a esse respeito. Além disso, em ocasiões especiais, as tarifas podiam aumentar repentinamente.

Quando o general Narváez, presidente do conselho de ministros, deu uma festa em casa, naquela noite “nenhum coche foi alugado por menos de seis ou oito duros”. Ninguém protestou com o abuso. O mais importante era estar presente na festa, mostrando que a bolsa de cada um poderia cobrir qualquer despesa.

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