Festa na Villa Widmann, cerca de 1750. Óleo de Andrea Pasto. Galeria da Academia Carrara, Bérgamo.
Quando chegava o bom tempo, as famílias ricas de Veneza faziam as malas para veranear nas suas villae em terra firme.
Texto: María Lara Martínez
Nas cidades italianas do século XVIII, quando se aproximava o Verão, muitos cidadãos começavam a ficar inquietos.
De forma muito semelhante ao que sucede nos nossos dias, todos começavam a pensar nas próximas férias. O tema dominava as conversas e a inveja dos que partiam em lazer era insuportável.
“Todos vão para o campo e não quero que digam que fico aqui como guardião da cidade.”Assim diziam as personagens de Carlo Goldoni, o grande escritor veneziano que deixou nas suas muitas obras um retrato excepcional da sociedade de meados do século XVIII. Para Goldoni,“a diversão inocente do veraneio no campo tornou-se, nos nossos dias, uma paixão, um desvario, uma desordem”.
Na realidade, no século XVIII não se falava de veraneio mas sim de villeggiatura.
O termo fazia referência às villae, residências campestres que se tornaram populares no Renascimento. Os patrícios de cidades como Roma, Florença ou Veneza iam todos os anos para essas casas, por vezes autênticos palácios, como os desenhados pelo famoso arquitecto Palladio, para supervisionar os trabalhos nas suas propriedades agrícolas e de passagem usufruir de um tempo de calma e de contacto com a natureza.
Os prazeres do campo
As estadas eram frequentemente curtas. Assim que terminavam as colheitas ou as vindimas, os senhores regressavam à cidade para cumprir as suas obrigações. Na primeira metade do século XVIII, pelo contrário, a estada na villa, a villeggiatura, mudou de carácter. Para começar, o período alargou-se. Em Veneza, existiam duas temporadas – de meados de Junho a meados de Julho e de Setembro a meados de Novembro, no total, quase quatro meses, embora muitas vezes as mulheres ficassem por lá enquanto os maridos trabalhavam na cidade. A principal diferença face ao passado é que, durante a estada, ninguém se dedicava a cuidar do campo, mas sim à simples e pura diversão. Um ancião de uma das obras de Goldoni testemunhava essa alteração:“No meu tempo, quando era jovem, antecipavam-se as villeggiaturas e o regresso. Feito o vinho, regressava-se à cidade. Mas na altura ia-se para se fazer o vinho, agora vão para se divertirem e ainda permanecem no campo quando começa a fazer frio e as folhas das árvores secam.”
Um capricho só possível para algumas bolsas
Se no século XVI apenas uma minoria, da aristocracia mais selecta, podia usufruir de sumptuosas villae desenhadas por Palladio, no século XVIII a villeggiatura atraiu um grupo mais alargado, o da burguesia comercial de cidades como Veneza.
Nas comédias de Goldoni (na imagem), mostra-se o afã da classe média por copiar os hábitos da nobreza, carregada de títulos e de antepassados, mas com uma situação económica menos desafogada do que a sua aparência sugeria. O veraneio era um dos sinais de distinção que equiparava os nobres de linhagem e os burgueses em ascensão. Mas isto tinha um preço: o de se fazer uma vida além das suas possibilidades e incorrer em dívidas que não conseguiam pagar para se entregarem a divertimentos fúteis que Goldoni denunciava e satirizava.
O veraneio tornou-se uma moda, um sinal de distinção social. Todos iam, ao mesmo tempo, para as mesmas zonas, para se exibirem e não serem menos do que ninguém.“Sim, é verdade, quem quer ser alguém no mundo tem de fazer o que fazem os outros”, dizia uma personagem de Goldoni, que, no entanto, exagerava um pouco na sua vontade de condenar moralmente os novos costumes que contradiziam os hábitos de austeridade e poupança próprios dos antigos mercadores venezianos.
A fuga para o campo exigia preparativos consideráveis. Os criados empregavam pelo menos um mês para reunir tudo o que era necessário para o retiro e embalavam tudo em grandes baús. “Hoje em dia, o campo condiciona mais do que a cidade”, queixava-se um criado numa obra de Goldoni, sobrecarregado com o monte de enfeites, toucas de dia, gorros de noite, rendas, xailes e mantilhas que tinha de empacotar para seguirem para a villa. Além do mais, juntamente com o arsenal de roupa, os veraneantes costumavam levar dezenas de faqueiros, bandejas e candelabros, além de produtos selectos como café, chocolate e especiarias diversas. As mulheres renovavam os seus vestidos pouco antes de partirem para a villa. Numa das obras de Goldoni, uma jovem está no limite dos nervos porque, na véspera da partida, ainda não recebera um vestido francês da última moda.
Mansões de cinco estrelas. As Villae dos venezianos ricos no vale do Brenta impressio- navam com as suas fachadas grandiosas, os jardins à fran- cesa e o luxo das suas salas. Da villa Farsetti, sabe-se que podia receber 44 convidados, aos quais oferecia 15 mesas de jogo, toucadores e aquecimen- to para os dias de Outono. Exis- tiam também residências mais modestas chamadas casini. Na imagem A Rotonda, Villa desenhada por Palladio para a família veneziana dos Almerico perto de Vicenza.
Tempo de esbanjamento
Tudo isto fazia que a época de Verão implicasse um gasto significativo para o qual muitos não hesitavam em contrair grandes dívidas. Por fim, chegava o dia esperado: “Que acontecimento para estas jovens! O dia em que hão-de sair para o campo, não sabem o que fazem, não sabem o que dizem, ficam fora de si”; “Pobrezinha! Delira por ir para o campo”, lê-se nas obras de Goldoni.
Interior da villa Pisani, com frescos de Jacopo Guarana, do século XVIII. Esta bela mansão situa-se em Stra (Véneto).
A viagem até à villa fazia-se de coche, caleche ou carruagem, numa alegre comitiva na qual seguiam o proprietário e os seus convidados. Os criados iam à parte, numa carruagem por vezes partilhada com outros vizinhos para reduzir o custo. Os venezianos transferiam-se a bordo de uma luxuosa embarcação denominada burchiello, com a qual atravessavam a lagoa veneziana até Fusina e seguiam pelo rio Brante e pelos seus canais até Pádua. Aquela era a zona residencial mais selecta para a alta sociedade veneziana. As inumeráveis villae de ambas as margens do rio (enquanto no século XVI foram construídas 250, no século XVIII construíram-se 400), com imponentes fachadas e jardins e parques que ofereciam um cenário cativante:“Aos que passam de barco, tudo dá a ideia de se encontrarem no meio de uma cidade durante todo o percurso do rio, como se fosse uma povoação contínua com quase 16 milhas”, afirmava um viajante em 1697.
Todos convidados
As estadas de Verão nas villae do século XVIII caracterizavam-se por um grande número de pessoas, fossem convidados do dono ou vizinhos, com os quais se organizavam bailes, refeições, jogos de cartas ou simples conversas. Era uma questão de prestígio social. Como escreveu Goldoni, “no campo, é necessário ter companhia. Todos procuram ter tantas pessoas quantas possam. E depois ouve-se dizer: fulano tem dez pessoas, sicrano tem seis, beltrano oito e quem tem mais é mais estimado”. Para“fazer número”, ninguém hesita em convidar autênticos parasitas que se ofereciam a qualquer um (“se não for consigo, irei com outro”, diz um numa comédia) e aqueles que eram valorizados pelos jogos que conheciam e pelo bom humor quando eram alvo de piadas.
As semanas no campo decorriam entre refeições em casa de um e outro, jogos de cartas, passeios pelo campo e jogos amorosos. Numa comédia de Goldoni, conta-se a chegada de um grupo de veraneantes à villa:“Saímos doze. À chegada, esperava-nos uma soberba refeição; depois desta, jogámos às cartas. Alguns adormeceram e deitaram-se onde podiam, num sofá, numa cama. Na manhã seguinte, alguns levantaram-se tarde, outros bem cedo. Passear, enfeitar-se, ler, cada um entreteve-se como lhe aprazia. Ao meio-dia, todos nos juntámos para tomar chocolate e depois jogámos e jogámos até que nos colocaram a comida. Depois, alguns foram passear, outros jogaram, os outros… assim todos os dias… Ir para a cama muito tarde, uma boa mesa, um jogo de mil demónios, alguns namoricos nos bailes, um pouco de passeio, um pouco de bisbilhotice: foi a melhor villeggiatura do mundo.”
As delícias das férias na villa. Os meses de villeggiatura eram ocupados com todo o tipo de passatempos para os donos da casa e os seus convidados: passeios, refeições, jogos, bailes, concertos e até mesmo óperas. Um pintor veneziano da escola de Pietro Longhi recriou várias cenas de ócio campestre, entre elas a de um baile.
Como tudo tem um fim, os veraneantes tinham de regressar a casa. Era então que alguns percebiam ter incorrido em gastos superiores às suas posses e viam ser apreendidos os seus bens do campo, os móveis do palacete, os serviços ou os talheres de prata, como denunciava Goldoni. Nessa altura, talvez entoassem uma ode à moderação dos costumes. No ano seguinte, porém, nenhum estava disposto a ser menos do que os restantes e a privar-se da temporada de diversão na villa.