Num laboratório da Universidade Hassan II, em Marrocos, Nizar Ibrahim (ao centro) debruça-se sobre os recém-achados ossos de Spinosaurus, juntamente com os paleontólogos Simone Maganuco (à esquerda) e Cristiano Dal Sasso. “O estudo de um fóssil é, para mim, uma espécie de criação”, diz Dal Sasso. “É preciso ressuscitar um animal a partir de fragmentos.”
Recorrendo a técnicas inovadoras e a um acervo de fósseis recém-descobertos, os paleontólogos estão a reescrever aquilo que sabemos sobre estas criaturas antigas — desde a cor da pele e das penas à forma como viviam, como se reproduziam e como evoluíram.
Texto: Michael Greshko
Fotografias: Paolo Verzone
Pinturas: Davide Bonadonna
Ilustrações: Gabriel Ugueto
Na tarde fria de Janeiro, Susannah Maidment contempla um bando de dinossauros, a partir das margens de um lago de Londres.
Curadora no Museu de História Natural do Reino Unido, Susannah veio comigo num passeio pelo Crystal Palace Park, onde, em 1854, foi apresentada ao público a primeira exposição mundial de dinossauros. As esculturas expostas foram então um êxito retumbante e desencadearam a dinomania que existe desde então. Mais de um século antes de Steven Spielberg espantar o mundo com “Parque Jurássico”, os dinossauros de Crystal Palace atraíram dois milhões de visitantes por ano durante três décadas consecutivas e Charles Dickens referiu-se a um deles no seu romance “A Casa Sombria”.













Para nos proporcionarem uma observação pormenorizada destes monumentos com 166 anos, Ellinor Michel e Sarah Jayne Slaughter, administradoras da organização sem fins lucrativos Liga dos Amigos dos Dinossauros de Crystal Palace, guiam-nos através de um portão metálico até às margens do lago, onde vestimos calças impermeáveis e galochas para empreendermos a travessia. Calculo mal o meu primeiro passo, caio dentro de água e trepo de gatas até à margem da ilha, encharcado e cheirando a água estagnada. “Bem-vindo à Ilha dos Dinossauros!”, exclama Sarah, com um sorriso de orelha a orelha.
Aninhadas entre os fetos e as camas de musgo esponjosas, as esculturas verde-pálidas são imponentes, quase imperiais. Os dois exemplares de Iguanodon, um herbívoro do Cretácico, existentes no parque assemelham-se a iguanas gigantes com protuberâncias no focinho: hoje, os cientistas sabem que eram espigões que os animais possuíam nos polegares. Sentimo-nos tentados a desvalorizar a exposição, como algo ultrapassado ou saído de um filme de segunda qualidade. Mas Susannah Maidment aprecia os dinossauros do Crystal Palace por aquilo que verdadeiramente são: a vanguarda do conhecimento científico da época, com base em comparações entre animais vivos e os poucos fósseis que então se encontravam ao dispor dos investigadores.
COMO SE MOVIAM
NOVIDADES: Uma descoberta inovadora fornece provas de que o Spinosaurus era essencialmente aquático. Possuía uma cauda desenvolvida para propulsão na água, um centro de gravidade projectado para a frente que favorecia a deslocação e garras curvadas mais adequadas para capturar presas do que para caminhar sobre terra.
Dois Spinosaurus aegyptiacus perseguem o peixe-serra num sistema fluvial que cobria o actual território de Marrocos há mais de 95 milhões de anos. Fonte: Nizar Ibrahim, Explorador da National Geographic
Será que os dinossauros levantavam voo a partir do solo ou planavam a partir do topo das árvores? Os cientistas fizeram múltiplas experiências para testar as hipóteses, recorrendo a simulações de computador, modelos robóticos e até a animais modernos. Clique na imagem para ver os detalhes.
Antes de 2014, os paleontólogos possuíam apenas fragmentos da cauda do Spinosaurus e supuseram que fosse rígida, semelhante à de outros terópodes. À medida que novos fósseis foram surgindo, o conhecimento da forma como o dinossauro se movimentava “transformou-o” num nadador exímio.
Descolar do solo. Para estudarem as origens do voo, os investigadores utilizaram uma avestruz para imitar o Caudipteryx e perceberem como ele se servia das asas para se equilibrar enquanto corria. Equiparam a ave com asas mecânicas e sensores de força para medirem o movimento destas e a sustentação.
Jason Treat; Mesa Schumacher. Fontes: Nizar Ibrahim, Explorador da National Geographic; Michael Habib, Museu de História Natural da Comarca de Los Angeles; Yaser Talori e outros, Computational Biology, Maio de 2019; Gareth Dyke e Outros, Nature Communications, Setembro de 2013
Os cientistas ainda recorrem a esta técnica para reconstituir as criaturas fantásticas, imaginando como preencher as lacunas relativas aos tecidos moles nos fósseis gastos pelo tempo. Os ossos não conservam vestígios das bochechas dos rostos antigos, explica a investigadora, quando fazemos uma pausa. “Mas nós reconstituímo-las como se existissem, porque resulta: hoje os animais possuem bochechas.” Os escultores do parque no século XIX seguiram o mesmo processo. “Foram perfeitamente razoáveis quando os reconstituíram assim, baseando-se naquilo que conheciam.” Nos quase dois séculos entretanto decorridos, os cientistas aprenderam muito mais sobre os dinossauros do que os construtores do Crystal Palace Park alguma vez poderiam ter sonhado. Agora, o nosso conhecimento está a passar por outra revolução, repensando as versões popularmente divulgadas destes animais antigos.
Durante vários anos, os cientistas revelaram, em média, 50 novas espécies de dinossauros por ano, um ritmo inimaginável há algumas décadas. Esta lista actualizada de animais tanto abrange voadores do tamanho de canecas de cerveja, com asas de morcego, como os herbívoros de pescoço comprido que foram os maiores animais terrestres alguma vez existentes na Terra. Dispositivos médicos de imagiologia digital, aceleradores de partículas e análises químicas permitem agora aos investigadores destrinçar o osso da rocha e descobrir as mais diminutas características ocultas dos fósseis. No que diz respeito à descoberta de dinossauros, “creio firmemente que a sua época áurea está a acontecer neste preciso instante”, afirma Steve Brusatte, paleontólogo da Universidade de Edimburgo.
COMO CHOCAVAM
NOVIDADES: Segundo parece, os ovos do Deinonychus seriam azulados, semelhantes aos de algumas aves modernas, sugerindo que este dinossauro nidificava ao ar livre. A cor e os padrões do ovo talvez servissem de camuflagem num espaço aberto. A existência de ninhos nestas condições pode significar que o Deinonychus cuidava dos seus descendentes.
Uma cria recém-nascida de Deinonychus apresenta-se rodeada de coloridos ovos azuis num ninho acima do nível do solo, sob a vigilância de um progenitor zeloso. Fonte: Jasmina Wiemann, Universidade de Yale
As teorias anteriores sobre a reprodução dos dinossauros apoiavam-se substancialmente em ovos de répteis. Entretanto, os cientistas comprovaram uma forte ligação evolutiva entre os dinossauros e as aves, ligação essa que proporciona melhores pistas sobre a maneira como os dinossauros punham os ovos e cuidavam dos juvenis.
Os cientistas descobriram que muitos ovos de dinossauros possuíam os matizes coloridos e as pintas mosqueadas dos ovos das aves modernas. A cor tende a condizer com o enquadramento ambiental do ninho.
Alguns dinossauros punham ovos de casca mole, com textura espessa. Para protegê-los, os dinossauros enterrá-los-iam, à semelhança das tartarugas marinhas modernas.
Espreitando o interior. Já não há necessidade de abrir os ovos de dinossauro. Com TAC, os investigadores podem olhar para o interior. Os dentes embriónicos possuem depósitos que podem ser contados, ajudando os investigadores a calcular o tempo de incubação. Descobriu-se assim que a incubação dos dinossauros era mais lenta do que a das aves, com uma duração próxima da dos répteis.
Crânios reconstituídos. As TAC geram uma pilha de imagens radiológicas. Os modelos 3D reconstituídos dos embriões de Massospondylus revelaram a existência de dentes adicionais que caíam mais tarde (como acontece hoje às osgas).
Jason Treat; Mesa Schumacher Fontes: Kimi Chapelle e Vincent Fernandez, Universidade Wits; Jasmina Wiemann e outros, Nature, Outubro de 2018
Sabemos que os dinossauros, são seres persistentemente cativantes. Durante 150 milhões de anos, dominaram as paisagens da Terra, habitando os territórios correspondentes aos sete continentes da actualidade. Os dinossauros foram extraordinariamente bem-sucedidos no seu tempo, adaptando-se a um grande número de formas e tamanhos.
Segundo estimativas apresentadas por Steve Brusatte e outros autores, os cientistas já catalogaram mais de 1.100 espécies de dinossauros extintos e este é apenas uma parte das espécies que outrora existiram, uma vez que a fossilização só ocorreu num número reduzido de ambientes. A sua história continua até hoje. Quando um asteróide colidiu com a península de Iucatão, no México, há 66 milhões de anos, e eliminou três quartos das espécies que então viviam na Terra, um grupo de dinossauros sobreviveu: as criaturas cobertas de penas a que hoje chamamos aves.
A ciência ocidental só começou a estudar os dinossauros na década de 1820, mas aquilo que aprendemos é altamente revelador da maneira como os animais terrestres são afectados pelo nosso planeta em constante mudança. À medida que os continentes se afastavam uns dos outros e se recombinavam, as temperaturas e o nível do mar subiam e desciam, mas os dinossauros foram persistindo. Que lições podemos retirar das suas reacções e resiliência? Para conseguirmos contar uma epopeia desta dimensão, há que acompanhar as expedições paleontológicas em curso em todo o mundo. E os paleontólogos estão a descobrir mais novidades do que nunca.
Uma das regiões mais ricas para achados de novos fósseis é o Norte de África. Um ser humano pode quase sufocar a 41ºC no Saara marroquino e terá dificuldade em imaginar que esta foi, noutros tempos, uma paisagem luxuriante com rios profundos.
COMO CRESCIAM
NOVIDADES: Os investigadores conhecem agora melhor os ciclos de vida completos de certos dinossauros. Novos achados contribuem para perceber, de forma global, como os dinossauros se desenvolviam, amadureciam e, por vezes, atingiam um tamanho colossal.
Um Mussaurus observa dois rincossauros sob o olhar de um adulto. No início da sua vida, o animal caminhava sobre as quatro patas, mas tornar-se-ia bípede na idade adulta. Fontes: John R. Hutchinson, The Royal Veterinary College; Alejandro Otero, Conicet – Museu de La Plata
Antigamente, pensava-se que os dinossauros eram animais de sangue frio, tal como os répteis modernos. No entanto, os novos indícios de ritmos de crescimento rápido mostram que alguns talvez possuíssem metabolismos mais rápidos do que se suspeitava, assemelhando-se possivelmente aos mamíferos e aves de sangue quente. Alguns dinossauros corriam mesmo risco de sobreaquecimento. Clique na imagem para ver detalhes.
Jason Treat; Mesa Schumacher Versões 3d: Sinelab. Fontes: Ruger Porter e Lawrence Witmer, Universidade de Ohio.
No entanto, há muitos anos que Nizar Ibrahim, explorador da National Geographic, e a sua equipa regressam repetidamente a esta região, em busca do mais estranho de todos os dinossauros alguma vez encontrados: um monstro que habitava os rios chamado Spinosaurus aegyptiacus.
Os primeiros fósseis de Spinosaurus foram descobertos no Egipto na década de 1910, mas foram destruídos por um bombardeamento aéreo na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, as notas de campo, os esboços e as fotografias sobreviventes dos fósseis originais, juntamente com alguns ossos e dentes encontrados mais tarde, ainda no século XX, sugeriram que esta misteriosa criatura com uma “vela” no dorso viveria num meio aquático. O Spinosaurus possuía dentes cónicos bem adaptados para capturar peixes, por exemplo, e os paleontólogos presumiram que ele navegasse pelos baixios e puxasse os peixes para fora de água. Por conseguinte, Nazir e os seus colegas causaram sensação em 2014 ao descreverem um novo esqueleto parcial deste animal, descoberto em Marrocos. Basearam-se nele para proporem que o Spinosaurus passava grande parte do seu tempo a nadar e a alimentar-se dentro de água. Para reforçar as suas afirmações, a equipa regressou àquele local árido em 2018, com o apoio da National Geographic Society, na esperança de encontrar mais fragmentos da criatura. A escavação foi dificílima. Vários membros da equipa foram hospitalizados por exaustão depois de regressarem a casa. Alimentados com Nutella e com as promessas do achado, porém, começaram a descobrir vértebra após vértebra da cauda do Spinosaurus, por vezes com poucos minutos e centímetros de intervalo. Os escavadores sentiram-se tão eufóricos com a abundância de fósseis que inventaram ritmos de percussão com os seus martelos e desataram a cantar.
Com o formato de um remo com cerca de cinco metros de comprimento, o apêndice desenterrado, publicado este ano na revista “Nature”, é a mais revolucionária adaptação aquática alguma vez encontrada num dinossauro predador de grande porte. “Este achado vai tornar-se um símbolo, um ícone, da paleontologia africana”, resume Nazir Ibrahim.
COMO ERAM
NOVIDADES: O nosso conhecimento sobre o aspecto dos dinossauros continua a evoluir. Os investigadores sabem agora que muitos possuíam algum tipo de penas e que estas existiam num leque variado de cores, com base nos pigmentos fossilizados. Outras espécies possuíam coloração da pele, para efeitos de exibição ou de camuflagem.
Um Yi qi plana no ar enquanto dois Tianyulong tomam banho. A análise dos tecidos moles mostra que o Yi qi possuía asas membranosas entre os dedos da pata. Fontes: Michael Habib, Museu de História Natural da Comarca de Los Angeles; Michael Pittman, Universidade de Hong Kong
Na maior parte das reconstituições antigas, os dinossauros assemelhavam-se a répteis, mas os cientistas têm descoberto que os genes formadores dos dentes, das escamas e das penas estão estreitamente relaciona- dos entre si, facilitando a mudança destas características ao longo do tempo. Resultado: uma grande variedade de padrões de penas e escamas à medida que os dinossauros evoluíam. Clique na imagem para ver detalhes.
A história do Spinosaurus, com as suas paisagens desérticas e o seu enredo histórico, parece extraída de um guião cinematográfico. Porém, a análise posterior da cauda do fóssil tem demonstrado como o estudo actual dos dinossauros é agora marcadamente diferente.
No âmbito do seu trabalho, Nazir viajou de Casablanca a Cambridge (EUA), para visitar o laboratório do biólogo George Lauder na Universidade de Harvard. George gosta sempre de dizer que não é paleontólogo. Especializou-se em estudar a forma como os animais aquáticos se deslocam dentro de água, utilizando câmaras de alta velocidade e robots para descobrir como nadam. Para testar o Spinosaurus, monta uma reprodução da cauda do dinossauro em plástico cor de laranja, com 20 centímetros de comprimento, numa vareta metálica anexada a um transdutor de força, parte de uma “asa” robótica pendurada no tecto.
“Parece um mecanismo de tortura medieval”, graceja Stephanie Pierce, a paleontóloga de Harvard responsável pela concepção e execução das experiências, enquanto George Lauder baixa o robot e o encaixa numa calha.
Uma vez submersa, a cauda montada ganha vida, abanando para trás e para a frente e transmitindo os dados do aparelho aos computadores. Os resultados demonstram que, dentro de água, a cauda do Spinosaurus teria uma força propulsionadora oito vezes superior às caudas dos dinossauros terrestres afins.
Esta criatura, mais comprida do que o Tyrannosaurus rex, parece ter nadado pelos rios como um crocodilo. “Chegámos aqui porque um paleontólogo de dinossauros contactou outro paleontólogo que, por sua vez, contactou um perito em biorrobótica de peixes”, conta Stephanie.
COMO SOCIALIZAVAM
NOVIDADES: Avanços na tecnologia 3D permitem aos investigadores reconstituir em pormenor a anatomia dos dinossauros, incluindo o ouvido interno, certas regiões do cérebro e outras estruturas de tecidos moles. Isto lança luz sobre as capacidades mentais e sensoriais dos dinossauros e as suas competências sociais.
Dois machos de Edmontosaurus combatem por uma fêmea. Os hadrossauros tinham possivelmente uma vida social complexa, comunicando entre si através de roncos graves. Fontes: David C. Evans, Museu Real de Ontário; Phil Bell, Universidade de Nova Inglaterra
Durante muito tempo, os cientistas interrogaram-se sobre a função das bizarras cristas ósseas dos lambeossauros. Antigamente, pensava-se que as complexas vias nasais aumentavam o sentido do olfacto. Agora acha-se que eram um instrumento de vocalização semelhante à traqueia alongada do cisne-trombeteiro moderno.
Jason Treat; Mesa Schumacher. Versões 3d: Sinelab. Fontes: Lawrence Witmer e Ryan Ridgely, Universidade de Ohio; David C. Evans, Museu Real de Ontário
São estes tipos de experiências laboratoriais interdisciplinares que actualmente definem a investigação sobre os dinossauros. Os computadores modernos permitem aos cientistas o processamento de enormes conjuntos de dados sobre características dos esqueletos e a construção de árvores genealógicas de dinossauros. Os exames aprofundados de lâminas de osso mais finas do que folhas de papel revelam, em pormenor, a duração e cronologia dos surtos de crescimento dos dinossauros. E, recorrendo aos mesmos modelos utilizados para prever as alterações climáticas, os paleontólogos conseguem, na prática, projectar um asteróide contra a Terra, como sucedeu há 66 milhões de anos, para assistirem ao recuo dos habitats dos dinossauros durante o Inverno apocalíptico resultante desse impacte.
Poucas tecnologias alteraram de maneira tão profunda a visão que hoje temos dos dinossauros como a TAC, que faz agora parte do pacote de ferramentas comuns dos paleontólogos. “Conseguimos introduzir todos estes dados sobre ossos extintos num computador e somos capazes de trabalhar com eles”, afirma Lawrence Witmer, paleontólogo da Universidade de Ohio. “Podemos reconstituir pedaços inexistentes… e fazer testes de impacte virtuais e simulações para compreender melhor como estes animais funcionavam na realidade.”
A imagiologia digital também pôs fim a uma cedência do passado: anteriormente, era preciso sacrificar as marcas dos tecidos moles de um fóssil para chegar ao osso. Agora, os investigadores separam virtualmente o osso da rocha. “Isto leva-nos a pensar quanta informação ignorámos ou destruímos”, comenta o ilustrador Mark Witton, da Universidade de Portsmouth. Recentemente, também em Portugal investigadores do CI2Paleo da Sociedade de História Natural (Torres Vedras) e da Universidade de Ultrecht recorreram a tecnologia de nano CTScan para preparar virtualmente um fóssil de um crocodilomorfo do Jurássico Superior. O recurso a esta tecnologia permitiu reconstruir em 3D os ossos invisíveis dentro do sedimento e detectar a forma do sistema trabecular e câmara internas nas vértebras.
Lawrence Witmer utilizou recentemente exames de TAC para mostrar que os principais grupos de dinossauros desenvolveram sistemas especiais de ar condicionado craniano para impedir o sobreaquecimento dos cérebros. Dinossauros couraçados utilizavam as fossas nasais, que evoluíram até se transformarem em condutas para dissipar o calor quando o animal respirava, arrefecendo o sangue destinado ao cérebro. Em contrapartida, grandes predadores como o T. rex ventilavam o excesso de calor através de enormes seios nasais. À semelhança dos foles dos ferreiros, os dinossauros flectiam as mandíbulas para forçarem o ar a entrar e sair das câmaras, levando a humidade a evaporar, eliminando o calor.
Os exames TAC também dão uma ideia de como os dinossauros se movimentavam e a forma como mudavam ao longo do seu crescimento. Recorrendo a vídeos de raios X e animações computorizadas de crocodilos e aves, Ryan Carney, da Universidade do Sul da Florida, construiu modelos 3D que revelaram, em 2016, que o dinossauro emplumado Archaeopteryx terá sido capaz de bater as asas de forma a viabilizar um voo autopropulsionado. Quanto mais aprofundadamente são capazes de observar cada pedacinho de osso, mais pormenores preciosos são descobertos. E isso significa que várias ferramentas foram notavelmente aperfeiçoadas.
No recantonoroeste de Grenoble, em França, sobre um pontão de terra triangular na confluência de dois rios, um anel cinzento com quase 850 metros ergue-se entre o nevoeiro. A estrutura fantasmagórica chama-se Laboratório Europeu de Radiação de Sincrotrão (ESRF), a instituição que, nos últimos anos, se tornou uma verdadeira meca para os paleontólogos, graças ao investigador residente Paul Tafforeau.
O ESRF é um acelerador de partículas que dispara electrões em todas as direcções quase à velocidade da luz. Enquanto o feixe de electrões realiza os seus trajectos, ímanes posicionados ao longo da pista circular condicionam o fluxo de partículas. Esta perturbação obriga as partículas a libertarem alguns dos raios X mais intensos do mundo, frequentemente utilizados pelos investigadores para estudarem novos materiais e medicamentos. Paul Tafforeau especializou-se em utilizar esses raios X para examinar fósseis que escapam ao alcance dos dispositivos normais de TAC, com resoluções inatingíveis por esses dispositivos.
A intensidade do ESRF proporcionou resultados maravilhosos a Dennis Voeten, da Universidade de Uppsala, que o utilizou para fatiar virtualmente fósseis de Archaeopteryx e observar os cortes transversais dos seus ossos de maneira incrivelmente pormenorizada. Como os ossos suportam o esforço do voo, a sua estrutura geométrica pode revelar os estilos de voo dos animais. Embora a anatomia do Archaeopteryx não lhe permitisse um batimento de asa totalmente idêntico ao de uma ave, os cortes transversais dos ossos das suas asas assemelham-se aos dos faisões da actualidade, que irrompem em voos curtos. É uma pista extraordinária sobre a forma como esta criatura com 150 milhões de anos (um fotograma icónico da evolução dos dinossauros até se tornarem aves) se deslocou pelas cadeias de ilhas do Jurássico que, um dia, terão sido a sua casa.
Kimi Chapelle, da Universidade de Witwatersrand, utilizou o laboratório para espreitar o interior de alguns dos mais antigos ovos de dinossauro conhecidos, pertencentes ao herbívoro sul-africano Massospondylus. Os raios X permitiram-lhe reconstituir os crânios embriónicos do interior dos ovos, incluindo os minúsculos dentes que o dinossauro teria perdido, ou reabsorvido, antes de eclodir. Os embriões das osgas modernas também possuem estes protodentes, embora os últimos antepassados comuns às osgas e aos dinossauros tenham vivido há mais de 250 milhões de anos. Graças, em parte, às osgas, Kimi conseguiu descobrir que estes embriões de Massospondylus completaram três quintos do seu processo de incubação antes de morrerem, um vislumbre íntimo de vidas interrompidas há mais de duzentos milhões de anos. “Isso torna-os muito mais reais”, diz.
Todas as primaveras, o Instituto de Paleontologia dos Vertebrados e de Paleoantropologia (IVPP) de Pequim celebra o seu próprio símbolo da natureza efémera da vida, quando um manto de flores de cerejeira e de ameixoeira se estende sobre a capital chinesa.
Contudo, o IVPP é mais uma máquina do tempo do que um parque temático. Desde a década de 1990 que agricultores, investigadores e negociantes de fósseis da província de Liaoning, no Nordeste da China, trazem para o instituto centenas de fósseis que aumentaram o nosso conhecimento sobre a aparência e comportamento dos dinossauros. Muitos conservam vestígios de penas, confirmando que a plumagem se desenvolveu antes de os dinossauros sequer voarem. Alguns fósseis revelam igualmente, de forma dramática, que alguns dinossauros também tentaram desafiar a gravidade.
Poucos dinossauros reflectem melhor este panorama do que os Scansoriopterygidae, um grupo pouco conhecido de dinossauros do Jurássico. Antigamente, alguns cientistas pensavam que esses animais utilizavam dedos de dez centímetros de comprimento para agarrar insectos. Em 2015, porém, investigadores do IVPP revelaram a existência de um membro bizarro deste grupo que os conduziu a um beco sem saída no debate sobre as origens do voo. Ao contrário de outros dinossauros descobertos até à data, o Yi qi possuía asas membranosas, semelhantes às dos morcegos, sustentadas por longos dedos exteriores e esporões ósseos do pulso. “A história é a seguinte: um espécime muito importante … virou de pernas para o ar tudo aquilo que pensávamos saber”, resume Jingmai.
Os fósseis da China, bem como outros provenientes de sítios igualmente importantes em todo o mundo, conservam vestígios de todos os tipos de tecidos. Em 2014, os investigadores anunciaram a descoberta de um espécime de Edmontosaurus regalis, uma espécie da família dos hadrossauros, na região ocidental do Canadá, com uma crista de carne mumificada, como a que se vê num galo. Trata-se de uma estrutura que não se sabia existir num dinossauro, embora a espécie seja conhecida há quase um século. Os fósseis revelaram que estas criaturas utilizavam partes do corpo exageradamente desenvolvidas para atraírem companheiras e disputarem um estatuto social superior, tal como os mamíferos modernos, ou para identificarem indivíduos da sua espécie. Graças ao Edmontosaurus e outros dinossauros com tecidos moles visíveis, os paleontólogos identificam pistas sobre o esplendor destas manifestações.
Em alguns casos, os investigadores conseguem até inferir algumas componentes químicas originais dos animais. Em 2008, cientistas chefiados pelo paleontólogo Jakob Vinther, actualmente na Universidade de Bristol, descobriu que os melanossomas, minúsculos grânulos subcelulares pigmentados por melanina, tinham capacidade para fossilizar. Este achado abriu a porta para um domínio outrora considerado impossível: a descoberta das cores da pele e penas de dinossauros extintos, com base no formato, dimensão e disposição dos seus melanossomas.
Estas reconstituições requerem algumas cautelas: os animais vivos utilizam outros pigmentos além da melanina e é provável que o mesmo acontecesse com alguns dinossauros extintos. Mesmo assim, as descobertas mais recentes têm sido espantosas. O dinossauro emplumado Anchiornis, que outrora habitou no território da actual China, possuía uma crista avermelhada; o primitivo ceratopsiano Psittacosaurus possuía uma pele castanho-avermelhada que contribuía para uma espécie de camuflagem incipiente. Em 2018, uma equipa internacional revelou que as penas do Caihong, um dinossauro que habitou a mesma região do Yi qi, refulgiram outrora com todas as cores do arco-íris.
Ainda há mais moléculas da vida capazes de sobreviver à longa passagem do tempo. Na década de 2000, Mary Schweitzer, paleontóloga da Universidade Estadual da Carolina do Norte, causou sensação ao descobrir que alguns fósseis de dinossauros, incluindo espécimes de T. rex, continham células e vasos sanguíneos preservados e talvez até vestígios de proteínas. Desde então, Mary e um grupo crescente de cientistas têm-se interrogado sobre como foi possível essas substâncias sobreviverem e o que podemos aprender com elas.
No seu laboratório, Jasmina Wiemann, doutoranda em Yale, mostra-me como tritura um pedacinho de osso de Allosaurus para análise. Transfere o pó para um tubo e convida-me a adicionar uma solução ácida, que borbulha e muda de cor. “Faz-me sempre lembrar Coca-Cola”, diz. Ao microscópio, a lama remanescente inclui pedaços esponjosos cor de mogno, pontilhados por rabiscos negros. Não acredito no que vejo. Aquele muco castanho foi outrora um tecido rico em proteínas. E os rabiscos? São os contornos de células ósseas que viveram há mais de 145 milhões de anos num predador de dentes afiados, com dez metros de comprimento, do Jurássico.
Passados milhões de anos, o calor e a pressão transformam, frequentemente, estes tipos de vestígios microscópicos através de reacções químicas. Apesar do seu estado alterado, os materiais contêm pistas preciosas sobre o comportamento dos dinossauros. Num estudo realizado em 2018, Jasmina demonstrou que, quando certas cascas de ovo são bombardeadas com radiação laser, a luz reflectida revela protoporfirina e biliverdina degradadas, compostos que conferem a cor e as pintas aos ovos das aves modernas.
Com base nessa análise, os ovos calcificados do Deinonychus, um parente do Velociraptor, tinham um matiz azul, sugerindo que, à semelhança das aves modernas com ovos similarmente coloridos, estes dinossauros tinham ninhos ao ar livre e criavam os seus filhos. Por outro lado, os embriões fossilizados de Protoceratops descobertos na Mongólia e os embriões de Mussaurus provenientes da Patagónia encontram-se rodeados por aquilo que foi outrora uma casca de ovo com textura de cabedal. Este achado sugere que estes dinossauros não só enterravam os seus ninhos à imagem das modernas tartarugas marinhas, como os ovos dos mais antigos dinossauros eram igualmente moles. Isto modifica a história da evolução dos dinossauros, pois implica que as cascas de ovo duras (presentes em todo o grupo dos Dinosauria) não têm necessariamente uma origem comum. Em vez disso, esta característica evoluiu pelo menos três vezes.
Acima de tudo, os avanços científicos mostram-nos que os dinossauros não eram as ameaças monótonas que, por vezes, são representadas na cultura popular. Os seus dias eram tão ricos e diversificados, passados num frenesi e agitação constantes, como os das aves que vemos através das nossas janelas. E até os maiores e mais malvados T. rex dormiam uma sesta de vez em quando.
Tomo subitamente consciência disso ao deambular pelo laboratório de Bhart-Anjan Bhullar, professor auxiliar em Yale, cujo gabinete atravancado fica no mesmo corredor do de Jasmina Wiemann. Bhart-Anjan poderia trabalhar no departamento de geologia, mas só assistiu a três aulas de geologia em toda a sua vida. Estuda fósseis e embriões de animais vivos para desvendar como os antigos dinossauros se transformaram em aves.
Num estudo de 2012, ele descobriu que, em termos de desenvolvimento, os crânios de aves são variantes, com pequenas alterações, dos crânios dos antigos juvenis de dinossauros: os crânios dos jovens dinossauros tinham ossos mais finos e maior flexibilidade, características aproveitadas pelas aves para desenvolverem bicos. Parte da velha caixa de ferramentas sobreviveu. Bhart-Anjan demonstrou igualmente que, se as principais vias moleculares do bico fossem bloqueadas, os embriões dos pintos poderiam desenvolver bicos semelhantes ao do Archaeopteryx.
Bhart-Anjan encontrou mais exemplos flagrantes da forma como os embriões das aves resumem o essencial da sua própria história evolutiva ao longo de todo o plano corporal. Mostra-me uma imagem microscópica do membro anterior de um embrião de codorniz, que parece exactamente o braço de um raptor, incluindo a sua minúscula pata. “É o Deinonychus! Olhe para isto!”, exclama, enquanto aponta para o computador portátil. Só muito perto do momento da eclosão é que esta forma ancestral é substituída, transformando-se na bem conhecida asa de uma ave.
Muito depois de partir de Yale, essa pequena pata de codorniz continua na minha cabeça. Passados muitos anos a escrever reportagens sobre dinossauros extintos, habituei-me perigosamente a pensar neles no pretérito perfeito. No entanto, eles ainda estão entre nós, como fantasmas, no interior dos ovos das aves que deles descendem.
Os laços entre passado e presente tornam-se mais nítidos em Londres, quando a nossa visita à Ilha dos Dinossauros se aproxima do fim. Embora o mundo dos dinossauros não-avianos tenha chegado ao fim num piscar de olhos, os dinossauros de Crystal Palace enfrentam uma ameaça mais lenta e gradual. As esculturas foram classificadas como património em risco pelo Reino Unido, mas a falta de manutenção abriu fendas em boa parte do seu revestimento exterior descolorado. Em Maio, parte do rosto do Megalosaurus da ilha soltou-se – um dano causado pela degradação ou por vândalos. Estão a ser planeadas medidas de conservação, dirigidas pela Liga de Amigos dos Dinossauros de Crystal Palace.
Perante a evidente necessidade de renovação que nos rodeia, pergunto a Susannah Maidment de que maneira os cientistas de hoje construiriam a sua versão de Crystal Palace Park. Susannah dá-me uma resposta elegante: ela enchê-lo-ia de aves. “Os dinossauros são os vertebrados terrestres mais diversificados que existem actualmente, sabe?” diz. Nesse preciso instante, um bando de gaivotas esvoaça sobre nós e mergulha nas águas mais adiante. “Eles nunca pararam.”