Violet Jessop serviu como enfermeira e assistente de bordo em três navios irmãos da famosa White Star Line: o Olympic, o Titanic e o Britannic. Os três navios sofreram desastres no mar. Fotografia de Chronicle, Alamy Stock Photo.
Antes de se tornar conhecida como “Miss Unsinkable”, a “Menina Inafundável”, Violet Jessop resistiu a uma infância atormentada pela doença.
Texto: David Kindy
Na manhã de 21 de Novembro de 1916, o transatlântico Britannic — então utilizado como navio hospital, durante a Primeira Guerra Mundial - atravessava o Mar Egeu a caminho do sangrento campo de batalha de Gallipoli, na Turquia. A enfermeira Violet Jessop acabara de sair da missa matinal e estava a sentar-se para tomar o pequeno-almoço quando uma explosão abafada abalou o navio. O Britannic embatera numa mina alemã e estava a afundar rapidamente.
O comandante mandou as pessoas dirigirem se para os barcos salva-vidas e Jessop correu até à sua cabine para ir buscar alguns pertences, incluindo o seu livro de orações e um objecto de cuidados pessoais em particular. No seu livro de memórias, recordou as palavras de um amigo: “Nunca enfrentes mais um desastre sem teres a certeza de que tens a tua escova de dentes”.
Jessop levou esse conselho à letra devido a experiências passadas com catástrofes marítimas, incluindo o afundamento do R.M.S. Titanic em 1912.
“Sempre se riram muito à minha custa depois do Titanic, quando me queixei da minha incapacidade de conseguir uma escova de dentes”, escreveu nas suas memórias.
Desde um icebergue a um erro humano, uma confluência de factores levou ao afundamento do “inafundável” RMS Titanic. Descubra a série de acontecimentos que levaram ao desastre, as leis que se seguiram e a descoberta do naufrágio quase 75 anos mais tarde. Construído para ser confortável e veloz, o R.M.S. Olympic foi o maior navio do seu tempo. Alguns meses após a sua viagem inaugural em 1911, colidiu com outro navio e sofreu grandes danos, mas conseguiu regressar a Inglaterra. Fotografia de Topical Press Agency, Stringer/Getty Images.
Recordada como a “rainha dos navios afundados” e “Menina Inafundável”, Jessop apoiou-se na sua profunda fé e grande força de vontade para resistir a estas calamidades no mar, bem como para superar doenças graves e tragédias pessoais. Apesar do seu quase encontro com a morte no Britannic, a indómita Jessop continuou a trabalhar em transatlânticos até à sua reforma, 32 anos mais tarde.
“É muito simples: ela precisava de trabalho e tudo o que conhecia era a vida no mar”, diz Simon Mills, escritor e especialista no Britannic. “Ela escreveu mais tarde que precisava de voltar ao trabalho assim que possível, antes que perdesse a coragem, por isso não demorou muito a regressar ao mar.”
“Uma feroz vontade de viver”
Nascida na Argentina em 1887, Violet Constance Jessop era filha de imigrantes irlandeses católicos que se mudaram para a América do Sul e se tornaram pastores de ovelhas. A sua infância foi atormentada pela doença, incluindo febre tifóide e tuberculose, tendo quase falecido devido a esta última. A sua recuperação foi milagrosa.
“Foi a teimosa e quase feroz vontade de viver de Violet que a curou”, escreveu o falecido John Maxtone-Graham, editor das suas memórias.
Uma ilustração de uma revista francesa reproduz um serviço religioso a bordo de um navio enviado para recuperar cadáveres e destroços do naufrágio do R.M.S. Titanic. Jessop — uma católica devota que rezava com frequência – lembrou-se de uma oração hebraica de protecção e começou a recitá-la instantes antes de o Titanic embater num icebergue e afundar-se. Ilustração de Via Ann Ronan Pictures, Print Collector/Getty Images.
Após a morte do pai em 1903, Jessop, então com 16 anos, e a sua família mudaram-se para Inglaterra. Para alimentar a família, a sua mãe, Katherine, tornou-se assistente de bordo – essencialmente, empregada de passageiros ricos – a bordo de navios a vapor da Royal Mail Line que atravessavam o Atlântico.
Após cinco anos no mar, Katherine adoeceu e Violet, então com 21 anos, tornou-se o único sustento da família. Seguiu os passos da mãe e tornou-se assistente de bordo. Embora fosse considerada demasiado jovem para o trabalho, a sua personalidade agradável e o talento para as línguas – Violet falava inglês, francês e espanhol – ajudaram-na a conseguir o emprego.
Em 1911, a jovem assinou um contrato com o luxuoso R.M.S. Olympic — o maior navio da sua época e o primeiro de um trio de transatlânticos de luxo operados pela empresa White Star Line. Tudo corria bem até ao dia 20 de Setembro de 1911, quando o navio de passageiros colidiu com o cruzador britânico H.M.S. Hawke. O Olympic sofreu um enorme rasgão no casco, abaixo da linha de água, mas conseguiu arrastar-se até Inglaterra.
Com o Olympic atracado para reparações, Jessop foi transferido para o navio irmão, o R.M.S. Titanic. Menos de sete meses mais tarde, a 14 de Abril de 1912, o quarto dia após a partida na sua viagem inaugural, o elegante transatlântico embateu num icebergue e afundou-se. Perderam-se mais de 1.500 vidas, entre passageiros e tripulação.
Às 23h40 daquela noite fatídica, Jessop acabara as suas orações e estava no seu beliche quando ouviu o “som baixo, dilacerante, esmagador de um rasgão”. A princípio, pensou que fosse um exercício. Afinal, o “inafundável” Titanic não poderia estar em perigo de se afundar. No entanto, menos de três horas depois, Jessop estava à deriva num barco salva-vidas, vendo, em terror, o grande navio desaparecer sob o Atlântico Norte escuro e gélido. “De certeza que é um sonho”, recorda-se de ter pensado.
“Uma enorme fé”
Quando a Grande Guerra eclodiu em 1914, Jessop voluntariou-se como enfermeira. Trabalhou em hospitais em terra durante algum tempo e depois teve oportunidade de servir no mar, a bordo do Britannic. Quando o navio colidiu com uma mina junto à ilha grega de Kea, em 1916, Jessop embarcou num bote salva-vida, mas este foi atraído pelas hélices ainda em movimento do Britannic. A água ficou vermelha com o sangue enquanto pessoas e barcos foram desfeitos em pedaços pelas enormes hélices.
Jessop saltou para o mar e escapou à morte, mas sofreu uma factura no crânio e um golpe profundo na perna. Mais tarde, a bordo de um torpedeiro britânico, viu um par de rostos familiares: dois médicos ao seu lado, com quem estivera na missa naquela manhã. “Eu sei o que o que a salvou hoje, menina”, disse-lhe um deles.
Jessop passou os três anos seguintes a recuperar dos ferimentos. Entretanto, a guerra acabou e os transatlânticos voltaram a atravessar o Atlântico. Depois de sobreviver a três desastres no mar, qualquer outra pessoa poderia temer ter esgotado a sua sorte. Mas não Jessop. Em 1920, ela assinou um novo contrato com o restaurado Olympic e continuou a trabalhar como assistente de bordo, até se reformar em 1950, com 63 anos. Morreu em Inglaterra em 1971, aos 83 anos.
O que lhe deu garra para superar aquilo que a vida lhe pôs pela frente? “Apenas a vontade de viver”, disse a um amigo. “E uma enorme fé na intervenção divina.”