As orcas são uma das muitas criaturas marinhas que migram no alto-mar. Um novo tratado da ONU permite aos países criarem áreas protegidas com gestão internacional para proteger as espécies que vivam fora da jurisdição de cada país. Fotografia de Brian Skerry, Nat Geo Image Collection.
Cinco coisas que precisa de saber sobre as águas internacionais – uma parcela de oceano sem dono e repleta de formas de vida por descobrir, vulcões subaquáticos e piratas dos tempos modernos.
Texto: Sarah Gibbens
O alto-mar é uma enorme terra de ninguém: um oceano sem dono.
Todos os países têm jurisdição sobre as águas que se estendem até 200 milhas náuticas da sua costa. É chamada zona económica exclusiva (ZEE). Para lá da ZEE, encontram-se as águas internacionais – e mais de dois terços do oceano.
As águas desabitadas raramente são vistas pelas pessoas, mas estão repletas de vida. Existem mais de 10 milhões de espécies em alto-mar e milhões de criaturas misteriosas desconhecidas pela ciência residem nas suas profundezas.
É por isso que um novo tratado das Nações Unidas (ONU), datado de Março de 2023, pretende governar o ingovernável, delineando como os países devem proteger colectivamente um pedaço de oceano que cobre metade da superfície do planeta.
Repleto de vulcões subaquáticos e espécies escondidas, cruzado por piratas e foras-da-lei, o alto-mar não tem comparação na Terra.
1. Piratas dos tempos modernos vagueiam pelo alto-mar
A pirataria não é um crime do passado. Segundo a Interpol, uma organização policial internacional, agora assume a forma de assaltos armados ou raptos em troca de resgate. Já não parece um filme de capa e espada de Hollywood.
Os piratas dos tempos modernos ganham milhões em resgates todos os anos. Menos frequentemente, sequestram navios.
Piratas somali no navio de pesca onde foram capturados por membros da marinha dos EUA em 2012. Os assaltos à mão armada e os raptos em troca de resgate são alguns dos crimes cometidos pelos piratas junto à orla costeira e em alto-mar. Fotografia de Tyler Hicks/The New York Times/Redux.
Mais de 90 por cento dos bens que produzimos e vendemos são transportados por via marítima e a pirataria ocorre tanto junto à costa como em alto-mar. Em 2020, 195 incidentes de pirataria marítima foram relatados ao International Maritime Bureau.
Os piratas não são os únicos criminosos que andam em alto-mar. Drogas e pessoas são traficadas, químicos e outros tipos de resíduos são ilegalmente despejados e peixes são ilegalmente retirados das águas.
Algumas das pessoas que violam a lei em alto-mar têm objectivos mais altruístas. Enquanto a bordo, a tripulação obedece às leis do país da bandeira ostentada pelo navio. É isso que permite à organização sem fins lucrativos holandesa Women on Waves disponibilizar abortos a mulheres que vivem em países onde o procedimento é ilegal.
2. As profundezas por descobrir oferecem mistérios à imaginação
Nas profundezas do mar podemos encontrar cordilheiras subaquáticas, fossas profundas, desfiladeiros, fontes hidrotermais e também peixes, baleias, tartarugas e corais. E embora haja muitas espécies que os cientistas sabem que vivem ou migram em alto-mar, a maior parte da vida aqui existente continua a ser um mistério. Pensa-se que existam entre 500.000 e 10 milhões de espécies por nós desconhecidas no oceano.
Apenas uma fracção do alto-mar foi estudada por cientistas. E os maiores mistérios podem residir nos habitats mais difíceis de alcançar.
Um naufrágio transformado num recife de coral serve de habitat a peixes e outras criaturas marinhas. Navios perdidos e espécies por descobrir vivem escondidas em alto-mar. Fotografia de Jennifer Adler, Nat Geo Image Collection.
Por exemplo, os corais de mar profundo são comuns aqui. O organismo vivo mais antigo que se conhece, um coral com 8.500 anos, pode ser encontrado em águas internacionais.
E algumas destas espécies por descobrir podem ter valor medicinal. Certos compostos presentes em esponjas que vivem a grande profundidade estão a ser testados devido à sua capacidade de combater o cancro e problemas de saúde crónicos.
Actualmente menos de 1 por cento das águas de alto-mar estão protegidas, mas o novo tratado da ONU permite aos países criar colectivamente áreas marinhas protegidas (AMP) para evitar a sobrepesca e existência de rotas marítimas comerciais em algumas partes do alto-mar.
3. A pesca nestas águas gera polémica
A pesca tem sido descrita como um dos trabalhos mais perigosos do mundo e discute-se acesamente se deve ser permitida em alto-mar.
Um estudo publicado em 2018 demonstrou que a pesca em alto-mar não era rentável – pouco mais de metade era subsidiada pelos governos. Estima-se que cerca de 3.600 navios pesquem em alto-mar, representando apenas 6% de toda a actividade piscatória. Os navios de pesca costumam utilizar um método chamado pesca de arrasto em alto-mar, com grandes redes que capturam tudo o que encontram pela frente – peixe com valor comercial, mas também recifes de coral e animais marinhos raros ou ameaçados.
Alguns países, como a China, recorrem ao alto-mar para compensar a falta de peixe nas suas águas já esgotadas. Os cientistas estimam que cerca de 70 por cento do peixe existente em águas territoriais passam parte da vida em alto-mar e um estudo publicado em 2015 descobriu que, se o alto-mar fosse encerrado à pesca, os bancos de pesca das ZEE vizinhas poderiam ser beneficiados, pois parte dos peixes das grandes populações poderiam nadar para os seus territórios. O efeito poderia resultar num aumento de 18 por cento de peixe com valor comercial nas águas territoriais.
4. São locais de crimes graves
A milhares de milhas de terra firme, o alto-mar encobre crimes como trabalho forçado e homicídio. Uma investigação do “New York Times” publicada em 2015 relatou histórias de violência, escravidão, punições severas e outros actos ainda mais graves perpetrados contra pessoas que eram frequentemente enganadas com ofertas de trabalho a bordo de navios de pesca e detidas durante anos. A pesca de alto-mar usa navios de longo curso. Estes navios fundeiam em mar aberto durante meses e anos e são reabastecidos por navios que lhes levam provisões e trazem de volta o peixe capturado, permitindo dessa forma que o navio fundeado escape a fiscalizações.
Outro estudo publicado pela “Associated Press” em 2019 revelou que muitos dos peixes capturados por mão-de-obra escrava são consumidos nos Estados Unidos da América.
Activistas pela defesa de direitos laborais e agentes de aplicação da lei começaram a usar satélites para vigiar navios de alto-mar em busca de comportamentos suspeitos compatíveis com práticas de trabalho forçado.
5. Efectuam um valioso sequestro de carbono
Formas de vida marinhas como o plâncton e as algas são responsáveis por sequestrar enormes quantidades de emissões de dióxido de carbono em alto-mar. Todos os anos extraem 1.500 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono da atmosfera, segundo um relatório publicado em 2014.
Um mergulhador nada por entre uma floresta de sargaços. As espécies grandes de algas, como esta, retiram naturalmente dióxido de carbono da atmosfera, um contributo essencial para a mitigação das alterações climáticas. Fotografia De David Doubilet, Nat Geo Image Collection.
Esse mesmo relatório sugere que o alto-mar retira tanto carbono da atmosfera que o seu valor atinge, aproximadamente, 148 mil milhões de dólares. Uma vez que esse carbono é absorvido por plantas e animais que armazenam o carbono nos seus organismos e o transferem para o leito marinho, alguns cientistas acham que a pesca em alto-mar deveria ser totalmente proibida.