Hernán Cortés manteve relações românticas com várias indígenas. Nesta litografia do francês Nicolas Maurin, o chefe Zingari apresenta a sua irmã, Aída, a Cortés. Fotografia: Erich Lessing / Album
O conquistador foi acusado pelos seus inimigos de ter assassinado a sua primeira mulher, Catalina Suárez, em 1522.
Texto: José Mª González Ochoa
Catalina Suárez era imã de um nobre de Ávila, Juan Suárez de Peralta, que chegou a La Hispaniola em 1502 e, anos mais tarde, mandou trazer a sua família para a ilha. Catalina deve ter-se juntado ao irmão em 1509, integrando a corte que acompanhava Maria de Toledo, esposa do governador Diego Colombo, irmão do descobridor da América. Três anos depois, Catalina partiu com Juan para Cuba, ilha recém-conquistada. Ali conheceu um fidalgo estremenho de 27 anos, Hernán Cortés, o qual, uma vez subjugada a ilha, ali adquiriu uma fazenda e trabalhava como escrivão. As relações entre Cortés e a família Suárez (apelido que aparece escrito como Juárez e Xuárez em diferentes documentos da época) foram muito próximas e partilharam negócios e vicissitudes, até Cortés se casar com Catalina em 1514.
Catalina era asmática e tímida e foi certamente infeliz no seu casamento. A viagem de Cuba para o México prejudicou-lhe a saúde e nunca se sentiu bem ali. Cortés descreve-a como uma mulher “nem industriosa nem diligente para perceber a sua fazenda, nem de governá-la ou multiplicá-la, dentro de casa ou fora desta. Era uma mulher delicada e enferma”. Catalina Suárez numa gravura do Século XIX.
Segundo o historiador mexicano Juan Miralles, na sua recente biografia do conquistador, Cortés seduziu Catalina Suárez por mera diversão e sem qualquer intenção, a não ser o galanteio e a paixão sexual, sendo forçado a casar-se pelas pressões do seu futuro cunhado Juan e do governador de Cuba, Diego Velázquez, que na altura tinha como amante uma irmã de Catalina. As crónicas de Bernal Díaz del Castillo e Bartolomé de las Casas não desmentem a versão de uma certa resistência ao casamento, mas ambas apresentam um casal apaixonado e com uma vida conjugal feliz, até Cortés partir para o México em 1519, à conquista do império azteca.
O conquistador deixou Juan Suárez encarregado de todos os seus negócios e da sua fazenda na ilha, pedindo-lhe que vendesse os seus bens para saldar as dívidas que contraíra na armação da frota que o levaria ao México. Feito isto, Suárez organizou uma armada com o resto do dinheiro e partiu com ela em auxílio de Cortés. Ele mesmo capitaneava o navio que desembarcou no México na véspera da famosa Triste Noite, 30 de Junho de 1520.
A amante índia
No México, Hernán Cortés vivia com Malinche, uma jovem indígena que fora entregue ao espanhol como presente em 1519 e lhe serviu de guia e intérprete durante muitos anos.
Hernán Cortés reconheceu onze filhos de seis mulheres, quatro dos quais de mães índias, entre elas Malinche (na imagem) e a princesa Tecuichpo. Teve sete filhos de mulheres: um de Elvira Hermosillo, enquanto ainda estava de luto por Catalina, e seis de Juana Ramírez de Arellano, a segunda esposa, que os teve enquanto suportava as infidelidades do marido.
Apesar disso, foi o próprio Cortés que, uma vez concluída a conquista do território mexicano, pediu a Juan Suárez para ir buscar a sua irmã a Cuba e trazê-la para o México. Catalina desembarcou a sul da província de Vera Cruz e chegou a sua casa após uma viagem de seiscentos quilómetros, enquanto Malinche (que fora baptizada com o nome de Marina) dava à luz Martín Cortés, o primeiro filho varão do conquistador.
Apesar dos ciúmes e do engano, Catalina, seguramente cega pelo poder e a riqueza adquiridos pelo marido no México, aceitou recomeçar a sua vida matrimonial em Coyoacán, a partir de onde Cortés governava o território a que se chamou Nova Espanha. Pouco depois do nascimento do seu filho, Hernán Cortés abandonou Malinche, que acabou por se casar com um tenente do conquistador.
Catalina Suárez era uma mulher de saúde débil e a sua asma e problemas congénitos — duas irmãs suas tambémmorreramde forma súbita — não combinavam bem com a altitude e a secura do México e isso tornou-se evidente na sua nova casa. Vários cronistas relatam alguns desmaios de Catalina na América. Três meses após o reencontro do casal no México, na noite de 1 de Novembro de 1522, Cortés deu uma festa na sua casa de Coyoacán. Depois do baile, Catalina sentiu-se indisposta e foi-se deitar. Tivera uma discussão com o marido sobre os índios ao seu serviço. Algumas horas mais tarde foi encontrada morta na cama.
Hernán Cortés atribuiu a morte da esposa aos seus problemas de saúde e assim ficou registada a versão oficial. Em seguida, porém, começaram as especulações que o tornavam responsável por um uxoricídio. As declarações de algumas camareiras de Catalina, que disseram ter visto hematomas na garganta da sua senhora, alimentaram as suspeitas relativamente a Cortés. Esta versão foi desmentida pela dama de confiança de Catalina, Juana López. Os cronistas e algumas testemunhas da época comentaram que Hernán Cortés se apressou a enterrar o cadáver, sem sequer esperar que os familiares o vissem pela última vez.
A residência de Hernán Cortés em Coyoacán. Foi nesta casa que Catalina Suárez morreu, durante o sono, após uma festa dada em sua homenagem.
Em defesa do estremenho, convém recordar que as relações entre a família do conquistador e a de sua esposa foram cordiais e fluidas na década após a morte de Catalina. Juan Suárez foi capitão da confiança de Cortés e participou activamente na pacificação de Michoacán, Jalisco e Oaxaca, recebendo em compensação um conjunto de servos nativos designado por encomienda. Participaram juntos na conquista de Pánuco, e Juan foi depois destacado pelo “seu tenente e capitão para a descoberta da costa do Mar do Sul até Soconuzco”.
Além disso, os numerosos sobrinhos de Catalina nunca levantaram qualquer recriminação contra Cortés e sentiam verdadeira admiração pelo conquistador. A saúde precária de Catalina Suárez e os desmaios que sofreu, tanto em Cuba como no México, também ilibariam Cortés de qualquer ligação com a sua morte.
Cortés manteve uma boa relação com Juan Suárez, mesmo depois da morte da sua irmã Catalina. Pormenor de um fresco do Castelo de Miramare, em Trieste. Dea / Album
Os cronistas da conquista do México relatam o incidente como uma morte súbita. O cronista Bernal Díaz del Castillo comentou superficialmente o tema, escrevendo apenas que morreu de asma e esclarecendo: “Porque nada mais sei sobre isto, além do que disse, não tocaremos nesta tecla.”
Denúncia de Cortés
Anos mais tarde, a mãe de Suárez acusou Cortés da morte da sua filha, mas o inquérito judicial acabou por ser arquivado. A agitada vida sexual de Cortés, que voltou a casar-se e transformou a sua casa de Cuernavaca em algo parecido com um harém, continuou a avivar as suspeitas daqueles que o acusavam de acreditar que uma simples donzela da corte como Catalina não chegava para quem derrotara o poderoso império azteca. Supunham que Cortés queria alguém de maior nobreza. A merecida fama de mulherengo do viúvo também não contribuiu para apagar estes boatos, bem como o facto de omitir o incidente nas cartas de relação e os relatórios periódicos que enviava ao imperador.
O processo, o inquérito e o julgamento. Em Julho de 1529, depois de Cortés ser afasta- do do poder e enquanto a Audiência do México instaurava numerosos processos judiciais contra ele, a mãe de Catalina, Maria Marcaida, interpôs duas acções judiciais contra o estremenho. Numa delas, acusava-o do homicídio da filha e noutra exigia-lhe os bens adquiridos do casal. O processo não avançou e foi encerrado sem condenação ao fim de poucos meses. As declarações de muitas testemunhas foram contraditórias e confusas. Quanto à herança de Catalina, Cortés pagou aos seus herdeiros uma indemnização. A sombra do assassínio perseguiu o conquistador durante a auditoria do seu juízo de residência – que avaliava a gestão dos cargos da Coroa na América – até que, em 1545, o processo foi definitivamente encerrado. Imagem: Cortés durante o processo contra ele instaurado pela morte da sua esposa. Reprodução do século XIX.
Certo é que as invejas e traições suportadas por Cortés ao ser afastado do poder em Nova Espanha alimentaram as suspeitas e deram crédito a todo o tipo de especulação inventada pelos seus inimigos. Mais tarde, grande parte da historiografia do século XIX, empenhada em apresentar uma imagem negativa do estremenho, acusou-o abertamente de ter assassinado a mulher, como mais um dos actos de crueldade que marcaram a conquista do México. Com toda a documentação de que hoje dispomos, é difícil acusar Cortés de assassínio, mas as dúvidas persistem.