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GOETHE NOS CAMPOS ROMANOS. J. H. W. Tischbein realizou esta pintura em 1787, quando o escritor se encontrava imerso nas suas viagens por Itália. A tela fez furor na Alemanha, onde foram feitas múltiplas cópias, sendo considerada uma das primeiras expressões do arquétipo de artista cosmopolita.

Johann Wolfgang Von Goethe foi um dos impulsores do Romantismo e o génio que tornou possível o florescimento das letras alemãs.

O termo best-seller talvez seja demasiado moderno, mas expressa muito claramente o   grande   sucesso   de A paixão do jovem Werther. Publicado em 1774, o romance rapidamente se tornou um enorme sucesso e o seu autor, Johann Wolfgang von Goethe, num ídolo para a juventude alemã. Por todo o lado, viam-se jovens a envergar colete amarelo com uma jaqueta azul, tal como o protagonista do livro; as raparigas, tal como Lotte, a heroína, adornavam os seus vestidos com laços rosa. A infiuência deste romance não se limitou a questões estéticas, pois houve mesmo quem tenha ousado imitar o trágico destino de Werther, tirando a sua própria vida.

Goethe pôde saborear cedo a doçura do sucesso, graças a este pequeno livro e, para o resto da sua vida, ficaria conhecido como “o autor de Werther”. Mas naquela época era apenas um homem de 25 anos, que tinha ainda muito por viver e muito para escrever; ainda viria a tornar-se o grande apóstolo das letras alemãs.

Desventuras do jovem Goethe

Goethe começava a sua autobiografia explicando como foi o seu nascimento: “Em 28 de Agosto de 1749, ao meio-dia, quando o relógio deu as doze, vim ao mundo em Frankfurt. Os astros eram-me propícios”. Filho de um conselheiro imperial, o rapaz cresceu num ambiente burguês. O seu pai procurou os melhores preceptores para que fizessem de Johann Wolfgang um cavalheiro culto. Este cedo se revelou uma criança esperta e com grandes capacidades, com jeito para as línguas – latim, grego, francês, italiano – e para a retórica, embora detestasse a gramática. Beneficiou também de aulas de música, bem como de divertidas tardes de jogos, patinagem e longos passeios pelo campo. Foi durante esses anos que o precoce Goethe fez do sótão da casa do pai um refúgio onde começou a dar rédea solta à sua criatividade, compondo os primeiros versos e fazendo teatros de marionetas. Goethe fora aprisionado pela musas.

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No entanto, não pôde seguir o seu próprio caminho, mas sim a vontade do pai. Em 1765, chegou a Leipzig, uma cidade então conhecida como a “pequena Paris”, para estudar Direito; mas nascera para se expressar através da pena, escapar à velha ordem e romper com os convencionalismos. Como tal, não é de estranhar que, durante três anos, fosse habitual vê-lo em aulas de Poética ou de Ciências Naturais, ou ainda a ter aulas de desenho. Entregou-se à escrita, embora o seu estilo ainda não estivesse definido e continuasse ligado à tradição. No entanto, a amizade que travou com personalidades da cidade, como o escritor

J.C. Gottsched, fê-lo ver o mundo de uma forma diferente e descobrir, ao mesmo tempo, o seu grande potencial, o seu génio. E, como todos os génios, Goethe também experimentou a sua própria crise existencial – além do próprio desgosto amoroso –; sentia-se perdido numa encruzilhada e achou que ia esmorecer, mas acabou por se recuperar e, uma vez restabelecido, partiu para Estrasburgo para completar os estudos.

Imponente, a Catedral de Estrasburgo apresentava-se perante ele como uma obra sublime, embora inacabada, de um gótico que imediatamente identificou como o estilo nacional alemão. Goethe intuiu então que os alemães, um povo dividido em mil e um estados, poderiam encontrar laços de união numa arte própria, uma linguagem partilhada, valores únicos e séculos de tradição. O filósofo Johann Gottfried von Herder, que conheceu neste período, imediatamente se tornou um grande amigo e mestre, capaz de retirar o melhor de Goethe, que, por seu lado, não tardaria a desencadear o Sturm und Drang (“tempestade e paixão”), o grande movimento literário do pré-romantismo alemão.

Durante todo este período, Goethe não parou de escrever; o seu momento aproximava-se e o seu nome seria rapidamente conhecido pelo grande público. Durante o Verão de 1771, embora fosse já evidente que abandonara a carreira de jurista, o pai obrigou-o a estagiar no Supremo Tribunal Imperial de Wetzlar (Hessen). No entanto, o jovem não se deixou ver por aqueles corredores, antes dedicou-se à escrita e a travar novas amizades com aqueles que partilhavam das suas inquietações.

Por aquela altura, este homem que já partira uns quantos corações e usufruíra intensamente da sua juventude, estava absorto na redacção de A paixão do jovem Werther, o bem-sucedido   texto   que   tantas filias e fobias desencadearia três anos mais tarde.

Em 1773, depois de realizar uma das suas muitas viagens pela Renânia, Goethe conheceu em Frankfurt o jovem duque Karl August von Weimar. Entre ambos nasceu uma grande amizade e, ao fim de algum tempo, o duque convidou o poeta para Weimar.

Em princípio, a visita àquela iluminista corte duraria apenas algumas semanas de 1776, mas, no ano seguinte, Goethe foi nomeado tutor do jovem duque, bem como membro do Conselho Secreto. Arrancava, assim, uma longa carreira como cortesão que o levaria a ocupar toda uma série de cargos importantes até ao fim dos seus dias: conselheiro, comissário de guerra, ministro, director de finanças, de minas e de estradas, director do teatro… Mas Weimar era, naquela época, uma cidade provinciana, fechada e feudal, na qual Goethe rapidamente percebeu a importância de efectuar as reformas necessárias para acabar com as injustiças, melhorar a vida da população e fazer da sua capital um centro da civilização alemã que não passava, de acordo com as suas ideias e por mais surpreendente que possa parecer hoje, pelos ideais burgueses nos quais fora criado, mas sim pelos de uma sociedade nobre, disciplinada... própria dos Estados autocráticos.

Uma vez mais, surgiram nuvens de tempestade sobre o seu espírito insatisfeito, precisava de fugir. Conseguira terminar uma primeira versão da sua grande obra Wilhelm Meister, mas sentia que tinha de ir embora, atravessar os Alpes e descobrir Itália. Na sua primeira viagem à península Itálica, realizada como incógnito, conheceu o seu povo, as suas paisagens, o talento dos seus pintores e o legado de outra época, do mundo clássico.

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O interesse de Goethe pela investigação científica. 

Goethe foi um apaixonado pelas ciências naturais e interes- sou-se por grande número de matérias, como a Anatomia, a Botânica, a Mineralogia, a Meteorologia ou a Óptica. Em 1784, Goethe fez uma grande descoberta científica, mas a sua alegria transformou-se numa terrível decepção quando soube que, pouco antes dele, um cientista francês, Félix Vicq-d’Azyr, também tinha descoberto o osso intermaxilar, que até então se acreditava ser apenas característico dos animais e se esgrimia como prova irrefutável da origem divina do ser humano. Metamorfose de plantas, Metamorfose de animais e Teoria de cores são algumas das obras que mostram que o escritor alemão manteve sempre um grande interesse pela investigação científica. Na ima- gem, gravuras pertencentes à edição de 1810 da Teoria das Cores.

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Quando regressou, além de desistir da maior parte dos seus cargos oficiais – a partir de então passaria a ocupar-se apenas da fiscalização das instituições artísticas e científicas – rompeu a sua relação com Charlotte von Stein e começou uma nova com Christiane Vulpius, com quem acabaria por casar em 1806. A segunda mulher foi a mãe dos seus filhos, mas a primeira fora determinante na vida do poeta durante quase uma década. Uma mulher inteligente, mais velha do que ele e casada, converteu-se numa amiga e protegeu-o das intrigas e da mesquinhez da corte, mas, acima de tudo, protegeu-o de si próprio, do seu carácter vulcânico, do seu espírito inconformado e incontrolável.

No seu percurso como homem da corte, Goethe acompanhou o duque de Weimar durante a primeira guerra contra as tropas francesas (1792-1797), de uma de cujas batalhas, a de Valmy, deu boa conta como espectador. Anos depois, quando questionado sobre esse episódio, Goethe disse que “neste sítio, e a partir deste dia, começou uma nova era na história mundial, e vós podeis dizer que estivestes presentes no momento do seu nascimento”. Algum tempo depois, em 1808, Goethe conheceu um dos seus  maiores  admiradores:  Napoleão. O encontro ocorreu em Erfurt, onde o imperador francês saudou o autor do Werther com as famosas palavras: “Vous êtes un homme!”.

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A CASA DO GÉNIO. A“Sala Juno” é uma das divisões da casa de Goethe em Weimar, hoje convertida em museu. 

No Parnaso alemão

Ao regressar a Weimar, depois da sua primeira viagem a Itália, Goethe encontrou importantes mudanças: O Romantismo acabava de nascer e o seu trono, aquele que conquistara com a ajuda de Werther, fora ocupado por um novo autor, Friedrich Schiller. Os dois escritores não tardaram a conhecer-se e cedo floresceu entre ambos uma intensa e frutífera amizade que durou apenas uma década, pois o autor de Dom Carlos morreu prematuramente em 1805. Durante esses anos, mantiveram uma intensa correspondência e colaboraram em várias publicações, incluindo As horas, uma revista criada por Schiller. Goethe, que naquela época vivia uma das suas etapas mais felizes e produtivas, fez novos amigos nos círculos intelectuais de Jena, onde residia Schiller; entre eles o escritor Friedrich Schlegel e os filósofos Fichte, Hegel e Schelling. Quando Schiller morreu, Goethe confessou ter perdido a “metade da minha existência”. Goethe, que, tal como já se referiu anteriormente, depois daquela primeira viagem a Itália deixara a maior parte dos seus encargos, escreveu, desde então, sem descanso e trabalhou em várias obras ao mesmo tempo, mas entre elas esteve sempre presente o Fausto, cuja primeira parte terminou um quarto de século depois de ter escrito os primeiros rascunhos nos distantes dias em Estrasburgo. O mesmo tempo, separaria a publicação dessa primeira parte (no ano de 1806) da publicação da segunda (em 1831). Desde sempre, Goethe não só deixava amadurecer as suas obras, como também regressava a elas uma e outra vez até por fim as considerar boas, sem se importar com o tempo que levasse. Considerava-se um homem de letras que se devia apenas às suas próprias paixões, aos seus impulsos e à sua liberdade criativa. Embora ao longo dos anos a fera se tenha ido amansando, o Goethe que avançava a caminho da velhice nunca perdeu um pingo do seu génio, pelo contrário, ostentou-o até ao fim da sua vida.

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A medalha realizada por G. Schadow em 1815, em homenagem ao escritor (Museu Bode, Berlim).

Naqueles tempos de plenitude criativa, Goethe terminou a trilogia Wilhelm Meister (1777-1829), paradigma do género didáctico alemão e uma referência para os autores românticos. Publicou ainda As afinidades electivas (1809), Viagem a Itália (1817), Divã do Ocidente e do Oriente (1819), Elegia de Marienbad (1823) e cartas que trocou com Schiller (1824), entre outros textos, além de diversas compilações das suas obras seleccionadas. Prosa, verso e teatro deixaram, no entanto, tempo suficiente para lançar várias revistas e publicações, bem como para a edição dos seus elaborados trabalhos científicos.

Os problemas de saúde, cada vez mais frequentes e de maior gravidade, não o impediram de continuar a viajar – as termas de Karlsbad eram um dos seus destinos favoritos –, conhecer figuras do gabarito  de  Beethoven  e  Mendelssohnn ou acolher em sua casa jovens promessas e literatos consagrados. Mas, Weimar além do lugar onde residia e um autêntico centro cultural da Alemanha, continuava a transformar-se na “Nova Atenas” com a qual sonhara. A manhã do dia 22 de Março de 1832, pouco depois de terminar o Fausto e ditar o seu testamento, o velho Goethe apareceu morto no seu cadeirão, com o coração partido pelo beijo da ceifeira. Tinha 82 anos.

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