automovel

Um símbolo de estatuto. A fotografia mostra várias damas inglesas junto de um Rolls-Royce em 1913. A imagem foi captada por Charles Stewart Rolls, fundador desta empresa de automóveis de luxo.

Mover um pistão no interior de um cilindro: este foi o segredo para que um veículo se movesse sem outro impulso. Primeiro, usou-se o vapor, depois o gás e, por fim, usaram-se os combustíveis derivados do petróleo.

Texto: Enrique Meseguer

Também será possível a construção de veículos capazes de se moverem com uma força inconcebível sem a ajuda de animais!»

O franciscano Roger Bacon, que viveu no século XIII, previa assim um futuro para o qual também imaginava engenhos voadores e submarinos. A visão deste filósofo e cientista inglês só se materializou cinco séculos mais tarde, quando o vapor colocou em marcha a primeira carruagem.

O uso do vapor como força motriz surgiu das experiências sucessivas de Denis Papin, Thomas Newcomen e James Watt, que abriram as comportas da Revolução Industrial. O vapor era introduzido num cilindro que continha um pistão e que era assim empurrado; de seguida, o vapor condensava, criando vácuo por detrás do pistão, que a pressão atmosférica fazia baixar. O movimento longitudinal assim gerado transformava-se, através de um sistema de biela-manivela, num movimento circular que accionava qualquer mecanismo. Watt utilizou o vapor em ambos os lados do pistão, na primeira máquina a vapor não atmosférica.

Foi precisamente o mecanismo baseado no pistão que o engenheiro militar francês Nicholas-Joseph Cugnot usou para criar, em 1796, o primeiro veículo que podia ser qualificado como «automóvel» (da palavra grega autos, «por si próprio», e do latim mobilis, «móvel»).

invenção do automóvel

A paixão pela velocidade. A irrupção do automóvel despertou uma paixão pela velocidade. Depois da patente do motor a quatro tempos de Nikolaus A. Otto em 1877, as melhorias técnicas permitiram o aumento da velocidade: um carro típico da década de 1890 circulava a 20 a 30km/h, mas, na década seguinte, já alcançava 63km/h. Mais espectacular era a velocidade do sautomóveis de luxo. Em 1902, um Mercedes Simplex da Daimler ultrapassava 100km/h, enquanto na década de 1920 eram frequentes os modelos com velocidades de 145km/h e os carros desportivos dos finais dessa década e início da seguinte chegavam a 170-180km/h. A velocidade implicou um novo espectáculo de massas: o automobilismo. A primeira prova, entre Paris e Rouen, celebrou-se em 1894 e teve 21 participantes. Em 1911, em Indianápolis, 80 mil espectadores pagaram bilhete para assistir à primeira corrida das 500 milhas. Anúncio dos pneus franceses Michelin. Cartaz de 1908 de Ernest Montaut.

O seu objectivo era deslocar os canhões com maior rapidez do que o inimigo. Tratava-se de um triciclo dotado de uma caldeira, cujo vapor accionava dois cilindros verticais, fazendo deslocar a carruagem. Cugnot não triunfou. O seu veículo tinha uma autonomia de 20 minutos (correspondentes ao tempo que demorava a esgotar a água da caldeira) e deslocava-se a 3,6 quilómetros por hora. Era mais lento do que uma carruagem puxada por cavalos e até do que um homem a pé. Estas dificuldades e o embate contra uma parede (registado em 1771 e conhecido como o primeiro acidente de automóveis do mundo) do segundo modelo construído esgotaram o interesse oficial pela sua invenção.

invenção do automóvel

O espírito do êxtase. Este é o nome que recebeu a estatueta que desde 1911 adorna o capot dos automóveis Rolls-Royce; foi desenhada por Charles Robinson Sykes.

Nas décadas seguintes, construíram-se inúmeras carruagens movidas a vapor nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. O mesmo Richard Trevithick, antes de se concentrar nas locomotivas, construiu em 1803 um veículo com rodas de três metros de diâmetro que circulou por Londres. A primeira empresa que produziu veículos a vapor com vocação comercial foi a do francês Amédée Bollée que, em 1873, mostrou ao público o seu primeiro modelo: L’Obéissante. Os automóveis a vapor captavam a imaginação dos norte-americanos. Nos Estados Unidos, os irmãos Francis Edgar e Freelan Oscar Stanley criaram veículos prodigiosos, como o que em 1906 conseguiu o recorde mundial de velocidade ao alcançar 205,45 quilómetros por hora. Os irmãos produziram o primeiro automóvel norte-americano comercializado com êxito: o Locomobile. Em 1900, já tinham fabricado um milhar de unidades. A popularidade do vapor manteve-se durante um longo período e até à década de 1920 fabricaram-se veículos movidos com esta energia. No início do século XX, essa era a fonte de energia dominante. A perspectiva de veículos a vapor a sulcar as cidades e os caminhos rurais desvanecer-se-ia perante um novo e poderoso concorrente: o motor de combustão interna.

invenção do automóvel

A cidade dividida. Este postal colorido, de 1910, representa a Friedrichstrasse, uma das ruas comerciais mais populares de Berlim. O automóvel partilha a estrada com eléctricos e carros puxados por cavalos.

Do gás à gasolina

A máquina a vapor é um motor de combustão externa. Nela, a energia térmica transforma-se em energia mecânica mediante um processo de combustão que decorre fora do motor: o combustível era usado para aquecer a água de uma caldeira e transformava-a em vapor que iria depois accionar o veículo. Em meados do século XIX, o motor de combustão interna já fora aperfeiçoado e a combustão produzia-se dentro do motor. As vantagens face à combustão externa foram decisivas: por um lado, evitava as perdas provocadas pela transmissão de energia térmica do exterior para o interior do motor; por outro, permitia suprimir a caldeira. Com isto, o motor reduzia o seu volume e peso, permitindo equipar veículos mais ligeiros e pequenos. A barreira principal que este motor teve de enfrentar foi o controlo da combustão interna de um combustível explosivo. As primeiras experiências neste campo remontavam à década de 1680, quando o cientista Christiaan Huygens comprovou que a expansão dos gases produzidos pela detonação de pólvora no interior de um cilindro movia o pistão, criando vácuo atrás dele. A pressão atmosférica devolvia-o depois à posição inicial. Este foi o princípio que Papin e Newcomen aplicaram à máquina a vapor.

invenção do automóvel

O combustível vencedor. A gasolina impôs-se como combustível para o motor a quatro tempos. Anúncio da Vaporine, uma marca francesa de gasolina. Cartaz de 1898 de Eugène Le Mouël.

A chegada do gás no início do século XIX permitiu o desenvolvimento do motor de combustão interna, cujos modelos iniciais usaram este combustível. O primeiro foi construído em 1859 pelo engenheiro belga Étienne Lenoir, que o montou sobre um triciclo. De acordo com a patente, tratava-se de um motor «no qual o ar é dilatado por uma combustão de gases inflamados por meio de electricidade e susceptível de substituir o vapor como força motriz».

Em 1862, uma carruagem com um destes motores percorreu as ruas de Paris ao longo de 18 quilómetros. Gastou três horas para esse percurso. Embora o consumo de Lenoir fosse alto e o seu rendimento baixo, o projecto marcou o futuro do automobilismo. O motor de  Lenoir era a dois tempos (o pistão fazia dois movimentos), mas o futuro seria dos motores a quatro tempos, que efectuavam quatro movimentos do pistão. O engenheiro francês Alphonse Beau de Rochas registou em 1862 o primeiro motor deste tipo, mas as suas carências económicas impediram-no de construir uma destas máquinas e a patente acabaria por caducar.

Daimler

O motor de Daimler. Um dos primeiros motores de quatro tempos e dois cilindros construídos por Daimler na sua fábrica de Cannstatt. Da fusão da sua empresa com a de Benz (1926), surgiria a Mercedes-Benz.

O engenheiro alemão Nikolaus August Otto construiu o primeiro motor a quatro tempos, a gás, patenteando-o em 1877. A invenção constituiu o alicerce dos motores modernos. Otto começou a trabalhar na produção do primeiro protótipo e, na sua fábrica, trabalhava como director técnico o engenheiro Gottlieb W. Daimler, que partiria para fazer investigação por conta própria. Em 1883, Daimler, juntamente com o seu colaborador Wilhelm Maybach, fabricou o primeiro motor a quatro tempos que usava gasolina: instalaram-no num veículo de duas rodas, semelhante a uma motocicleta, que se deslocou a seis quilómetros por hora. Por fim, em 1886, o engenheiro Karl Benz patenteou o primeiro automóvel propriamente dito: um triciclo equipado com motor de combustão interna ao qual chamou Velocípede. A indústria automobilística nasceria pela mão de Daimler e Maybach que, em 1889, apresentaram na Exposição Universal de Paris o primeiro veículo concebido como uma unidade de motor e quadro: o Stahlradwagen, com motor de dois cilindros em V, refrigeração a água, quadro com tubos de aço e tracção traseira com quatro mudanças.

o primeiro automóvel

O primeiro automóvel. O triciclo, patentado por Karl Benz em 1886, era em termos de design uma carruagem, cujo “cavalo”, o motor, estava alojado na parte traseira. Incorporava motor refrigerado a água, diferencial mecânico e admissão do ponto de vista automático. Pesava 230 quilogramas e deslocava-se a quase 15 km/h. O veículo fabricado por Karl Benz no ano de 1886 está conservado no Museu da Ciência em Londres.

A gasolina encurralou a electricidade, a sua principal concorrente. Em 1899, os veículos eléctricos estavam tão desenvolvidos que um deles, o desenvolvido pelo belga Camille Jenatzy, transformou-se no primeiro automóvel a superar 100 quilómetros por hora. O tempo que demoravam a carregar as baterias e as dificuldades desta operação numa época em que a rede eléctrica era limitada e cingida às cidades restringiram o uso destes veículos e inviabilizaram a sua produção.

O automóvel era ainda um produto artesanal e caro. A produção em massa chegou pela mão do americano Henry Ford, um industrial que imaginou o carro como produto de consumo corrente e ao alcance da maioria dos norte-americanos. A materialização desta ideia exigia racionalizar a produção para poder vender a baixo preço. Em 1908, foi colocado à venda o Ford T, fabricado segundo estas premissas e com um preço acessível, que constituiu um êxito comercial. Ford padronizara a produção através do trabalho em cadeia, um processo que transformaria o trabalho na sociedade capitalista.

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