Menorca Talayótica

Ícone da identidade da ilha, a Naveta des Tudons, um túmulo colectivo construído com paredes de técnica ciclópica há mais de 3.000 anos, é um tipo de edifício único no mundo e um exemplo excepcional dos monumentos funerários da cultura talayótica.

Os sítios arqueológicos da ilha espanhola de Menorca são um relato de pedra de uma história milenar fascinante. Em Junho, a UNESCO decidirá se passarão a fazer parte da lista do património mundial.

Texto: Eva van den Berg

Durante muitos séculos, os antigos povoadores de Menorca viveram isolados, encurralados entre o céu e o mar.

Se as pedras falassem... o que nos diriam as extraordinariamente bem conservadas construções pré-históricas da cultura talayótica menorquina, agora candidata a integrar a lista do Património Mundial da UNESCO?

Nos blocos de pedra sem argamassa destas construções ciclópicas (cujas tipologias incluem navetas, talayots, recintos de taula e casas circulares), está registada uma história insular tecida ao longo de mais de um milénio. É no fundo a memória geológica, física e histórica de uma época em que os habitantes desta ilha das Baleares estabeleceram uma relação com o ambiente que marcaria para sempre a paisagem e a identidade de Menorca.

As primeiras manifestações desta peculiar arquitectura identificadas pelos arqueólogos são de natureza funerária e datam provavelmente de 2000 a.C. São os túmulos megalíticos ou dólmenes, túmulos colectivos ao ar livre que, aproximadamente em 1600 a.C., em plena Idade do Bronze, deram lugar às primeiras construções ciclópicas. Quatrocentos anos depois, a partir de 1200 a.C., surgiram os talayots, que, em rigor, deram início à cultura que recebeu o seu nome.

Baptizada com um termo derivado da palavra árabe talaya (torre ou atalaia), esta singular estrutura tronco-cónica de tipologia diversificada irrompe na paisagem e, lentamente, a partir de um pequeno núcleo inicial, a cidade desenvolve-se e surgem novas formas arquitectónicas. São os recintos de taula (que só existem em Menorca) – as casas de planta circular e as muralhas.

Os achados arqueológicos nos espaços funerários e nos recintos de taula expressam o rico universo simbólico das comunidades talayóticas e das suas crenças. A partir do ano 500 a.C., Menorca intensificou contactos com outras culturas, como a grega ou a púnica. As peças encontradas nos recintos de taula – figuras zoomórficas e antropomórficas, bem como queimadores de incenso – testemunham estes contactos na área da koiné cultura mediterrânea e o uso ritual destes espaços, onde provavelmente se praticava algum tipo de politeísmo. Nas grutas das falésias, foram documentados vários rituais que evidenciam a crescente complexidade das crenças destas sociedades.

Os materiais usados para fabricar objectos do quotidiano e ornamentais evoluíram ao longo do tempo. A partir do talayótico final, começaram a ser importadas peças de materiais importados, como recipientes de cerâmica e ornamentos de faiança ou de metal.

Esse longo e fecundo desenvolvimento cultural é dividido pelos especialistas em quatro períodos: o dos primeiros povoadores, o naviforme e o talayótico, criado em condições de um certo isolamento, e um último de abertura ao exterior, o talayótico final, que começa cerca de 500 a.C. e termina em 123 a.C. Nesse ano, a frota romana do cônsul Quintus Cecilius Metelus conquistou a ilha, e também Maiorca. Ibiza ficou a ser então um dos últimos redutos púnicos do Mediterrâneo Ocidental. Iniciava-se assim a colonização e esse acontecimento mudou o curso da história de Menorca, embora não afectasse a sua rica arquitectura, que continuou a ser utilizada nos séculos posteriores, em alguns casos até à época islâmica. Hoje, esta Menorca talayótica que perdurou durante 1.500 anos aspira a integrar a lista da UNESCO que destaca os locais de excepcional importância cultural para o património comum da humanidade, decisão que será tomada em Junho e cuja aprovação é aguardada com grande entusiasmo na ilha.

De facto, o impressionante legado desta cultura não se destaca apenas pela sua diversidade, mas também pela densidade, uma vez que regista uma das maiores concentrações de sítios arqueológicos do mundo: com apenas 702 quilómetros quadrados de superfície, Menorca tem um número elevadíssimo de sítios arqueológicos pré-históricos, com um total de 1.574 itens inventariados, nada menos que 2,3 por quilómetro quadrado, grande parte dos quais (1.401) estão classificados como Bens de Interesse Cultural (BIC).

Menorca Talayótica

Mapa: Conselho Insular de Menorca/NGM-E.

“Esta ilha, a mais setentrional do arquipélago das Baleares, tem 9% dos BIC de Espanha, apesar de representar apenas 0,13% do seu território”, explica a professora de arqueologia Margarita Orfila, promotora desta candidatura e membro da equipa que redigiu o relatório apresentado à UNESCO. Com a classificação internacional, acrescenta Cipriano Marín, coordenador do dossier de candidatura, “o património histórico da ilha seria mais valorizado e poderiam ser implementadas medidas de preservação mais eficazes”, a exemplo do que já aconteceu por exemplo com o património arqueológico do vale do Côa. A inclusão na lista do Património Mundial fomentaria também mais investigação nos sítios arqueológicos e um turismo cultural fora da época de Verão, o que ajudaria a distribuir parte dos visitantes que chegam a esta ilha todos os anos.

Paradigmas da identidade insular, todos estes bens estão plenamente integrados num território habitado e vivido. “No resto do mundo, grande parte das paisagens arqueológicas comparáveis a esta encontram-se em parques nacionais ou em reservas arqueológicas, onde a actividade humana é residual e não tem qualquer protagonismo”, refere Margarita Orfila. “No entanto, no mundo rural da ilha, e em particular na área proposta, encontramos uma paisagem arqueológica viva excepcional, em plena interacção com o quotidiano de Menorca do século XXI.” É uma paisagem palpitante em que as rochas colossais que dão forma aos edifícios ciclópicos, erguidos entre campos cultivados e rebanhos de vacas e ovelhas que pastam nos arredores, parecem sussurrar histórias antigas de homens e mulheres descendentes dos primeiros habitantes da ilha.

Menorca Talayótica

Cronologia: Conselho Insular de Menorca/NGM-E. Ilustrações: Conselho Insular de Menorca/John Chien Lee e Andreu Torres.

Quem seriam esses primeiros povoadores? “Vindos do Nordeste da Península Ibérica ou do golfo de Leão, chegaram à costa de Menorca durante a segunda metade do terceiro milénio antes de Cristo a bordo de embarcações rudimentares juntamente com alguns animais domésticos e utensílios básicos, talvez fugindo a situações tão hostis no continente que optaram por empreender uma viagem arriscada”, propõe Joaquim Pons, arqueólogo e técnico do Departamento de Cultura do Conselho Insular.

Essa viagem perigosa por mar levou-os até uma terra pouco fértil, rochosa, de recursos limitados e fauna escassa, coberta de vegetação típica de locais áridos esculpidos por ventos fortes. Esperava-os uma vida dura, uma época em que, segundo estudos antropológicos, metade das crianças com menos de 5 anos morria de doenças e a esperança de vida dos adultos raramente ultrapassava um quarto de século, embora alguns atingissem 50 anos. Uma existência cercada por um mar ao qual, surpreendentemente, viraram as costas durante mais de um milénio – aparentemente nem pescavam –, mas que estava muito presente nas práticas funerárias e na sua espiritualidade, talvez como se aquela extensão infinita de água que se fundia com o céu fosse semelhante à vida após a morte. Os mortos desses primeiros colonos foram enterrados colectivamente em hipogeus (grutas subterrâneas escavadas no solo rochoso) ou em dólmenes (estruturas típicas da arquitectura megalítica), certamente seguindo as tradições dos territórios de origem. No entanto, o manuseamento contínuo das rochas, matéria-prima por excelência da ilha, conduziria às primeiras construções ciclópicas, algumas das quais únicas em Menorca, e que são a grande especificidade deste património.

A primeira tipologia foi a naveta de habitação, uma espécie de casa de pedra em forma de nave invertida que media cinco a vinte metros de comprimento e três de largura e alojava grandes famílias. No interior, os habitantes cozinhavam e aqueciam-se em redor de uma fogueira central, sentados em bancos de pedra adossados às paredes. Ao longo desse período naviforme, entre 1600 e 1200 a.C., a população estabeleceu-se em pequenos povoados, adoptou uma vida sedentária e desenvolveu a agricultura e a pecuária. Essas sociedades aprenderam também a extrair cobre das minas e, misturando-o com estanho, metal importado, obtiveram um material versátil para fazer ferramentas e ornamentos: o bronze. Embora os hipogeus ainda fossem usados, rapidamente começaram a construir edifícios monumentais destinados a sepultamentos: são as navetas funerárias, cujo exemplo mais famoso é a Naveta des Tudons. Eram sempre distantes da povoação e fora do seu campo de visão.

Menorca Talayótica

Com o tempo, os mortos começaram a ser sepultados em grutas escavadas nas ravinas que atravessam a ilha, grutas essas que progressivamente se situam mais perto da costa como se a intenção fosse aproximar os mortos do mar para o seu descanso eterno no Além. “O mundo dos vivos separado do mundo dos mortos”, sublinha Margarita Orfila. Os achados arqueológicos evocam uma sociedade ainda não hierarquizada, que se confirma pela composição do enxoval funerário e pelos sepultamentos colectivos.

“As semelhanças entre as navetas de habitação e as funerárias obrigam-nos a pensar numa substituição simbólica: as ‘casas dos mortos’ reproduziam a forma exterior das ‘casas dos vivos”, explica Joaquim Pons sobre estas construções cujo apogeu se localiza no período talayótico posterior. Nessa fase final da Idade do Bronze e primeira etapa da Idade do Ferro, entre 1200 e 500 a.C., existiu um crescimento populacional que gerou uma transformação arquitectónica com o surgimento dos talayots, as torres que marcam uma nova realidade social e ilustram o colossal esforço colectivo necessário para a sua construção.

Os séculos seguintes, enquadrados no período talayótico final, foram testemunhas de outra singularidade menorquina: o recinto de taula. Trata-se de um local de culto composto por um edifício com planta absidal e paredes ciclópicas que tem ao centro a taula (mesa em catalão), uma estrutura de quatro ou cinco metros de altura composta por duas grandes lajes colocadas uma sobre a outra, formando um T. “A função ritual e religiosa destes santuários é documentada pela presença de fogo, restos de animais sacrificados e estatuetas de bronze, bem como no padrão de orientação”, diz a arqueóloga. Curiosamente, taulas e navetas funerárias não parecem ter sido construídas com uma orientação ao acaso.

A maior parte das navetas está orientada para sudoeste, seguindo a tendência dos sepulcros megalíticos predecessores, explica Antoni Ferrer, arqueólogo e investigador do Instituto Menorquino de Estudos, com sede em Mahón. “É um facto bastante peculiar que coincide apenas com a orientação dos túmulos na região francesa do Languedoque, de onde vieram possivelmente os primeiros povoadores da ilha”, diz. As taulas, por outro lado, estão geralmente viradas para sul, excepto a de Torralba d’en Salort, que aponta para um azimute dentro da faixa solar, voltada para levante, ligeiramente a sul do leste.

Menorca Talayótica

O povoado de Torre d’en Galmés conserva uma grande diversidade de construções, como este salão hipostilo, uma área coberta de lajes que, anexado às casas circulares, servia provavelmente para armazenar alimentos ou criar gado.

A ilustração recria duas dessas casas com planta circular característica do talayótico final. Ilustração: Albert Álvarez-Debòlit

Menorca Talayótica

O primeiro especialista a aprofundar essa questão foi o arqueo-astrónomo britânico Michael Hoskin, da Universidade de Cambridge, que há 30 anos referiu que a necessidade de construir os túmulos em locais com uma visão ininterrupta do horizonte meridional poderia ter como objectivo observar um determinado quadrante do céu. Seriam o Cruzeiro do Sul e as duas estrelas mais brilhantes da constelação de Centauro, Alpha Centauri e Acrux, visíveis nas noites talayóticas, os objectos celestes que a sociedade pré-histórica queria observar diariamente?

A descoberta, no povoado talayótico de Torre d’en Galmés, de uma estatueta representando Imhotep – médico, arquitecto, astrónomo e sumo sacerdote do Templo de Heliópolis que viveu em meados do terceiro milénio antes de Cristo no Baixo Egipto – parece apoiar esta explicação. Imhotep foi deificado no país do Nilo como deus da medicina e da sabedoria e o seu prestígio chegou à Grécia, onde foi assimilado a Asclépio, representado na mitologia grega na constelação de Centauro. Por outro lado, os três cascos de equino descobertos na taula de Torralba d’en Salort, supostamente os cascos daquele centauro astronómico, poderão sugerir que os recintos de taula eram equivalentes aos templos de cura do mundo helénico, os asclepia? Os recintos estavam orientados para a constelação de Centauro por estarem associados à medicina? Não se sabe exactamente. No talayótico final, surgiu outro “endemismo” arquitectónico de Menorca que representa uma revolução na concepção e desenho do habitat pré-histórico da ilha: a casa de planta circular, organizada em torno de um pátio central delimitado por seis colunas. Construídas com paredes de duplo paramento e cobertas com barro e terra vegetal, são muito mais complexas do que as navetas de habitação. Algumas tinham cisternas para a captação de água.

Paralelamente, começaram a proliferar as muralhas ciclópicas em redor dos povoados, o que mostra mais uma vez a capacidade dos talayóticos para organizar o território e trabalhar em equipa. Ao longo do tempo, essas muralhas incorporaram cada vez mais sistemas defensivos. O Mediterrâneo, em pleno processo de colonização por fenícios, gregos, cartagineses e romanos, representava para aquela sociedade insular isolada e pacífica, uma via para a entrada de riquezas, mas também de perigos num mar onde os piratas e as frotas de potências rivais se moviam livremente.

A partir do século V a.C., muitos jovens talayóticos de Menorca e Maiorca, hábeis na utilização de fundas, foram recrutados como mercenários pelos exércitos púnicos, até serem absorvidos por Roma após a queda de Cartago. “Na verdade, é por causa deles que ambas as ilhas, baptizadas pelos antigos gregos como Gimnesias, foram rebaptizadas como Baleares, nome derivado do grego baleo, que significa lançar”, explica Margarita Orfila. Várias fontes históricas fazem referência aos fundibulários baleares, como Estrabão, que os menciona na sua “Geografia”, aludindo ao momento da conquista romana da ilha: “Desde crianças adestram a funda, não recebendo o pão se não acertarem nele antes; por isso, Metelus, ao navegar rumo às ilhas, ao aproximar-se delas, mandou esticar peles sobre a coberta dos navios para se defender dos tiros de funda”.

A cultura talayótica chegou ao fim nos últimos anos do século II a.C., dando lugar a uma longa romanização que terminaria com a chegada dos vândalos no ano 455 da nossa era. O Império Bizantino incorporou a ilha nos seus domínios em 534 e, em 903, seria a vez dos muçulmanos, uma presença que durou 400 anos, até à chegada de Afonso III de Aragão.

A partir do século XIV, os descendentes dos talayóticos copiaram os seus antecessores, construindo muros de pedra seca para delimitar os terrenos agrícolas e de criação e gado. Hoje, há 11,2 milhões de metros dessas muralhas preciosas, uma distância equivalente à que separa Ciudadela de Santiago do Chile. É mais um exemplo da estreita relação que Menorca manteve e mantém com o seu material mais essencial, testemunho vivo do esforço colectivo, criatividade e habilidade que vem juntar-se ao extraordinário legado ancestral que poderá em breve ser reconhecido como um tesouro da humanidade.

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