As figuras de terracota encontradas em Agia Irini estão expostas numa sala do Museu Arqueológico de Chipre, em Nicósia. Fotografia de AKG / Album.
Entre 1927 e 1931, uma missão sueca escavou vários sítios arqueológicos em Chipre. O mais conhecido é Agia Irini.
Texto: Lucía Avial-Chicharro
A arqueologia cipriota foi associada desde o século XIX às missões arqueológicas estrangeiras, que investigaram o desenvolvimento histórico da ilha. De todas as missões, destaca-se a Expedição Sueca em Chipre (1927-1931), coordenada por Einar Gjerstad. Graças aos seus trabalhos, o país passou a ocupar um lugar relevante no panorama arqueológico internacional. A missão arqueológica começou a ser pensada em 1923, quando Gjerstad chegou à ilha a convite de Luke Pierides, o cônsul sueco e membro do Conselho Arqueológico de Chipre, que o conhecera casualmente na Grécia. Pierides desafiou o jovem Gjerstad a realizar a investigação para o seu doutoramento em Chipre e este aceitou, embora desconhecesse totalmente a história cipriota, tal como reconheceu mais tarde: “Realmente não sabia nada sobre a arqueologia de Chipre e por isso concordei sem pensar muito. O desconhecido atraía-me.”
Entusiasmado com a oportunidade, Gjerstad começou a visitar museus e escavações preliminares noutros sítios arqueológicos. Convencido da necessidade de realizar escavações metódicas e sistemáticas em Chipre, lançou na Suécia uma campanha para organizar uma expedição arqueológica. Para financiar o seu trabalho, obteve donativos de cidadãos anónimos bem como do Estado sueco, através do príncipe herdeiro Gustavo Adolfo. Graças a estes apoios e ao de Pierides, que facilitou a gestão e as licenças necessárias, a Expedição Sueca em Chipre iniciou o seu caminho.
Missão pioneira
Os trabalhos foram iniciados oficialmente em Setembro de 1927. A equipa era constituída pelos arqueólogos Einar Gjerstad, Alfred Westholm e Erik Sjöqvist, bem como pelo arquitecto John Lindros. O objectivo era estudar diversos sítios arqueológicos para estabelecer uma cronologia clara da história cipriota, bastante problemática até àquele momento devido ao escasso rigor das escavações anteriores. A missão terminou em 1931, e, embora só tenha trabalhado durante quatro anos em Chipre, os seus resultados foram impressionantes.
Entre os vestígios arqueológicos identificados, encontraram-se estruturas imponentes, desde o Neolítico à época romana como necrópoles e fortalezas, um palácio real e um teatro. Encontraram-se cerâmicas, estátuas, depósitos votivos e armas. Entre todo este material destacam-se as duas mil esculturas do santuário de Agia Irini. Os resultados foram publicados em vários volumes.
A Expedição Sueca em Chipre trabalhou em mais de duas dezenas de sítios arqueológicos espalhados por toda a ilha. Destes, pela sua relevância histórica e pelos resultados oferecidos, o destaque foi Idálio, a cidade que chegou a ser a capital oficial dos dez antigos reinos de Chipre.
Equipa de quatro. A fotografia, captada em 1930, mostra os quatro membros da Expedição Sueca em Chipre no acampamento da missão. Da esquerda para a direita, estão o arquitecto John Lindros e os arqueólogos Alfred Westholm, Erik Sjöqvist e Einar Gjerstad. Fotografia de Medelhavsmuseet, Stockholm.
A expedição iniciou ali os seus trabalhos no Verão de 1928, encontrando uma fortaleza e um lugar de culto do final da Idade do Bronze. Sob estas ruínas, algumas amostras testemunharam a existência de um palácio real precedente. Relacionadas com o santuário, encontraram-se oferendas votivas, armas e artefactos pessoais, além de uma placa de bronze com uma inscrição que permitiu perceber que o recinto estava consagrado a uma deusa correspondente à grega Atena. Kition (a actual Larnaca) foi outro local de enorme relevância, por ter sido a cidade fenícia mais importante de Chipre. O trabalho dos suecos, iniciado em 1929, encontrou indícios que permitiram documentar um santuário de Melcarte, o deus protector de Kition. Porém, o sítio arqueológico mais importante e onde a Expedição Sueca em Chipre fez a maior descoberta foi Agia Irini, um dos principais locais de culto da ilha.
Centenas de figuras de terracota
Os trabalhos em Agia Irini iniciaram-se em 1929.
Foi identificado um santuário do fim do período cipriota-geométrico (900-750 a.C.). Com actividade até 480 a.C., o santuário dividia-se em pequenas divisões que se abriam para um enorme pátio com um altar de pedra. A estrutura estava rodeada por um muro que delimitava o espaço sagrado ou temenos. Além da estrutura do edifício, localizou-se in situ um grande número de figuras de terracota (algumas quase em tamanho real) em redor do altar. Interpretadas como oferendas a uma divindade, representavam personagens masculinas, à excepção de duas esculturas femininas, e parecem provir da mesma oficina, o que demonstra o vínculo existente entre grupos de artesãos e o santuário.
As terracotas de Agia Irini fotografadas no momento da sua descoberta, em 1929. Actualmente, estão expostas no Museu Arqueológico de Chipre, em Nicósia. Fotografia de Medelhavsmuseet, Stockholm.
No final das escavações, em 1931, os artefactos foram divididos entre Chipre e a Suécia. Muitas destas peças foram a pedra fundadora do Museu Arqueológico do Mediterrâneo e do Médio Oriente de Estocolmo. A equipa sueca levou dois terços das peças, mas assinou um acordo com o governo cipriota para as dividir de forma lógica, sem separar as que pertenciam aos mesmos depósitos. Foi um acordo pioneiro, já que até então as escavações privadas tinham despojado Chipre de muitos dos seus bens arqueológicos.
Antes da missão sueca, o património arqueológico cipriota foi objecto de saques, como o que foi perpetrado pelo ítalo-americano Luigi Palma di Cesnola que, como cônsul dos EUA procurou desviar milhares de peças para o Museu Metropolitano de Nova Iorque. Entre elas destaca-se este fantástico sarcófago do século V a.C., proveniente da antiga Amatunte. Fotografia de Alamy / ACI.
Na Suécia, os resultados da equipa foram seguidos com enorme interesse pelo público, incluindo o príncipe herdeiro Gustavo Adolfo. O futuro monarca visitou Chipre em 1930, participando como mais um arqueólogo nos trabalhos da missão durante alguns dias. Animado por este interesse, Gjerstad publicou em 1933 o livro Ages and days in Cyprus, onde mostrou o desenvolvimento da escavação, bem como inúmeras histórias e as suas intensas relações com os colegas cipriotas, com os quais manteve profunda amizade. Foi o caso de Toulis Souidos, um grego cipriota considerado o “quinto membro” da expedição e um importante apoio logístico das campanhas.
Métodos científicos
Pela sua metodologia e resultados, a Expedição Sueca em Chipre foi a primeira missão arqueológica a escavar na ilha com métodos científicos, obtendo resultados que permitiram avançar no estudo da história cipriota. Os trabalhos desta primeira equipa estabeleceram os alicerces para que muitos arqueólogos da Suécia organizassem distintas missões de investigação em Chipre. Esse laço entre os dois países ainda se mantém através da equipa da Nova Expedição Sueca em Chipre, dirigida desde 2010 por Peter M. Fischer e que trabalha no sítio arqueológico de Hala Sultan Tekke, com os mesmos objectivos científicos que animaram Gjerstad e os seus companheiros.