O Diamante Hope encontra-se actualmente no Museu de História Natural do Smithsonian Institution, em Washington.
O rasto do lendário Diamante Azul perdeu-se após o seu roubo, em 1792. Hoje, acredita-se que possa ser o Diamante Hope.
Texto: María Pilar Queralt del Hierro
Numa das mais visitadas salas do Museu do Louvre, em Paris, encontra-se exposta a antiga colecção de jóias da Coroa francesa. Rubis, esmeraldas e diamantes rivalizam em beleza com delicadas peças de ourivesaria carregadas de valor histórico. Não obstante, há uma ausência: aquela que foi a peça principal do tesouro real, o Diamante Azul, também denominado Bleu de France (Azul de França), que adornou a insígnia da Ordem do Tosão de Ouro do rei Luís XV.
O Museu do Louvre, guarda a colecção da jóias da Coroa francesa desde finais do século XIX. Na imagem, a Galeria de Apolo, onde se encontram expostas as pedras preciosas.
A história da pedra preciosa começou em 1668, quando Jean-Baptiste Tavernier, um aventureiro e comerciante francês, chegou a Versalhes com uma série de diamantes de grande pureza que adquirira no sultanato de Golconda, na Índia. O maior deles, uma peça de 115 quilates (cerca de 20 gramas) com um delicado tom azulado, chamou imediatamente a atenção de Luís XIV, o Rei Sol. Apesar de os diamantes com cor serem, na altura, considerados impuros, o tamanho e as características da peça transformavam-na numa excepção absoluta. O monarca era um grande perito e conhecia perfeitamente o valor da pedra preciosa, não tendo hesitado em pagar por ela 220.000 libras – equivalente a 150 quilogramas de ouro puro – e acrescentá-la ao chamado “Gabinete de curiosidades” do Castelo de Saint-Germain-en-Laye.
Trazidos da Índia. Aventureiro e comerciante, Jean-Baptiste Tavernier (1605–1689) visitou, por volta de 1660, as lendárias minas de diamantes do sultanato de Golconda, de onde trouxe diversas pedras preciosas – como as que figuram na gravura visível sob estas linhas – para as oferecer a Luís XIV.
A jóia da Coroa
Em 1671, o monarca entregou o diamante ao joalheiro da corte Jean Pittan, que o talhou com a lapidação conhecida como “rosa de Paris” para, posteriormente, o inserir num broche de ouro que o rei usava nas ocasiões mais solenes. Ao herdá-lo, Luís XV deu nova vida à jóia. Nomeado cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro em 1749, o rei quis inserir a pedra preciosa na insígnia da instituição. O trabalho ficou a cargo do joalheiro Pierre-André Jacquemin, que concebeu um complexo desenho com topázios, rubis e outras pedras preciosas, presididas pelo diamante, do qual pendia um velo – símbolo da Ordem – coberto de diamantes. Por morte do soberano, o espectacular conjunto foi adicionado à colecção de jóias do seu sucessor, o rei Luís XVI, e da sua mulher Maria Antonieta.
Reis coleccionadores. A colecção de jóias da Coroa foi criada em 1530 por Francisco I, que determinou que as jóias dos reis de França formassem um fundo inalienável do tesouro real. Embora muitas peças fossem vendidas para custear as guerras de religião, a colecção cresceu notavelmente durante o reinado de Luís XIV. Na imagem Luís XV com o tosão de ouro ao pescoço. Imagem: Palácio de Versalhes, Blot / Rmn-Grand Palais
Após o início da Revolução Francesa, todas as jóias reais foram transferidas de Versalhes para Garde-Meuble, o depósito dos bens da realeza, no Hôtel de la Marine, um edifício nas proximidades da actual Praça da Concórdia.
Assalto ao tesouro real
O responsável pela transferência das jóias da Coroa foi um antigo camareiro do rei, Thierry Ville-d’Avray, imediatamente nomeado intendente do Garde-Meuble. No entanto, o rápido enriquecimento deste funcionário levantou suspeitas sobre o seus actos de gestão, razão pela qual a Assembleia Constituinte decidiu proceder a um inventário das peças guardadas. Descobriu-se então que Ville-d’Avray desviara nove cofres com jóias e pedras preciosas do guarda-jóias real, guardando-os em sua casa.
Nunca se soube para que fim: financiar os realistas, sustentar as tropas revolucionárias ou, simplesmente, por ganância.
Paris em chamas. Esta gravura reproduz os massacres de Setembro de 1792, quando a Revolução mergulhou no caos.
Ville-d’Avray foi detido e encarcerado na prisão de L’Abbaye, onde morreu pouco depois, enquanto as jóias eram reintegradas no Garde-Meuble. Ali permaneceram até 11 de Setembro de 1792, quando um grupo de desconhecidos iludiu a Guarda Nacional, arrombou as portas traseiras do edifício, entrou e roubou o tesouro real.
Em 1812, um joalheiro de Londres possuía um diamante azul cuja origem ninguém conseguia determinar. Na imagem, Thierry de Ville-D’avray, Intendente do Garde-Meuble. Palácio De Versalhes, Fouin / Rmn-Grand Palais
Os ladrões repetiram a operação várias noites consecutivas, assenhoreando-se assim de nove mil jóias, que incluíam a espada cravejada de brilhantes de Luís XVI, a chapelle do cardeal Richelieu e pedras preciosas como o diamante Sancy, de 55 quilates, ou o Régent, de 140, além do espectacular Diamante Azul.
Ladrões assaltaram o edifício das jóias e retiraram nove mil pedras preciosas. Na imagem, o Régent, um dos diamantes recuperados após o roubo. Museu Do Louvre, Paris, S. Maréchalle / Rmn-Grand Palais
Suspeitas
O assalto pareceu mais uma das manifestações da Paris revolucionária. No entanto, é legítimo perguntar se não terá havido outra pessoa interessada em provocá-lo. No campo de batalha, as vitórias dos aliados faziam temer o fracasso das tropas francesas e, comele, o fimda Revolução. Noentanto, poucos dias após o roubo, o exército francês venceu os prussianos chefiados pelo duque de Brunswick na batalha de Valmy. Como foi possível a derrota daquele que se presumia ser um dos melhores contingentes militares da época, armado com a tecnologia militar mais moderna da época? Terá o tesouro real, ou uma parte deste, entretanto recuperada pela Guarda Nacional, servido para comprar o favor de Brunswick?
Surpreendentemente, o novo responsável pela segurança do Garde-Meuble, Jean-Bernard Restout, que vivia num edifício anexo, não avisou ninguém do assalto até a Guarda Nacional dar notícia deste, passados vários dias. Os principais responsáveis pelo roubo foram detidos pouco depois, mas o julgamento generoso questionável faz suspeitar o roubo terá sido uma manobra para angariar funpara financiar a guerra.
O Hôtel de la Marine, na actual Praça da Concórdia em Paris, acolhe desde 1772 o Garde-Meuble real, ou seja, o mobiliário e decorações utilizados nas residências reais.
Nesse sentido, falou-se durante anos sobre a suposvisita de um enviado de nton a Brunswick, ledo a sua preciosa carga.
Independentemente do sucedido, parte do saque foi rapidamente recuperada. As peças mais importantes foram encontradas entre 1793 e o início do Império, em circunstâncias surpreendentes: por exemplo, o diamante Régent apareceu num humilde celeiro de Paris. Mas faltava o valioso Diamante Azul.
Investigações posteriores parecem dar por garantido que esta pedra preciosa permaneceu nas mãos de um cadete chamado Guillot, que esteve presente no assalto ao Garde-Meuble. Guillot fugiu para Inglaterra e foi preso quando tentou vender a jóia, em 1796. A partir desse momento, nada mais se soube sobre o diamante.
Aparição suspeita
Vinte anos mais tarde, em 1812, quando as acusações já tinham prescrito, um diamante azul de 45,5 quilates e forma oval, cuja origem ninguém conseguia determinar, surgiu na posse de um negociante de diamantes londrino chamado Daniel Eliason. A peça foi imediatamente comprada pelo banqueiro e coleccionador Thomas Hope, que deu o seu nome ao “novo” diamante.
Os seus donos ostentaram-no frequentemente e não viram qualquer inconveniente em mostrá-lo na Grande Exposição Universal de Londres de 1851, bem como na Exposição Universal de Paris de 1855. Foi então que um gemólogo da capital francesa chamado Charles Barbot relacionou, pela primeira vez, o Hope com a valiosa pedra preciosa desaparecida do Tosão de Luís XV.
A peça permaneceu em posse de Hope até 1896, quando o banco com o seu nome declarou falência. Seguiu-se uma imparável sucessão de leilões e diversos proprietários até que, em 1901, o diamante foi adquirido pelo diamantista norte-americano Simon Frankel, que o levou consigo para Nova Iorque. Voltou a ser leiloado em diversas ocasiões e acabou nas mãos do coleccionador nova-iorquino Harry Winston, que, em 1958, o doou ao Museu de História Natural do Smithsonian Institution de Washington, onde permanece até hoje.
Uma nova pista
Sem mais provas a não ser a obscura origem do Hope, as suspeitas que o vinculavam ao Diamante Azul não passaram de meras especulações até ao século XXI. Em 2007, o prestigiado mineralogista francês François Farges, na altura encarregado da colecção de mineralogia e gemologia do Museu de História Natural de Paris, descobriu um molde de chumbo do Diamante Azul que ficara esquecido nos armazéns da instituição. Segundo o professor, ao sobrepô-lo, o Hope encaixa perfeitamente no molde do brilhante, suspenso no colar do Tosão. Os ladrões haviam lapidado a pedra de Luís XIV, que tinha uma forma triangular, para lhe dar uma forma oval.
O Tosão de Ouro de Luís XV. Em 2010, foi apresentada ao público uma réplica exacta do Tosão de Ouro de Luís XV, criada pelo joalheiro suíço Herbert Horovitz a partir de um gouache do século XVIII que reproduzia, ao pormenor, o trabalho dos ourives que compuseram a peça original. O enorme Diamante Azul perdido após o roubo foi substituído por um zircónio. 1. A cauda e as asas do dragão são compostas por dezenas de brilhantes em torno do Bazu. 2. Bazu. Diamante de 32 quilates adquirido por Luís XIV, perdido, tal como o Bleu de France, após o roubo. 3. Côte de Bretagne. Espinela cortada em forma de dragão, da colecção original de Francisco I. 4. Topázios. Três safiras orientais de cor amarela completavam o conjunto de pedras preciosas. 5. As chamas exaladas pelo dragão são diamantes pintados de vermelho; estão rodeadas por quatro diamantes. 6. Diamante Azul. Esta jóia está aqui representada com o aspecto que tinha originalmente. 7. Velo. Símbolo da ordem, decorado com uma centena de pequenos diamantes pintados de amarelo. Fotografia: Manuel Cohen / Aurimages
Três anos após a descoberta, Farges e o joalheiro genebrino Herbert Horovitz apresentaram uma réplica do Tosão de Ouro, cuja peça central identificava o Diamante Azul, lapidado no século XVIII, como a gema da qual nascera o Hope.
Assim se desvendava a história de um diamante único que, durante dois séculos, permanecera afastada da memória colectiva.