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Numa enfermaria do Hospital Al-Nasser, bebés recebem tratamento contra a subnutrição. Estas são duas entre 1,8 milhões de crianças subnutridas com menos de 5 anos. Sem orçamento, o Ministério da Saúde do Iémen apoia-se nas organizações humanitárias para fornecer cuidados médicos. 

A guerra civil destruiu o sistema de saúde do Iémen, conduzindo a população para o caos.

Texto: Nina Strochlic 

Fotografias: Matteo Bastianelli

A jovem mulher foi conduzida ao hospital às 9h30 da manhã. Vinte minutos antes, estava a estender a roupa quando uma bomba caiu no quintal de sua casa, nos arredores de Taizz, uma antiga cidade no Sudoeste do Iémen. Um homem coberto de sangue, seu primo, não parava de gritar enquanto os médicos a conduziam rapidamente à unidade de traumatologia.

“As duas pernas?”, perguntou ele, enquanto o médico regressava e, com gestos, lhe mostrava onde iriam fazer a amputação. Tinha uma perna estraçalhada. Na outra, via-se um osso exposto. As duas, confirmou o médico. Meteram-na numa ambulância e mandaram-na para outro hospital. Depois, fez-se silêncio. As enfermeiras limparam o soalho e esperaram que chegasse o doente seguinte. 

Nessa noite, Matteo Bastianelli, um fotógrafo italiano que presenciara a cena, escreveu o seguinte no seu diário a propósito da vida em Taizz após três anos de cerco: “Os médicos aguardam. O rugido dos aviões troa nos ouvidos e a poeira entra para os olhos. Vive-se com o medo de que algo terrível e irreparável possa suceder a qualquer momento.”  

Outrora conhecido pelos romanos como Arabia Felix, “Arábia Feliz”, o Iémen era um porto estratégico de acesso ao mar Vermelho, enriquecido pelo comércio de especiarias e de fragrâncias. Hoje, é um dos países mais pobres do planeta. Até 1990, o Norte e o Sul do Iémen constituíam Estados separados e esta cisão continua a alimentar conflitos. No fim de 2014, os rebeldes separatistas houthi apoderaram-se da capital, Sana, na sequência de um golpe. Temendo convulsões a nível regional, a vizinha Arábia Saudita interveio em auxílio do anterior governo do presidente Abdrabbuh Mansour Hadi. Com apoio dos EUA, do Reino Unido e de cerca de uma dezena de países árabes, uma coligação liderada pelos sauditas lançou uma campanha de ataques aéreos para ajudar o governo do Iémen a manter o controlo sobre grandes extensões do país.

Passados três anos de combates, os números são aterradores: num país com 29 milhões de habitantes, 22 milhões de iemenitas carecem de ajuda humanitária, segundo a ONU. 

Dois milhões estão deslocados do seu território de origem. Pelo menos dez mil morreram. Com a economia e o sistema de saúde em ruínas, os iemenitas tomam decisões desesperadas para beneficiarem de cuidados médicos. Alguns empreendem viagens perigosas através do país, em busca de hospitais geridos por grupos de ajuda humanitária. Outros gastam as poupanças em hospitais privados. Mais de metade dos hospitais do Iémen foram encerrados ou funcionam apenas parcialmente e, por vezes, os administradores têm de escolher entre a compra de medicamentos ou combustível para os geradores. Doenças infecciosas como a cólera e a difteria grassam por insuficiência de água potável e de outros serviços básicos. 

Antes de 2015, o então recém-construído edifício de cinco andares nos arredores de Taizz fora concebido como hotel. É agora uma maternidade e uma unidade de traumatologia, gerida pela organização Médicos Sem Fronteiras. 

Os médicos e os outros profissionais de saúde dos hospitais públicos não recebem ordenados desde 2016. Os grupos de ajuda humanitária apoiam o Ministério da Saúde, pagando salários e fornecendo produtos médicos. No entanto, um bloqueio imposto pela coligação chefiada pelos sauditas aos aeroportos e portos do país, numa tentativa de impedir os abastecimentos de chegarem aos rebeldes, fez arbitrariamente atrasar ou desviar os transportes por via aérea, de acordo com Kristine Beckerle, da organização Human Rights Watch.

Mais de um milhão de presumíveis casos de cólera foram registados desde 2017. É o pior surto na história contemporânea. Uma ONG encomendou um carregamento de fármacos em Julho de 2017, mas os medicamentos só chegaram em Abril deste ano. 

Muitos médicos do Iémen mudaram-se para hospitais privados ou fugiram do país, provocando uma escassez de profissionais. 

Os hospitais privados custam mais dinheiro do que um membro da classe média consegue pagar. A única alternativa é tentar atravessar as linhas da frente e dirigir-se aos dois aeroportos do país ainda abertos. Poucos conseguem suportar o custo do combustível ou o risco. 

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