As videiras florescem nos solos vulcânicos da Madeira. “Aqui, as coisas crescem de uma forma louca”, diz João Pedro Machado, enólogo na Quinta do Barbusano. Fotografia de Luis Davilla, Getty Images.
Texto: Mary Winston Nicklin
A Madeira é conhecida pelas suas paisagens, tradições – e pelo vinho lendário que chegou a agraciar as mesas dos Pais Fundadores dos Estados Unidos.
Reza a lenda que, quando no século XV os exploradores portugueses encontraram uma série de ilhas verdejantes – menos de uma semana depois de terem partido de Portugal – os marinheiros ficaram escondidos nas suas naus durante dias, com o receio de bestas de dentes afiados que imaginavam habitar as florestas densas do arquipélago.
Seriam estas as Ilhas Afortunadas esboçadas pelos cartógrafos da Grécia antiga? Ou talvez fosse a lendária porta de entrada de Plutarco para os Campos Elísios?
Mas o arquipélago estava desabitado e a sua maior ilha não tinha uma presença de vida animal abundante. Por outro lado, o solo era incrivelmente fértil e rapidamente se transformou num laboratório rico em nutrientes para testar as sementes recolhidas em viagens pelo mundo inteiro. As castas do Mediterrâneo (Malvasia) e de Portugal continental (Sercial, Verdelho e Boal) foram plantadas ao lado da Jacaranda mimosifolia, da América do Sul, e da Plumeria rubra, da Polinésia, em vinhas que depressa cobriram a ilha. E enquanto as raízes se estabeleciam na região, o mesmo aconteceu com o gosto pelo vinho único deste arquipélago montanhoso.
Terras de cultivo
Localizada no Oceano Atlântico, a cerca de 480 km da costa oeste de Marrocos, a Madeira é uma ilha pequena – tem apenas 741 km quadrados – mas os seus terrenos são diversificados. As praias ensolaradas dão lugar a plantações de banana, cana-de-açúcar e a vinhas suportadas por montanhas escarpadas e pelo planalto envolto em névoa de Paúl da Serra.
O trilho da Levada das 25 Fontes percorre levadas na Madeira – canais históricos de irrigação que levam água ao sul da ilha. Fotografia de Mikel Bilbao Gorostiaga, Alamy Stock Photo.
Foi formada por vulcões submarinos e as suas falésias estão repletas de levadas – canais históricos de irrigação que transportam água doce do norte da ilha até às quintas mais a sul. Algumas levadas atravessam a Laurissilva, a maior floresta de louros sobrevivente do mundo (reconhecida pela UNESCO), um vestígio das florestas primitivas que cobriram o sul da Europa há milhões de anos. Aqui, sem a presença de predadores, as plantas evoluíram e atingiram tamanhos consideráveis – e inspiraram alguns naturalistas ingleses a dedicarem-se à poesia.
O vinho da Madeira nos EUA
O vinho da Madeira era o tónico diário de George Washington. Alexander Hamilton e todo o elenco de Pais Fundadores da América elegeram-no para celebrar ocasiões importantes. Thomas Jefferson costumava escrever sobre os “sedosos” vinhos da Madeira; mais tarde, para comemorar a compra do Louisiana com um brinde, Jefferson escolheu o vinho da Madeira como o vinho que representava a América. E James Madison tinha vários barris guardados no seu sótão.
O que torna os vinhos da Madeira tão especiais?
São vinhos encorpados – que podem ser secos e saboreados como aperitivos, ou doces e servidos com a sobremesa – e costumam ter sabores térreos a frutos secos, frequentemente comparados aos do caramelo, açúcar queimado e casca de citrinos cozida. Estes sabores originam de uma combinação entre variedades de uva, mistura, oxidação e dos efeitos das oscilações de calor ao longo do tempo. Tal como o vinho do Porto, estes vinhos também amadurecem ao longo de décadas (e às vezes séculos) de envelhecimento.
Na extremidade oriental da ilha da Madeira, a Ponta de São Lourenço sobressai no Atlântico com o seu basalto árido fustigado pelo vento. Este terreno acidentado e diversificado deu origem a um vinho rico e complexo com uma longa história. Fotografia de Lukas Babalis, 500px/Getty Images.
“O vinho da Madeira vive para sempre”, diz Alberto Luz, escanção no Belmond Reid's Palace, referindo-se à longa história da bebida. Inicialmente, o vinho era tão misterioso quanto popular. Os marinheiros encorpavam o vinho com conhaque para aguentar a longa viagem até à Índia, mas descobriram que o conteúdo dos barris adquiria um sabor ainda mais agradável no final da jornada. “Os marinheiros tentaram replicar o que estava a acontecer nas naus, movendo os barris para frente e para trás, para ver se o movimento era a chave”, diz Alberto Luz. “Eventualmente, perceberam que era por causa do calor.”
Existem oito produtores de vinho da Madeira, e alguns, como Barbeito ou Henriques & Henriques, recebem visitantes para visitas e degustações. No fascinante museu da Blandy’s Wine Lodge, no Funchal, a guia Sofia Marques diz “bem-vindo ao céu”, mostrando os barris envelhecidos, que não estão em adegas, mas sim em sótãos, e que reproduzem as condições dos porões abafados dos antigos navios.
Os barcos zarpam do porto da Câmara de Lobos, uma vila piscatória a oeste da capital da Madeira. A partir do Funchal, os visitantes podem explorar as vinhas da ilha e as vistas deslumbrantes. Fotografia de Juergen Sack, Getty Images.
O vinho da Madeira desapareceu de grande parte das mesas americanas depois de ter sido proibido durante a Lei Seca. Hoje, está de regresso, sobretudo em festas com sotaque da Madeira. Mas provar um vinho da Madeira puro, sem adulteração, é como beber a história por um copo. E existem histórias interessantes: em 2015, foi descoberto no Museu Liberty Hall de Nova Jersey um carregamento da época da Lei Seca, com garrafões e caixas de vinho centenárias da Madeira. Uma dessas garrafas, datada de 1796, foi leiloada pela Christie’s por cerca de 16 mil dólares – e o vinho ainda está bom.
Com uma vasta riqueza cultural, a Madeira organiza um calendário de eventos anual, incluindo a Festa do Vinho Madeira no início de setembro. Também há vários espetáculos de ranchos folclóricos, uma colheita tradicional de uvas e um desfile que mostra a história do vinho da Madeira.