A LENDA DO INVENTOR Representação de Flavio Gioia, a quem a lenda atribuiu a invenção da bússola. Gravura da série Nova Reperta, por Giovanni Stradano. 1588-1600.

Originária da China, desempenhou um papel fundamental na navegação e tornou possíveis os Descobrimentos. Com a bússola, os navegadores sentiam-se mais seguros, pois sabiam que rota seguir.

Texto: Bernat Hernández

O fenómeno do magnetismo, provocado pelo atrito dos fragmentos de ferro com ímanes naturais, era conhecido há muito. Mencionado em textos de Tales de Mileto e de Platão na Antiguidade, era igualmente conhecido na China, onde se descobriu em data não determinada que toda a agulha magnetizada gira livremente, assinalando sempre o eixo norte-sul. Na verdade, na China, a agulha mostrava o Sul: por especial deferência perante o imperador, o engenho tinha de dar respeitosamente as costas à Ursa Maior, residência do «Soberano do alto», de quem o imperador era sumo-sacerdote na Terra.

Fabricavam-se bússolas secas (pequenas tartarugas talhadas em madeira que continham magnetite e que giravam sobre um pivot de bambu afiado) e húmidas (barras de metal que flutuavam sobre a água). Essas agulhas serviam para práticas divinatórias e cerimónias de homenagem aos quatro pontos cardeais. Alguns textos, de 1044, descrevem o seu uso por soldados perdidos na noite ou desorientados pelo mau tempo, mas foram os árabes que deram à bússola o uso náutico decisivo. 

Bússola Islâmica datada de 1520 e usada para encontrar a direcção para Meca. Museu Nacional, Damasco

Em meados do século XIII, Baylak al-Qibjaqi tornou-se célebre pelo relato de uma viagem entre Trípoli e Alexandria: o Livro do tesouro do comerciante. Ali descrevia como, numa noite sem estrelas, o comandante de um navio se valeu de uma agulha magnetizada para marcar a rota. As trocas comercias aplicaram o conhecimento até aos confins do Índico.

Imprescindível nos navios

Na Europa, passou-se do uso simples da agulha magnetizada para a criação de um instrumento sofisticado, acompanhado por indagações sobre a física do magnetismo. 

Pierre de Maricourt desempenhou um papel essencial nesta evolução. Maricourt, que em 1269 escrevera uma Epístola do magneto, introduzindo definitivamente a bússola no Ocidente, observou que a extremidade de uma agulha de ferro magnetizada se dirigia para o Norte. E ao colocar uma dessas agulhas na superfície da água no interior de um recipiente e outra na palma da mão constatou a atracção dos pólos opostos e a repulsão dos pólos da mesma natureza. Surpreendentemente, na segunda parte da sua obra, chegou a comparar a pedra magnética de forma esférica com o globo terrestre e concluiu que a agulha se orientava em direcção aos pólos. «Por meio deste instrumento, podereis encontrar a vossa rota até cidades e ilhas de todos os lugares aos quais desejais ir, tanto por terra como por mar, sob condição de que conheçais a sua longitude e latitude», escreveu.

A primeira menção na Europa sobre o uso prático de bússolas na navegação surge no final do século XII em De utensilibus (Sobre os instrumentos), do sábio inglês Alexander Neckman. Os marinheiros não tardaram a estender a sua utilização em todo o mar do Norte e no oceano Atlântico. Graças a esta nova tecnologia, podiam avançar pelo mar com maior segurança do que até então.

A agulha de marear

As primitivas agulhas magnéticas apresentavam deficiências notáveis e eram um instrumento de última instância, quando já não era possível a orientação pelo Sol ou pela estrela Polar, que indica o Norte. As oscilações dos navios impossibilitavam leituras correctas de um pedaço de metal colocado sobre cortiça flutuante. Neste sentido, as melhorias foram conseguidas usando líquidos de flutuação mais densos, como o azeite, mas sobretudo limitando os movimentos possíveis da «agulha de marear» ao fixá-la sobre um suporte, que começou a ser marcado com 32 pontos cardeais. Destas adaptações, derivou a denominação do instrumento: vem da palavra latina buxida («pequena caixa») que originou o italiano bussola: identificava-se assim o receptáculo com a técnica. 

MODELO DE BOLSO Bússola e relógio solar portáteis. Instrumento datado do século XV e conservado no Museu Naval de Madrid.

No léxico marinheiro, a bússola designou-se igualmente por compasso, derivado da palavra francesa que significa girar. Os navegadores medievais designavam-na por «pequena marinheira» porque acabou por ser uma companheira imprescindível nas travessias.

A Terra é magnética

Embora todas as adaptações técnicas tenham eliminado os erros de leitura, não conseguiram suprimir a base geológica das aberrações de direcção: a declinação magnética, ou seja, o facto de que o Norte magnético não coincide com o Norte geográfico. No final do século XVI, um inglês chamado Robert Norman escreveu um tratado que incluía explicações sobre este fenómeno e as possibilidades de usá-lo para medir as diferentes latitudes. As suas conclusões deram lugar a uma série de tratados sobre magnetismo conhecidos como De Magnete (1600), escritos pelo inglês William Gilbert.

Gilbert forneceu a primeira explicação racional das propriedades da bússola: a própria Terra era magnética. Até então, a natureza do magnetismo era tão misteriosa que estava proibido o uso de alho em muitos navios por se considerar que os fumos acres do vegetal causavam mau funcionamento da bússola. Gilbert desenhou um instrumento para medir a declinação, embora se tenha equivocado ao considerá-la um valor absoluto, dado que desconhecia um dado essencial: o campo magnético do planeta muda constantemente.

Na era dos Descobrimentos

Durante os séculos XVI e XVII, a bússola foi essencial para os marinheiros. O infante Dom Henrique estava consciente das novidades tecnológicas e construiu observatórios e escolas de navegação para se aventurar no Atlântico. Graças à bússola, os portugueses dobraram o cabo da Boa Esperança, no extremo meridional de África, abrindo caminho para o Extremo Oriente. A expansão para o Atlântico Sul foi igualmente apoiada nas orientações da bússola. E Cristóvão Colombo usou-a também durante as suas travessias oceânicas e deparou-se com a misteriosa variação do instrumento a oeste dos Açores quando a declinação magnética (a diferença entre o norte geográfico e o indicado pela bússola) se tornou mais pronunciada, até alcançar um «quarto de vento», mais de 11 graus. A diferença entre os cálculos de uma bússola e um astrolábio era de cerca de 15 graus na direcção do Norte. 

Os avanços marítimos foram infindáveis. Em 1575, Louis de Roy, nas suas memórias, destacou o encontro entre Fernão de Magalhães e o rei de Malaca, uma reunião que, segundo ele, fora possibilitada pelos novos conhecimentos sobre os mares e pelo uso da bússola magnética na navegação.

Correcção dos rumos

A definição da declinação era indispensável para os navegadores e, no século XVII, iniciou-se uma competição entre as potências europeias para financiar o trabalho de quem pudesse estabelecer as variações dessa declinação e dessa forma corrigir os rumos. Filipe II de Espanha e as autoridades holandesas prometeram pequenas fortunas para os sábios que as conseguissem esclarecer. 

Daí em diante, todas as memórias sobre expedições marítimas recolheram os valores da declinação em diferentes locais. Assim sucedeu com as viagens de William Barents e William Baffin em busca da passagem do Noroeste (que permitira a comunicação entre os oceanos Atlântico e Pacífico pelo Norte do actual Canadá), durante a qual os dois navegadores arriscaram vários desembarques ousados entre ursos-polares para medir as oscilações provocadas pela proximidade face ao pólo terrestre.

O RUMO NO MAR Fragmento do Atlas Catalão, portulano cuja elaboração é atribuída a Abraham Cresques no século XIV. Terá sido o primeiro a incorporar uma rosa-dos-ventos.

 Estagnada perante estas condicionantes, a bússola apresentou desde então poucas inovações. Desde meados do século XVII, a simples pedra de íman usada para magnetizar a agulha foi substituída por uma lâmina de aço previamente magnetizada que reforçava as propriedades do metal. No início do século XIX, esta nova técnica permitiu o desenvolvimento dos magnetómetros, aparelhos para medir a força e a direcção do campo magnético que proliferaram nos observatórios. Com eles, começaram a superar-se as limitações que o magnetismo terrestre impunha na orientação pela bússola.

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