Ensaio fotográfico: a pandemia no interior do Norte de Portugal
16 de Fevereiro de 2022
A National Geographic atribuiu à fotógrafa portuguesa Violeta Santos Moura uma bolsa ao abrigo do projecto internacional “Covid Fund” para cobertura jornalística das repercussões da pandemia em vários países do mundo.
Enquanto Portugal luta contra as ondas sucessivas da pandemia, o despovoamento do interior rural mantém os idosos relativamente seguros do vírus, contribuindo, no entanto, para destacar problemas de longa data.
Texto e Fotografias: Violeta Santos Moura
No início da pandemia, os números de infecção por coronavírus (COVID-19) eram quase inexistentes nas áreas do interior do Norte de Portugal, fazendo com que o vírus parecesse um perigo distante. Mas, a partir de Outubro de 2020, o vírus começou a aproximar-se das pequenas aldeias e o que se tornaria a segunda onda da pandemia no país trouxe consigo o inevitável para essas áreas remotas: infecções crescentes, confinamento, medo.
A chegada tardia do vírus e a sua propagação intermitente nessas áreas, o que provavelmente salvou muitas vidas, é, na verdade, consequência de problemas de longa data que assolam essas comunidades isoladas. Embora algumas das razões para esta propagação mais lenta e esparsa do vírus possam ser atribuídas a medidas implementadas pelo governo e autoridades locais, outras razões, alheias ao seu controlo, revelaram-se decisivas para proteger as comunidades mais vulneráveis no interior de Portugal.
Distanciamento, pobreza, baixas taxas de natalidade, envelhecimento da população, emigração para as zonas costeiras do país e para o estrangeiro mantiveram estas aldeias e seus habitantes, na sua maioria idosos - relativamente isolados do vírus, mas também, em certa medida, do seu desenvolvimento económico.Portugal está entre os cinco países com as populações mais idosas do mundo, juntamente com a Itália, Japão e Alemanha ou Finlândia.
Aldeias isoladas, cada vez mais pequenas, com menos de cinco e até mesmo dois ou um único habitante, com casas em ruínas, sem jovens e escolas abandonadas são uma característica comum desta zona de Portugal. Algumas destas aldeias fantasmas estão paradas no tempo e em tal isolamento que as forças policiais têm, entre outras tarefas, visitar regularmente os residentes e certificar-se de que permanecem seguros. É esse isolamento extremo que manteve o interior rural, com sua população envelhecida - um grupo de risco de Coronavírus - a salvo de grandes surtos que, na sua maioria, afetou as grandes cidades e capitais de distrito.
Este ensaio fotográfico lança luz sobre como as medidas de contenção COVID-19, projetadas principalmente para centros urbanos, afectaram comunidades rurais remotas, confinadas em Trás-os-Montes e Alto Douro. Também revela como a pandemia, agravada por condições de vida dificeis, tem impacto nesta população. O que mudou? Como os confinamentos afetam as ligações sociais e económicas frágeis? A pandemia representa um agravamento da desertificação das aldeias num mundo rural com caractristicas únicas? Os esforços de vacinação chegaram a tempo para os mais idosos, às vezes únicos habitantes de aldeias centenárias e últimos conhecedores de tradições antigas?
Estas e muitas outras perguntas são respondidas em seis capítulos:
Capítulo I: Perigo de extinção
Muitas aldeias do interior de Portugal estão em vias de uma lenta extinção, à espera que os últimos habitantes se mudem ou morram e a sua história desapareça no esquecimento. Para essas comunidades, o isolamento não é nenhuma novidade, a vida é basicamente como era antes do Covid 19, talvez um pouco mais solitária.... Como é o dia a dia nestas zonas mais remotas e isoladas do país? A imagens que se seguem procuram responder a algumas destas questões.
Ver galeria
18Fotos
Uma máscara pendurada entre objetos domésticos na parede da casa de Cândida Lima, 84 anos, e seu filho Fernando Pires, 44 anos, dois dos últimos sete habitantes de uma aldeia na zona de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Cândida é considerada uma guardiã da memória coletiva local e uma acarinhada contadora de histórias com profundo, e agora raro, conhecimento da região e sua história: a história de cada casa, cada ruína e as famílias que nelas viveram está tão presente para ela como sempre. Cândida gosta muito de contar as lendas e a história ligada à região que envolve a sua aldeia.
Apesar de a casa ter fogão a gás e viver confortavelmente graças à sua pensão e à ajuda dos filhos emigrados, Cândida prefere cozinhar à maneira tradicional, aproveitando a sempre presente fogueira tradicional colocada sobre uma laje de pedra para aquecer a sala onde os dois passam a maior parte de suas noites.
Depois de Fernando ter sido afectado por uma doença súbita e confrontado com a necessidade crescente de apoio por motivos de saúde, ambos deixaram a sua aldeia ancestral e a sua casa no Norte para se mudar para o Algarve, para morarem com um dos outros filhos de Cândida. A aldeia fica agora com cinco habitantes, a maioria idosos.
Os dois últimos habitantes da sua aldeia, Manuel Fortuna e Rosalina Ramos, em 2016, ambos com 76 anos, posam para uma fotografia à porta de casa, rodeados pelos seus cães.
Manuel Fortuna, 83 anos, num quarto onde viveram os seus seis filhos, durante uma visita para verificar a casa e os seus pertences.
A sua casa foi arrombada e assaltada durante sua ausência, depois de se ter mudado para a casa de uma filha a 15 km de distância.
Manuel Fortuna e a mulher, Rosalina Ramos, ambos de 83 anos, durante uma visita a Rosalina Ramos num lar de idosos, onde esta vive. Diante das notícias recorrentes de lares de idosos sendo atingidos por surtos de Covid-19 em todo o país, a nova situação de Rosalina tornou-se fonte de preocupação e ansiedade para Manuel. Ele acredita que a sua esposa corre um risco maior de ser infectada e que estaria mais protegida na aldeia, onde o isolamento ofereceria melhor proteção contra o vírus.
Uma caixa de máscaras (à direita) colocada sobre um pequeno santuário na casa de Irene Pereira, 69 anos, que, com o marido Libório Carvalho, 81 anos, são os dois últimos habitantes de sua aldeia localizada na zona do Barroso.
Uma cruz na janela da sala de estar de Irene Pereira.
Irene Pereira, 69 anos, que, com o marido Libório Carvalho, 81 anos, são os dois últimos habitantes da sua aldeia na região do Barroso. Apesar do isolamento, Irene adoeceu com o coronavírus em Dezembro de 2020 numa das suas raras incursões a uma área mais populosa. Enquanto o marido Libório não apresentava sintomas, o vírus afetou fortemente uma outrora alegre Irene que, sete meses depois de estar gravemente doente, ainda está a ser tratada para a depressão relacionada ao COVID-19.
Irene Pereira, na sua sala de estar onde passa o seu tempo entre as refeições, assistindo televisão, rezando e escrevendo no seu diário.
Irene Pereira e Libório Carvalho, no reflexo de um espelho enquanto se preparam para deixar sua casa e assistir à missa na vila vizinha.
A estrada que leva à aldeia na zona do Barroso, habitada apenas por um homem.
Algumas cabras param para beber enquanto um pastor (à direita) vigia o rebanho que chega a uma aldeia habitada por apenas um homem que o deixa guardar o rebanho nas ruínas da aldeia durante a noite. A aldeia, que só ficou ligada à rede elétrica em 2009, foi gradualmente abandonada até restar apenas um homem. Os poucos visitantes regulares desta aldeia de montanha são pastores de outra aldeia mais populosa que mantêm o seu rebanho de cabras nas suas ruínas, a salvo das intempéries e dos predadores durante a noite.
José Ferreira, 51 anos, o último habitante da sua aldeia em frente às ruínas da casa de um vizinho.
Terreno agrícola na região do Barroso.
Aspecto da pequena aldeia.
Capítulo II: O começo
Os primeiros dias e meses de pandemia no interior norte de Trás-os-Montes e Alto Douro foram marcados principalmente pelas notícias de surtos nas capitais de distrito e municípios. Posteriormente, começaram a também a aparecer surtos em casas de repouso, centros de dia e centros de apoio à terceira idade, aumentando a apreensão dos idosos destas zonas.
Ver galeria
8Fotos
A mensagem “fique em casa” na estrada entre Porto e Vila Real, nas primeiras semanas da pandemia.
Dois policias direcionam o tráfego enquanto um autocarro aguarda para evacuar os moradores do Lar de Idosos Nossa Senhora das Dores onde foi detectado um dos primeiros surtos.
Elementos da protecção civil desinfectam as ruas à volta do Lar Nossa Senhora das Dores.
Isolamento numa sala de pressão negativa no hospital público de Vila Real.
Os serviços de missa que marcam o feriado religioso local dedicado a “Nosso Senhor dos Aflitos” na Torre do Pinhão, com a pandemia muitos dos sermões são dedicados a sensibilizar para medidas de prevenção.
Fiéis assistem a uma missa que marca o feriado religioso dedicado a “Nossa Senhora dos Remédios” no Couto de Dornelas.
Adelaide Sanches, 99 anos, segura uma máscara protetora nas mãos após a missa
Adelaide Sanches, através de uma janela da sua casa durante o isolamento após testar positivo. Toda a aldeia estava ansiosa por celebrar o seu aniversário de 100 anos. Porém, com as restrições, a celebração teve de ser cancelada. Para alívio de todos, ela não desenvolveu sintomas e por isso parentes e vizinhos mantiveram o seu diagnóstico em segredo com medo de complicações relacionadas com stress. Toda a família de Adelaide se isolou com ela. No entanto, meses após sua recuperação, Adelaide diz ter a certeza de que teve o vírus.
Capítulo III: Proteger os mais vulneráveis
A pandemia COVID-19 deu azo a novos métodos de burla, com muitos casos relatados de venda de supostas curas e falsas vacinas para o vírus ou de indivíduos fazendo-se passar por profissionais de saúde com o intuito de roubar os habitantes mais isolados.
Perante disso, as forças policiais, organizações sem fins lucrativos e autoridades locais incluíram nas suas visitas regulares de monitorização a aldeias remotas e despovoadas, informações sobre como evitar o contágio e fraudes relacionadas com a epidemia.
Além de ajudar residentes vulneráveis com doações de alimentos e realizar exames regulares de saúde ao domicilio para evitar que os idosos viajem e corram o risco de contágio, a Cruz Vermelha fornece apoio psicossocial, ainda mais importante numa época de medo, incerteza e isolamento mais profundo com as restrições de movimento.
A Guarda Nacional Republicana, também possui várias equipas no terreno a trabalhar com as populações mais vulneráveis, entregando muitas vezes correio, remédios e alimentos.
Ver galeria
8Fotos
A enfermeira da Cruz Vermelha Tatiana Pires traz sacos com alimentos doados para Ernesto Rodrigues, 73 anos, residente na freguesia de Mós.
A enfermeira Tariana Pires (à esquerda) ajuda Ernesto Rodrigues, (à direita), um veterano da guerra colonial com deficiência nas mãos, a colocar uma máscara protectora.
Apesar de viver numa freguesia relativamente populosa, com cerca de 170 pessoas, Ernesto vive sozinho com o seu cão Paris.
Ernesto pediu à Cruz Vermelha uma televisão para substituir a sua televisão que estava avariada para ter algumas distrações e afastar a solidão. As visitas da equipa da Cruz Vermelha também são um alívio bem-vindo do isolamento.
M., 78 anos, é um veterano das guerras coloniais portuguesas. Acredita-se que esta seja a razão do extremo isolamento que se impõe a si próprio, sendo extremamente desconfiado das pessoas. Os agentes da GNR são das poucas pessoas em quem M. confia e recebe em sua casa.
O agente da Guarda Nacional Republicana Ricardo Pereira durante uma das suas patrulhas para verificar idosos geograficamente ou socialmente isolados. No decorrer da pandemia, acabando por vezes entregar correio, remédios e mantimentos.
Os agentes da GNR Sandra Morais (direita) e Vasco Marques (centro) durante uma das suas visitas a M., 80 anos, a última habitante da sua aldeia numa zona montanhosa e isolada da zona do Barroso.
V., com 81 anos, que pediu para não ser identificada pelo nome verdadeiro por medo de ser assaltada ou ser vítima de burla, a falar com os agentes Ricardo Pereira e Vasco Marques durante uma das suas visitas. V., que não sabe ler nem escrever, identifica apenas números, mora sozinha, sentindo-se muito vulnerável após o falecimento do marido e, portanto, pede aos agentes que venham com mais regularidade.
Capítulo IV: Tradições
O interior rural do Norte de Portugal é o lar de tradições culturais únicas, que foram mantidas vivas pelos seus habitantes através de festivais e encontros locais. A região de Barroso, por exemplo, foi declarada Património Mundial da Agricultura pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura devido às técnicas agrícolas ancestrais e agricultura comunitária. No entanto, cada vez menos pessoas permanecem nesta zona a trabalhar na agricultura.
O Norte também é o lar dos últimos guardiões vivos das actividades tradicionais locais e formas de arte, como, por exemplo, os “alfaiates de palha” que fabricam as tradicionais capas de chuva de palha. Muitos desses costumes já corriam o risco de desaparecer com o envelhecimento e diminuição das comunidades. Com a pandemia, a situação agravou-se. As iniciativas para preservar e reabilitar essas actividades ganharam um novo sentido de urgência.
Ver galeria
10Fotos
O Entrudo de Podence, marcado em 2021 pela queima de uma efígie do vírus.
Um morador observa os protagonistas do festival nas ruas vazias da vila de Podence, que em anos anteriores se encheram de visitantes para assistir a esta tradição.
Um dos organizadores usando uma máscara protetora coloca notas de euro doadas por emigrantes em férias num crucifixo adornado num andor dedicado a “Nosso Senhor dos Aflitos” na Torre do Pinhão.
António Gaspar, 87 anos, põe um chapéu de palha a condizer com a sua tradicional gabardina de palha, ambos feitos à mão, na aldeia do Cadaval. António Gaspar é um dos últimos “alfaiates de palha” que fabrica a tradicional capa de chuva, outrora muito comum nesta área. O Norte também é o lar dos últimos praticantes vivos de atividades tradicionais locais e formas de arte, como, por exemplo, os "alfaiates de palha" que fabricam as tradicionais capas de chuva de junco conhecidas como cruchos ou croças dependendo se estas possuem capuzes ou não.
Maria das Dores (esquerda) escolhe as canas para entregar ao irmão António Gaspar, com que ele tece uma tradicional capa de chuva de palha.
Beatriz Mendes, 26 anos (esquerda), convida Celeste Pereira, agricultora de 79 anos, poetisa popular e guardiã de tradições musicais para um dos seus projetos de criação musical comunitária, na aldeia de Espertina. Beatriz, jovem música e compositora premiada, é uma das mais recentes habitantes do Couto de Dornelas. A sua mudança para a aldeia deu uma lufada de ar fresco a esta comunidade.
Missa na aldeia de Couto de Dornelas.
Desde sua chegada, Beatriz mobilizou idosos e jovens locais para tocar em festas e criou vários projetos envolvendo várias aldeias para a criação coletiva de novas músicas e letras, misturando melodias e temas tradicionais com estilos e temas contemporâneos.
Capítulo V: A vida encontra um caminho
Conforme o tempo passa as pessoas começam a aceitar, lidar e a adaptar-se a esta nova realidade e os habitantes das áreas rurais do interior norte de Portugal não são excepção.
Num sector habitualmente de baixo rendimento, muitos agricultores tiveram um enorme prejuízo nos negócios desde o início da pandemia devido ao cancelamento de feiras e o fecho prolongado dos mercados. Perante isso, sem outras opções, e incentivados por plataformas de vendas online criadas por municípios, e apesar de e alguma desconfiança e cepticismo iniciais, alguns produtores foram obrigados a aventurarem-se no mundo até aqui para eles desconhecido das vendas online.
Outro desafio a superar era como, durante o fecho das escolas aquando do confinamento com vista à redução dos números de contágio por COVI-19, fornecer educação online às crianças de pequenas aldeias com pouca ou nenhuma infraestrutura de Internet ou provenientes de famílias sem ligação à Internet, sem computadores ou mesmo eletricidade nestas zonas mais rurais e remotas. Tudo isto representou uma série de novos problemas com crianças, já vulneráveis em termos de recursos, a arriscarem-se a ficarem em desvantagem relativamente às crianças dos centros urbanos, estas com mais facilidade de acesso a meios audiovisuais. Perante tudo isto algumas autoridades locais encontraram soluções criativas para o problema, conforme foi possível documentar.
Mas enquanto alguns aspectos da vida tiveram que mudar, outros mais tradicionais provaram ser essenciais para suportar estes tempos extraordinários. A inexistência de comércio local em algumas povoações por exemplo, ajudou a prevenir o contágio. A ausência de comércio nunca foi um problema durante a pandemia, pois houve sempre distribuição e venda de pão, mantimentos ou carne através de carrinhas que fazem um circuito predefinido por muitas aldeias, tornando desnecessário para os residentes aventurarem-se em supermercados em áreas urbanas populosas para comprar bens essenciais.
Ver galeria
8Fotos
Agricultora e produtora de carnes de fumeiro Lurdes Costa pendura uma fila de enchidos tradicionais na sua sala de fumo na Aldeia Nova do Barroso. Já tipicamente um setor de baixo rendimento, os agricultores passaram por dificuldades sem precedentes, desde o início da pandemia devido ao cancelamento de feiras e fecho prolongado de mercados. Pelo que colocam os seus produtos à venda online através de plataformas criadas pelos municípios regionais.
Os clientes compram pão fresco numa carrinha de distribuição de pão na aldeia de Couto de Dornelas. Os clientes regulares também podem encomendar produtos que normalmente não estão disponíveis. Este provou ser um serviço útil, já em vigor muito antes da pandemia, e agora ainda mais relevante, permitindo evitar que as pessoas tenham que se deslocar a áreas urbanas mais densamente povoadas para comprar bens essenciais e, assim, evitar risco de contágio.
Um aluno frequenta as aulas online numa antiga escola primária fechada, agora reaberta para que as poucas crianças locais possam aceder à internet e a computadores.
Alunos frequentam as aulas online na antiga escola primária da aldeia de Múrias, reaberta pela presidente da junta de freguesia Cláudia Afonso para que as poucas crianças locais possam aceder à internet e computadores durante o confinamento e fecho das escolas no país para o combate à pandemia de COVID-19.
Natural desta aldeia do norte, Zulmira Pereira, usando uma máscara protetora, conversa com Celeste, 81 anos, enquanto uma jovem emigrante, que se encontra de férias, brinca com o seu filho, na aldeia de Couto de Dornelas.
Judite Pereira, 86 anos, numa rua agora desabitada onde viviam pelo menos oito famílias, na sua aldeia de Couto de Dornelas.Judite deixou o centro histórico da aldeia para ir morar com o seu sobrinho numa zona mais recente e modernizada do núcleo.
Judite Pereira na adega da sua antiga casa de família, agora desabitada.
Uma máscara pendurada no espelho retrovisor de um carro na aldeia de Couto de Dornelas.
Capítulo VI: Esperanças amargas
Em Janeiro e Fevereiro de 2021, a pandemia por COVID-19, em Portugal, apresentava valores muito elevados quer em número de contaminações quer em número de mortes. Apenas no final de Fevereiro os números dos contágios começaram a diminuir e o início de Março trouxe, com um alívio agridoce, um menor número de mortes.
Para a zona Norte do país esta diminuição teve como marco simbólico os primeiros dias em que a casa mortuária do segundo maior hospital do país, o São João, no Porto, voltou pela primeira vez em meses a cuidar apenasdos corpos de falecidos devido a causas mais comuns de morte. O dia 11 de Março, quando foram tiradas as fotos no necrotério daquele hospital, foi um dos primeiros dias de relativa normalidade, sem mortes a registar resultantes dadoença de COVID-19 naquele que é o maior centro hospitalar da zona Norte.
Foi também por esta altura que o plano de vacinação contra a COVID-19 entrou em ação em Portugal. No entanto, as zonas do território de menor acesso e idosos para quem a deslocação a uma clínica distante para vacinação é dissuasiva ou até proibitiva, representaram um desafio para este esforço de vacinação. Foi neste contexto que uma antiga iniciativa da fundação filantrópica Calouste Gulbenkian, que a partir da década de 1950 doou e mobilizou carrinhas como bibliotecas móveis para chegar a comunidades remotas, foi retomada e reformulada para uma campanha de vacinação móvel. Depois de meses de incerteza, medo e perda, profissionais de saúde exaustos foram recebidos com alívio palpável por pessoas em condições de difícil acesso e mobilidade reduzida para quem uma vacina foi o primeiro sinal de esperança em muito tempo.
Ver galeria
6Fotos
Elementos da funerária aguardam para recuperar o corpo de um paciente que morreu de causas naturais no necrotério do Hospital São João no Porto nos primeiros dias sem mortes relacionadas com a COVID-19.
O corpo é transportado da UTI para o necrotério pelos corredores subterrâneos do Hospital de São João.
Elemento da funerária carrega o caixão para o carro.
As médicas Ana Rocha (esquerda), Ana Loureiro (centro) e Maria Antonieta Sequeira (direita) saem da casa de um idoso que acabaram de vacinar, numa iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, que doou carrinhas para permitir a vacinação de pessoas que não podem deslocar-se ou vivem em zonas isoladas.
A médica Ana Loureiro no interior de uma carrinha durante um circuito de vacinação.
Após meses de incerteza, o pessoal de saúde foi recebido nestas áreas com alívio e alegria por parte das pessoas, para quem uma vacina foi o primeiro sinal de alguma esperança em muito tempo.