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Em Lauro de Freitas, a sacerdotisa umbandista Mãe Sidneia deixa cair grãos de canjica sobre Luísa Carvalho durante um ritual de limpeza espiritual. Luísa sofre com o luto pela perda da mãe adoptiva por COVID-19 e procura auxílio nas águas do mar.

A pandemia afectou muitas comunidades religiosas, encerrando templos. No Brasil, foi preciso soltar a imaginação.

Texto e fotografias: Gui Christ

Muitos brasileiros comemoram a noite de réveillon na praia. Fazem oferendas, festejam, acendem velas e saltam sete ondas para trazer boa sorte. Esse rito de passagem é oriundo das religiões nascidas do encontro dos diversos povos africanos trazidos para o Brasil, como o candomblé e a umbanda. Como manda tam- bém a tradição, muitos sacerdotes afro-bra- sileiros fazem previsões para orientar as suas comunidades religiosas no novo ano. Através do jogo de búzios, um sistema oracular iorubá baseado na mitologia das suas divindades (os orixás), muitos previram que 2019 seria também regido por Obaluaê, o orixá das enfermidades.

Quando ocorreram os primeiro casos de COVID no Brasil e os templos foram obrigados a encerrar. Para as religiões afro-brasileiras, estes espaços sagrados são como uma pequena aldeia, onde, em comunhão, se louvam os antepassa- dos e orixás. Acreditamos que o Axé, a energia vital que movimenta o universo, está no encontro e nas trocas. Devido à pandemia, fomos privados dele.

Movido pela angústia que o momento causava, procurei alívio na minha fé. Como religioso umbandista em preparação para exercer o sacerdócio e por conhecer líderes religiosos em todo o país, vi que todos passávamos pela mesma situação: teríamos de adaptar ritos ancestrais à nova realidade pan- démica. Essas transformações radicais mudariam para sempre as religiões afro-brasileiras e, como fotógrafo documental, pensei que deveria registá-las. Com o apoio do Fundo de Emergência de COVID-19 para Fotojornalismo da National Geographic Society, tracei um plano para acompanhar religiosos de todo o país. A pergunta que fiz a todos foi: “Quais são os problemas que enfrentam e o que estão a fazer para solucioná-los?” No final, percebi que todos caminhávamos para dois pólos distintos, mas que juntos trariam as forças que buscávamos. Procurando no futuro uma resposta, adaptamos rituais ancestrais para manter a colectividade através de aplicações de reu- niões virtuais. Assim, podemos confortar quem está distante fisicamente e, juntos, louvamos as nossas divindades. Ao mesmo tempo, olhamos para o passado, tal como faziam os nossos antepassados africanos, quando as reli- giões oriundas de África eram proibidas no Brasil. Em lugares da natureza distante, procuramos a segurança para orar sem riscos de contaminação.

Como os antigos curandeiros centro-africanos, acompanhei sacerdotes trabalhando incansavelmente para levar saúde às suas comunidades. Foto- grafei outros que, movidos pelo forte sentido colectivo nascido nas senzalas de onde as nossas religiões surgiram, focaram-se em ajudar materialmente os mais afectados pela severa crise económica que acompanhou a pandemia. Devido às novas variantes, ainda não podemos exercer a nossa religio- sidade como anteriormente. Porém, ao contrário de há dois anos, agora adaptamo-nos. Tal como aprendemos nas histórias de superação dos nossos anciãos em tempos distantes, depois de uma experiência intensa, poderemos contar às gerações futuras como vencemos.

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