Tanto quanto se consegue saber pelo estudo das inscrições, este santuário foi patrocinado por Caius Calpurnius Rufinus, cidadão romano talvez proveniente da Ásia Menor, de onde teria trazido o culto de Serápis.
O santuário de Panóias é um lugar único. Pistas gravadas na rocha levantam um pouco do véu sobre um dos segredos mais bem guardados da Antiguidade: os cultos mistéricos.
Texto: Maria João Santos
A menos de sete quilómetros de Vila Real, Panóias nunca foi alvo de uma escavação arqueológica, mas os vestígios visíveis indicam que faziam parte deste santuário três pequenos edifícios de culto, aos quais se acedia através de escadas talhadas na rocha. Cada um destes templetes (ou aedes) encerravam no interior várias cavidades e pias, também abertas na rocha e com fins cultuais: umas para receber o sangue dos sacrifícios; outras para lustrações.




Em 1959, Miguel Torga escreveu: “Há em Panóias, nos meus sítios, um grande santuário pagão que a sombra das carvalheiras cobre de melancolia. Formado por toscos altares cavados no granito, a credulidade dos nossos antepassados acalmava ali, sacrificando rezes, a fúria dos deuses de então. No sopé de algumas dessas aras de sangue e de esperança, que visito ritualmente sempre que posso, vêem-se ainda inscrições votivas.”
No exterior, situavam-se outras cavidades, destinadas à cremação dos animais oferecidos em sacrifício, nalgumas das quais ainda se podem reconhecer os encaixes para a colocação de grelhas. Todo o conjunto conformaria um percurso ritual, como sugerem as inscrições que se associam a algumas destas cavidades.
Trata-se de um dos dois únicos santuários de cultos orientais na Península Ibérica e em todo o Ocidente do Império Romano e o único em que se conservam, gravadas na rocha, parte das suas instalações cultuais e, sobretudo, um importante conjunto de epígrafes com instruções litúrgicas, onde se alude aos mistérios dedicados ao deus Serápis por Caius Calpurnius Rufinus, funcionário imperial destacado na região. As inscrições existentes encontram-se desgastadas e a sua leitura é difícil ou mesmo impossível em alguns segmentos. Em 2014, a aplicação do Modelo de Resíduo Morfológico (MRM) permitiu restituir partes da gravação erodida a partir de microtraços invisíveis a olho nu, sendo possível completar as interpretações anteriores: descobriu-se que Panóias era dedicado não apenas a Serápis, mas também a Ísis, constituindo, assim, um verdadeiro santuário dos ritos mistéricos. O culto egípcio de Serápis e Ísis tornou-se popular no Ocidente entre os séculos II e III. A descrição mais completa do acto principal dos mistérios está no Burro de Ouro de Apuleio, em que Lúcio descreve como “estava quase morto, tocavam os meus pés o umbral de Prosérpina; à meia noite, vi o sol brilhar, estive com os deuses do inferno e os deuses celestiais, vi-os cara a cara. Isto é tudo o que posso contar”.
É possível que as enormes cavidades abertas na rocha mais alta do recinto estivessem relacionadas com um rito iniciático que permitisse passar esse umbral. Esse é um dos mistérios de Panóias.
Santuário de Panóias
Lugar do Assento, Vila Real
Horário: 10h – 12h / 14h – 16h30 (4.ª feira a domingo). 14h – 16h30 (3.ª feira)
Contacto: Tlf.: 259336322