Um marinheiro brinca com gatinhos descobertos numa sala de equipamentos da Air Station Squantum da Marinha dos EUA em Massachusetts, em 1942. Fotografia por cortesia de National Archives.
Os marinheiros acolheram os seus colegas felinos, dando-lhes pequenos uniformes e as suas próprias camas de rede. Mas os gatos são fora-da-lei por natureza – por isso, a relação não podia durar para sempre.
Texto: Scot Christenson
Tinham nomes como Tom The Terror, Wockle, Bounce e Dirty Face. Viajaram milhares de quilómetros a bordo dos navios de guerra mais famosos, com alguns dos marinheiros mais empedernidos. Eram membros acarinhados da tripulação, recebendo frequentemente uniformes em miniatura e as suas próprias camas de rede minúsculas. Muitos nunca puseram uma pata em terra firme durante toda a sua vida – eram os gatos que serviam nas Marinhas do mundo.
Os gatos andam a bordo dos navios há quase tanto tempo como os seres humanos andam no mar e os marinheiros foram dos principais responsáveis pela disseminação dos gatos por todo o mundo. Pinturas antigas em túmulos egípcios retratam gatos a caçarem em barcos navegando no Nilo e os fenícios reconheciam o seu valor enquanto agentes de controlo da população de roedores nos seus navios enquanto negociavam Mediterrâneo fora.








Os ratos e as ratazanas eram um grande problema a bordo dos navios porque arruinavam as provisões da tripulação, roíam o equipamento e propagavam doenças. Talentosos predadores, os gatos eram uma solução barata e eficaz para qualquer infestação. Num esforço para proteger documentos das ratazanas, o governo dos Estados Unidos da América (EUA) começou a comprar ninhadas de gatos no século XIX, acabando por fornecê-las à Marinha. No Reino Unido, um dos primeiros e maiores programas de salvamento de gatos ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, quando milhares de gatos vadios foram capturados nas cidades e entregues às forças armadas. Os gatos entregues à Marinha Real Britânica até recebiam uma “semanada para alimentação” de um xelim e seis pences para comprarem guloseimas na cantina do navio.
Anjos, demónios e “barómetros peludos”
Os primeiros marinheiros acreditavam que os gatos conseguiam controlar o estado do tempo com as suas caudas. As pessoas achavam que os gatos estavam zangados quando abanavam as caudas de certa maneira – e que estavam a preparar-se para desencadear uma tempestade violenta, que em breve se abateria sobre o navio. Mais tarde, os marinheiros aperceberam-se de que os gatos abanavam as caudas quando se sentiam agitados devido a uma diminuição súbita da pressão atmosférica, o que indicava que o navio se dirigia para um local com condições meteorológicas adversas. As tripulações começaram a monitorizar todos os maneirismos dos gatos dos seus navios e achavam que qualquer comportamento invulgar era um aviso de tempestade. De certo modo, os felinos eram pequenos barómetros peludos.
Os pequenos felinos também eram uma fonte de superstição: quando um gato embarcava num navio prestes a zarpar, os marinheiros achavam que era um sinal de sorte. Por outro lado, temiam um desastre se um marinheiro felino de longa data decidisse abandonar o navio mesmo antes de este partir. Pior ainda, os marinheiros achavam que o seu destino estava condenado se vissem dois gatos a lutar no cais: significava que um anjo e o diabo já tinham começado a lutar pelas almas da tripulação.
Nove vidas em alto mar
Embora os gatos sejam conhecidos pela sua aversão à água, habituaram-se bastante bem à vida no mar. Ao contrário dos ingleses da Marinha Real Britânica, que tinham de beber sumo de citrinos para prevenir o escorbuto, os gatos fabricam a sua própria vitamina C e podem sobreviver com uma dieta à base de peixe e mamíferos, sem necessidade de comer frutos e vegetais. Quando havia poucos roedores, os gatos tinham métodos diferentes de capturarem peixe para si. As presas mais fáceis eram as que simplesmente apareciam no convés. Alguns gatos superavam a sua aversão à água tornando-se mergulhadores hábeis, capazes de capturar peixe no oceano. Os gatos que nunca se habituaram a nadar ainda assim conseguiam caçar, lançando-se aos peixes que saltavam sobre a proa do navio. Uma vez que os gatos obtinham a maior parte da hidratação de que necessitavam através do peixe que consumiam, não precisavam de muita água potável, ao contrário dos marinheiros humanos. Além disso, os gatos têm um excelente sistema de filtração interno, que lhes permite beber um pouco de água do mar, se necessário.
Os companheiros felinos também eram importantes para melhorar o moral dos marinheiros saudosos de casa que embarcavam em longas viagens, dando afecto muito necessário à tripulação e alguma suavidade ao ambiente espartano do navio. Uma vez que eram considerados mascotes partilhadas por todos os marinheiros, os gatos também ajudavam a criar laços entre a tripulação.
Os animais eram reconhecidamente difíceis de treinar para fazerem truques, mas alguns marinheiros diziam que tinham aprendido a “falar gatês” e eram capazes de convencer as suas mascotes a fazerem façanhas como assumir posição de sentido, fazer continência, caminhar sobre a corda bamba e tocar o sino. Isto contribuía bastante para as iniciativas de relações públicas da Marinha dos EUA em portos estrangeiros, em que autóctones eram convidados para visitas aos navios que incluíam breves espectáculos com os felinos.
Foras-da-lei por natureza e os riscos políticos
Os navios da Marinha de maiores dimensões poderiam ter até duas dezenas de gatos que definiam os seus territórios. Aquilo que fosse suficientemente inteligente para reclamar a cozinha do navio costumava tornar-se o mais gordo. Outros caçadores de ratos ficavam nas entranhas do navio, onde não eram incomodados por toda a actividade do convés e pelo som das armas. Os felinos mais amigáveis gostavam de ficar nas camaratas, onde recebiam imensa atenção dos marinheiros e podiam dormir em camas de rede que reduziam o movimento de oscilação do navio – afinal, os gatos marinheiros podiam ficar tão enjoados como os seres humanos.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a posição especial detida pelos gatos nos navios da Marinha entrou rapidamente em declínio. Devido a melhorias na fumigação e no controlo de pragas, os gatos foram afastados do seu trabalho principal – eliminar as pragas dos navios. Os capitães que não gostavam de gatos começaram a categorizar os felinos como uma distracção desnecessária.
O maior problema das despesas da Marinha dos EUA foi terem-se tornado um risco político e legal no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. O orçamento da defesa sofreu um grande corte e a Marinha foi alvo de cortes dramáticos. Os almirantes assustaram-se: acharam que lhes iam tirar quase tudo e iam ficar sem uma frota suficientemente grande para proteger os interesses da nação contra a ameaça crescente do comunismo. Os membros do Congresso que defendiam cortes profundos na defesa ridicularizam os almirantes, revelando que um navio despendera recursos num comité de três homens para planear um funeral para a sua mascote felina. Foi um golpe baixo porque os custos de manter gatos para preservar o moral eram mínimos (e frequentemente pagos pelas próprias tripulações), mas envergonhou os Almirantes, pois transmitiu ao público a sensação de que a Marinha gastava dinheiro frivolamente.
Acima de tudo, foram as novas leis de quarentena, mais rígidas, que puseram fim à tradição do gato do navio. Antes da década de 1950, muitos países conferiam um estatuto especial aos gatos dos navios, dispensados das leis da quarentena, permitindo-lhes deambularem à vontade em portos estrangeiros, onde a pior consequência talvez fosse envolverem-se numa luta com um gato local. As leis impostas pela maioria dos países após a guerra proibiam os gatos de desembarcar antes de uma longa quarentena. Se os funcionários locais vissem um gato sair de um navio, o seu capitão poderia receber uma multa pesada ou até ser detido.
Reconhecendo que os gatos eram foras-da-lei por natureza, a Marinha quis evitar que os seus capitães se vissem envolvidos em disputas legais e diplomáticas devido a um gato curioso que tentasse escapar à quarentena. A actual política da Marinha dos EUA não proíbe explicitamente gatos a bordo de um navio, mas a licença especial actualmente exigida para levar um felino para bordo quase nunca é atribuída. A maioria das Marinhas do mundo adoptaram uma política semelhante – excepto a Rússia.
Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com