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Em Jebel Barkal, condutores de camelos sudaneses passam junto dos túmulos de reis e rainhas núbios, com dois mil anos. Os reis núbios governaram o Egipto durante cerca de 75 anos, reunificando o país e construindo um império.

Num capítulo da história muito ignorado, os reis de uma terra a sul conquistaram o Egipto e mantiveram vivas as antigas tradições de sepultamento do país.

Texto: Andrew Lawler

Em 730a.C., um homem chamado Pié decidiu que a única forma de salvar o Egipto de si próprio era invadi-lo. A magnífica civilização que construíra as Pirâmides de Guiza perdera o rumo, dilacerada por senhores da guerra mesquinhos. Durante duas décadas, Pié governara o seu próprio reino da Núbia, uma faixa de África actualm nte ocupada sobretudo pelo território do Sudão. No entanto, considerava-se herdeiro legítimo das tradições praticadas pelos grandes faraós.

Após uma campanha de um ano, todos os líderes do Egipto tinham capitulado. Em troca das suas vidas, os derrotados pediram a Pié que prestasse culto nos seus templos, ficasse com as suas melhores jóias e reclamasse os melhores cavalos. Pié anuiu e tornou-se o senhor do Alto e do Médio Egipto.

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Com 5,3 centímetros de altura, este amuleto encontrado no túmulo de uma rainha kushita é encimado por uma cabeça dourada da deusa egípcia Hathor.

Reinou durante décadas e, quando morreu, os súbditos de Pié honraram os seus desejos, enterrando-o numa pirâmide ao estilo egípcio num local hoje conhecido como El Kurru. Nenhum faraó era sepultado de tal forma nos cinco séculos precedentes. Pié foi o primeiro dos chamados Faraós Negros, os governantes núbios da XXV dinastia do Egipto. Ao longo de 75 anos, esses reis reunificaram um Egipto despedaçado e criaram um império que se estendia da fronteira meridional, na actual Cartum, até ao Mediterrâneo, a norte.

Até ao passado recente, o seu capítulo da história esteve praticamente por contar. “Da primeira vez que vim ao Sudão, disseram-me que estava louco e que não havia história ali para encontrar”, conta o arqueólogo suíço Charles Bonnet. No entanto, ele e outros investigadores contemporâneos estão agora a revelar a rica história de uma cultura longamente ignorada. Os arqueólogos reconheceram que os faraós negros não surgiram do nada. Emergiram de uma robusta civilização africana, numa terra a que os egípcios chamavam Kush, e floresceu na margem sul do Nilo desde a primeira dinastia egípcia, por volta de 3000 a.C.

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Hábeis ourives criaram obras-primas como este pendente, representando a deusa Ísis, que se encontrava sobre a múmia de um rei núbio sepultado em Nuri.

Os egípcios não gostavam do vizinho austral, sobretudo porque dependiam das minas de ouro da Núbia para financiar o seu domínio sobre a Ásia Ocidental. Por isso, os faraós da XVIII dinastia (1539 – 1292 a.C.) enviaram exércitos para a conquista da Núbia e construíram guarnições ao longo do Nilo. Subjugada, a elite núbia começou a adoptar os costumes culturais e espirituais do Egipto, adorando deuses egípcios, exprimindo-se no idioma egípcio e adoptando estilos funerários egípcios.

Podemos afirmar que os núbios foram o primeiro povo afectado pela “egiptomania”. Sem sequer entrarem no Egipto, preservaram as tradições egípcias e recuperaram a pirâmide (momento funerário abandonado pelos egípcios séculos antes) como túmulo real. Nas palavras do arqueólogo Timothy Kendall, os núbios “tornaram-se mais católicos do que o papa”.

No século VII a.C., os assírios invadiram o Egipto vindos de norte. Os núbios retiraram-se para a sua terra natal, mas continuaram a assinalar os seus túmulos reais com pirâmides, marcando lugares como El Kurru, Nuri e Meroé com os perfis característicos da sua interpretação dos antigos monumentos egípcios. À semelhança dos seus mentores, os reis kushitas encheram as suas câmaras funerárias com tesouros e decoraram-nas com imagens que garantissem a riqueza na vida no Além. Pouco se sabia sobre estes reis até George Reisner, um egiptólogo de Harvard, chegar ao Sudão no início do século XX. Reisner encontrou os túmulos de cinco faraós núbios do Egipto e de muitos dos seus sucessores. Estes achados, e as investigações posteriores, resgataram da obscuridade a primeira grande civilização da África subsaariana.

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