Júlio César

Adolphe Yvon pintou, em 1875, esta alegoria, na qual destaca o terrível custo humano das guerras que garantiram o poder de César em Roma. Museu de Belas-Artes, Arras.

Travou cinquenta e duas batalhas contra inimigos externos e internos e quase todas resultaram em vitórias. O seu génio estratégico, a sua coragem e a lealdade dos seus soldados foram as chaves do seu sucesso.

Texto: Fernando Lillo Redonet

Júlio César protagonizou um dos percursos militares mais impressionantes de todos os tempos. Num olhar contemporâneo, tal facto revela-se especialmente meritório num homem que não era soldado profissional. Mas a verdade é que, para os senadores romanos, milícia e política eram inseparáveis e inevitáveis. No caso de Júlio César, as suas conquistas militares tiveram sempre um objectivo claro: obter mais poder para si próprio em Roma. As chaves do seu êxito militar eram o seu extraordinário carisma pessoal, a sua relação especial com os soldados, a ambição de levar a cabo acções que ninguém jamais realizara e a inteligência para alternar crueldade e clemência, conforme fosse mais conveniente em cada momento.

As histórias sobre a sua excepcional coragem pessoal remontam à sua juventude: com apenas 19 anos, César ganhou uma coroa cívica, a mais alta condecoração de coragem e bravura, por ter arriscado a sua vida para salvar outro romano. Em Vida do divino Júlio, Suetónio registou inúmeras demonstrações da coragem e do talento de um homem que se destacava não só no manejo das armas, mas também no dos cavalos (algo que os adivinhos tinham previsto). Até ao fim, César criou e cuidou cuidadosamente do seu corcel, a ponto de lhe dedicar uma estátua em Roma.

Júlio César

Júlio César, com a coroa de louros que os generais vitoriosos envergavam ao celebrar o triunfo. Busto de mármore de Augustin Pajou. 1800-1802. Palácio do Luxemburgo, Paris.

César era também um militar infatigável, capaz de marchar a pé, ao sol ou sob chuva, de atravessar rios a nado e de ser extremamente rápido a percorrer longos trajectos. Por vezes, chegava ao destino antes dos mensageiros que deveriam anunciar a sua chegada. A sua célebre frase Veni, vidi, vici (“cheguei, vi e venci”), que proclamou num dos seus desfiles triunfais em Roma, refere-se, de facto, à celeridade com que o general planeou e venceu uma guerra-relâmpago contra o rei Fárnaces do Ponto. Este invadira a província romana do Ponto e César, que se encontrava no Egipto, partiu de imediato ao seu encontro. O desfecho chegou poucas semanas depois: Fárnaces foi derrotado pelos romanos na batalha de Zela, em 2 de Agosto de 47 a.C.

Um general na linha da frente

No campo de batalha, César era conhecido pela capacidade de sacrifício e pela coragem, sendo capaz de cometer actos ousados, como disfarçar-se de gaulês para atravessar os postos de guarda inimigos, ou embarcar sozinho numa infernal noite de Inverno durante a guerra civil contra Pompeu para alcançar a costa da Grécia. Diz-se também que, em Alexandria, teve de saltar para uma barcaça devido a um ataque inimigo e que, quando vários outros soldados se lançaram sobre esta afundou-se.

Júlio César

Luta entre romanos e gauleses. Na página seguinte, detalhe de um óleo de É. Luminais. Século XIX. Museu de Belas-Artes, Carcassonne. A conquista da Gália exaltou César.

César foi, então, forçado a saltar para a água e a nadar quase 300 metros até chegar a um navio próximo, com a mão esquerda elevada para evitar que se molhassem os escritos que levava e arrastando com os dentes o manto de general para que este não caísse nas mãos do inimigo. A sua biografia está repleta de episódios semelhantes que, verídicos ou não, evidenciam a valentia que já na sua época se atribuía ao líder romano.

O próprio César contribuiu para alimentar a sua lenda nos Comentários sobre a Guerra das Gálias e Comentários sobre a Guerra Civil. Escritas num latim exemplar e na terceira pessoa, César descreveu ali a sua participação nessas campanhas, elogiando as suas conquistas e minimizando os seus fracassos. Na guerra das Gálias, César apresentou-se em diversas ocasiões na linha da frente do combate. Na batalha final contra os helvécios, o general desmontou do cavalo e lutou ao lado dos soldados de infantaria, negando-se a fugir. Fê-los saber que estava ali para vencer ou morrer, um gesto espantoso e admirável com o qual infundiu coragem nos seus homens, compensou os seus erros anteriores na campanha e ganhou prestígio e admiração.

Júlio César

O Fórum romano era o centro nevrálgico do poder político de Roma. César mandou ampliá-lo com vários edifícios novos e um templo dedicado à deusa Vénus, protectora da sua gens ou família: a Júlia.

No ano seguinte, quando as tribos belgas se revoltaram, César enfrentou-as na batalha de Sambre. Perante o ataque-surpresa dos belgas contra os romanos, o general multiplicou os seus esforços, encarregando-se de formar a linha de batalha e de dar o sinal de ataque, animando pessoalmente os seus soldados e centuriões. Por fim, no cerco de Alésia contra o gaulês Vercingetórix, a sua presença no campo de batalha foi uma das chaves da vitória das suas legiões. César tinha a capacidade de aparecer no momento oportuno, arriscando a sua integridade física se necessário, muitas vezes precipitando o desfecho da batalha a seu favor.

Soldados fiéis até à morte

A coragem que César mostrava como militar servia de exemplo para os seus soldados, com os quais mantinha um vínculo singular. Os homens viam nele um líder próximo que partilhava as suas dificuldades e César apreciava-os pelo seu valor no campo de batalha, independentemente da sua origem ou posição social. De facto, em assembleia, dirigia-se a eles como conmilitones (“camaradas”), e sabia os seus nomes. Esta consideração com que tratava os seus soldados traduzia-se em lealdade e esforço por parte destes, pois sabiam que o seu valor seria recompensado.

Assim o demonstrou a história do centurião Ceva que, durante a campanha das Gálias, se manteve firme na defesa da porta do forte que lhe fora confiada, apesar de ter perdido um olho e de ter sido gravemente ferido num ombro e numa coxa.

Júlio César

 

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Os homens de César estavam dispostos a suportar todo o tipo de sofrimento pelo seu general. Na verdade, durante a guerra civil, muitos cativos preferiram morrer a traí-lo. Os soldados também rivalizavam entre si para demonstrar a sua valentia. O próprio César relatou o episódio de Lúcio Voreno e Tito Pulo, dois centuriões que competiram um contra o outro num combate, lançando-se nas zonas mais perigosas e salvando a vida mutuamente. No final do confronto, ambos tinham lutado com tal ferocidade que era impossível decidir qual deles fora mais corajoso.

Os soldados de César estavam habituados à mais férrea disciplina. Frequentemente, o general não lhes comunicava os seus planos, obrigando-os a manter-se em alerta constante, preparados para qualquer eventualidade. Treinava-os desta forma para surpreender o inimigo em qualquer circunstância.

No entanto, o líder romano conjugava a severidade com a indulgência e sabia elevar a dignidade dos seus homens de diversas maneiras. Por exemplo, equipava-os com armas adornadas com ouro e prata, algo que lhes permitia exibirem-se, ao mesmo tempo que os incitava a lutar com esforço para que não as perdessem em combate. Por vezes, depois de uma grande batalha, libertava-os do serviço e permitia-lhes rédea solta aos seus piores instintos em saques e rapinas.

Júlio César

Um criminoso de guerra?

Plínio sugere que na guerra das Gálias morreram 1.192.000 gauleses. Chega mesmo a emitir um juízo moral sobre este dado, qualificando-o como um ultraje para a espécie humana. Por sua vez, Plutarco, que não faz crítica alguma, fala também de um milhão de escravos como resultado das campanhas cesarianas na Gália. Diz-se que César, sempre desejoso de capitalizar as suas vitórias, recompensou cada um dos seus homens com um escravo. Há que dizer também que a enorme quantidade de escravos que esta guerra proporcionou foi vista com bons olhos pelos contemporâneos de César, inclusive por aqueles que se opunham a ele.

Não parece que o extermínio da população fosse o objectivo de César, nem que este se comportasse como um genocida no sentido moderno. Na Antiguidade, as batalhas travavam-se pela vida ou morte, e era frequente que as baixas fossem numerosas. Por vezes, César comportava-se de forma cruel para impressionar e atemorizar os seus inimigos, mas, em outras ocasiões, apostava na clemência. Em conjunto com o custo em vidas humanas — algo inevitável em qualquer conquista — é necessário valorar também as consequências que a romanização da Gália teve para a posterior história da Europa.

Os homens de César não hesitavam em sacrificar-se por ele e ele sofria por eles quando o infortúnio os atingia. Em 54 a.C., quando algumas tribos belgas atacaram os acampamentos de Inverno de César, a coluna romana foi quase totalmente aniquilada. A derrota afectou muito o general, que deixou crescer a barba e o cabelo em sinal de luto e não os cortou até vingar os seus homens. Acções como esta reforçaram o seu vínculo com os soldados e consolidaram a lealdade destes a ponto de o exército de César ter chegado a ser maior do que o da própria República.

A fidelidade dos homens de César e a sua experiência militar foram determinantes para o sucesso na guerra civil contra Pompeu. Na batalha de Farsália, Pompeu contava com uma superioridade esmagadora: 47 mil soldados de infantaria e 7.000 de cavalaria contra os 20 mil e 800 de César, respectivamente. Pompeu pensava que derrotaria o seu inimigo com facilidade, mas cometeu vários erros de cálculo que César soube aproveitar, demonstrando uma vez mais que a experiência e inteligência no campo de batalha – juntamente com a fidelidade dos seus homens — eram as suas armas mais poderosas. Pompeu, em desespero, procurou refúgio no Egipto, onde viria a ser assassinado.

Júlio César

Noutras ocasiões, o vínculo entre César e os seus legionários foi abalado. No início da guerra das Gálias, os rumores sobre a extraordinária corpulência, frieza e valentia das tropas germânicas de Ariovisto geraram pânico entre os romanos. Para restaurar o moral dos seus homens, César fez uso de todo o seu poder de oratória, tocando nos pontos sensíveis dos seus homens e garantindo-lhes que enfrentaria o inimigo apenas com a décima legião, formada por homens de uma lealdade inquebrável, se necessário. Perante o receio de serem acusados de cobardes, nenhum soldado se retirou e César derrotou Ariovisto. O discurso do líder romano fora, portanto, mais do que eficaz.

De um modo geral, os homens de César não costumavam revoltar-se. Nas escassas vezes em que o tentaram fazer, os motins não foram bem-sucedidos ou não foram aproveitados pelos seus inimigos, como quando parte dos soldados de César se acobardou e fugiu no início da guerra civil, em Dirráquio, e Pompeu não soube utilizar essa vantagem. Em determinada ocasião, a décima legião reivindicou a sua dispensa em Roma no meio de grandes ameaças. Embora precisasse destes homens para a guerra em África, César apresentou-se perante eles, supostamente, para lhes dar o que pediam. No entanto, no seu discurso, utilizou uma palavra que levou a que eles próprios decidissem alterar os seus planos: chamou-lhes “cidadãos”, ao que lhe responderam iradamente, insistindo que eram soldados. Com este gesto astuto, César tocou no ponto sensível dos seus homens e assegurou que a sua legião favorita o seguiria até África.

Seguindo as pisadas de Alexandre

César não queria apenas alcançar a glória militar, mas também consegui-la indo mais além do que qualquer outro líder romano da sua época. A sua ambição era protagonizar proezas e façanhas insólitas que impressionassem o Senado e o povo romano, o que frequentemente se traduzia em operações militares arriscadas e prodigiosas.

Um exemplo disso foi o ataque que organizou de improviso em 74 a.C., ano em que um destacamento do rei Mitrídates do Ponto saqueou um território aliado de Roma e César recrutou tropas locais e enfrentou o inimigo, perpetrando uma acção rápida, arrojada e eficaz, características da sua arte militar. O seu ídolo e modelo a seguir era Alexandre, o general mais brilhante da Antiguidade. No seu desejo de o imitar, César conseguiu ser o líder romano que mais vezes lutou em batalha, combatendo em cerca de 52 ocasiões.

Na sua ânsia de alcançar o que ninguém antes alcançara, César foi o primeiro comandante romano a atacar os germanos no seu próprio território em 55 a.C., após construir uma ponte sobre o Reno. Foi também o primeiro a atravessar o canal da Mancha com o seu exército para conquistar a Britânia: assim, chegou ao extremo ocidental do continente, tal como Alexandre chegara aos limites do Oriente. Em Alésia, último reduto dos gauleses rebeldes de Vercingetórix, os romanos cercaram a cidade com uma dupla linha de fortificações de cerco, com cerca de 16 quilómetros. Foi uma espectacular obra de engenharia construída em tempo recorde. Embora algumas destas proezas não tenham tido grandes consequências para Roma (como a invasão da Britânia, um território que nunca foi dominado totalmente), a sua repercussão propagandística deverá ter sido muito importante, conseguindo aumentar o prestígio pessoal de César como um génio militar corajoso e tenaz.

Entre a crueldade e a clemência

César sabia quando tinha de ser implacável e quando devia mostrar compaixão, não apenas com os seus soldados, mas também com os seus inimigos. Punia ou perdoava as faltas, consoante o que fosse mais proveitoso em cada situação. Em 52 a.C., o seu exército sitiou e conquistou a cidade de Avárico, nas mãos gaulesas, deixando apenas 800 sobreviventes entre os 40 mil habitantes. Durante o cerco de Alésia, quando os romanos rodearam a cidade com fortificações, os gauleses, desesperados, fizeram sair mulheres, crianças e idosos para pouparem os víveres de que dispunham, confiando que os romanos os deixariam passar. César não lhes permitiu atravessar as suas linhas, e acabaram por morrer à fome entre as duas frentes. Por fim, Vercingetórix teve de se render e César conseguiu a vitória. Muitos foram feitos escravos e o próprio chefe gaulês foi levado prisioneiro para Roma, onde permaneceu encarcerado durante anos até ser estrangulado depois de participar no desfile triunfal de César em 46 a.C.

Júlio César

Este relevo do século II d.C., cópia do original da Coluna de Trajano, mostra os legionários construindo um campo fortificado. César revelou-se um mestre consumado nesta arte.

Noutras ocasiões, no entanto, César mostrou clemência. Na guerra contra os helvécios, por exemplo, perdoou os derrotados e permitiu-lhes regressar ao seu lugar de origem. Poderia tê-los escravizado, mas, desta forma, podia utilizá-los para bloquear o caminho aos germanos. Na guerra civil, também mostrou clemência pelos adversários, embora sem deixar de lutar contra aqueles que rejeitavam a sua liderança. Assim, César protagonizou episódios de compaixão que suavizaram a sua imagem, ao mesmo tempo que serviam um propósito estratégico.

Em suma, Júlio César foi um homem corajoso e carismático, capaz de ganhar o respeito dos seus homens e de administrar astutamente a clemência. As suas enormes proezas continuam a despertar admiração até hoje. A confiança em si próprio e na sua estrela da sorte levou-o a dominar a cena política romana, através de um exército extraordinariamente fiel. Depois de vencer todos os inimigos no campo de batalha, foi vilmente assassinado às mãos de um grupo de conjurados no próprio coração da cidade pela qual tanto lutara.

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