iluminação

Luz para viver e trabalhar à noite. A gravura mostra como eram acesas todas as noites as lanternas que iluminavam as ruas de Paris em finais do século XVII. A operação era realizada por habitantes eleitos para executar a tarefa em cada bairro, durante dois meses, no período de Outubro a Março. Um fazia soar o sino à hora estabelecida, altura em que o outro vizinho, neste caso uma mulher, colocava na lanterna uma vela que o filho retirara pouco antes de um saco. Terminada esta operação, outro vizinho (na imagem, ao fundo à direita) accionava uma roda para fazer subir a lanterna, que ficava pendurada no meio da rua. À esquerda da imagem, vê-se um local bem iluminado, propriedade de um traiteur, um cozinheiro que preparava comida para os clientes levarem para casa. O desenho pretende transmitir a imagem de uma cidade que tem ruas limpas e seguras, graças à iluminação pública que permitia que os negócios estivessem abertos até tarde da noite, algo excepcional na Europa da época. Gravura de Nicolas Guérard Filho, intitulada O sino tocou, baixa a lanterna. Finais do século XVII.

No final do século XVII, a iluminação pública permitiu a movimentação nocturna e segura nas cidades.

Texto: Alfonso López

Durante séculos, as cidades europeias tinham um aspecto sombrio à noite. A partir do toque de recolher, tudo desaparecia numa absoluta escuridão, só compensada pelo brilho das estrelas e pelo esplendor da Lua. O melhor, por isso, era ficar fechado em casa, mas por vezes era necessário sair, fosse por motivos de trabalho, para ir à igreja ou para assistir ao teatro, a um baile ou um jantar em casa de amigos. No Inverno, era habitual o crepúsculo surpreender as pessoas fora de suas casas.

O problema não era apenas a falta de luz, mas também a insegurança, pois a noite tornava-se no reino dos criminosos. Quando as sombras pacíficas do crepúsculo / fazem fechar as lojas com grades duplas, / os ladrões tomam conta da cidade”, escreveu o poeta Boileau em 1666 a propósito de Paris.

Nesta cidade, uma ronda nocturna, que incluía quarenta homens armados, percorria as ruas com tochas, mas dificilmente conseguia proteger e abarcar uma urbe que no século XVII já ultrapassava 500 mil habitantes.

Com velas na mão

Os indivíduos mais afoitos que saíam à noite levavam consigo lanternas de mão para iluminar o caminho, compradas em lojas especiais ou improvisadas – como uma vela envolvida num cone de papel. Os ricos levavam um criado à frente com uma lanterna, uma tocha ou flambeau, velas de cera (e não de gordura como outras) que se usavam especialmente para os trajectos nocturnos. Em resultado disto, no início do século XVII, surgiu uma nova profissão: os porta-tochas de aluguer, que se manteriam vigentes durante o século XVIII e até ao século XIX. Os porta-tochas colocavam-se nas esquinas das ruas principais ou na saída dos teatros e dos salões de baile e ofereciam-se para acompanhar os cidadãos até às suas casas a troco de pagamento. No século XVIII, o cronista Mercier explicava que os porta-tochas anunciavam-se e conduziam as pessoas “a sua casa, ao seu quarto, mesmo que se tratasse de um sétimo andar”.

velas

Guias nocturnos. Em Inglaterra, existiram porta-tochas até ao século XIX. Chamavam-lhes link-boys ou link-men, segundo o tipo de tocha que transportam (em inglês, link). Não tinham boa fama, pois suspeitava-se que muitos trabalhavam em conluio com assaltantes. Na imagem Link-man acompanhando um casal. Século XIX.

Os porta-tochas privados, no entanto, não bastavam, pois como dizia o autor em 1667,“a maior parte dos burgueses e homens de negócios não tem meios para manter criados para os iluminarem à noite e por isso não se aventuram a andar nas ruas”. Era indispensável resolver o problema da iluminação pública, de forma a recuperar a sensação de segurança.

Desde o século XVI, as autoridades de muitas cidades europeias tentaram obrigar os habitantes a colocar lanternas na fachada das suas casas e a mantê-las acesas do crepúsculo até à meia-noite. O sucesso do sistema não foi igual em todos os lados, mas em 1667 essa foi a base para se criar em Paris aquele que foi considerado o primeiro sistema de iluminação pública de uma grande cidade europeia.

O Rei Sol faz nascer a luz

La Reynie, tenente de Luís XIV em Paris, promulgou uma ordem onde afirmava que “a maioria dos roubos são cometidos ao abrigo da escuridão e das trevas em alguns bairros e ruas onde não existem lanternas instaladas”e ordenava aos proprietários das casas que colocassem lanternas onde não as havia. Desta forma, foram instaladas 2.700 lanternas nas 900 ruas da cidade, número que meio século mais tarde já duplicara.

As luzes deviam acender-se entre Outubro e Março, aproximadamente das seis horas da tarde à meia-noite. A transformação foi espectacular, ou pelo menos assim o afirmavam as pessoas da época. Um poeta congratulava-se com a paz e tranquilidade que reinavam agora nas ruas: “Todos estão agora seguros em Paris. Do moço de recados ao fabricante de tecidos, nenhum teme os bandidos. Já não se ouve gritar ‘Agarra que é ladrão!’O número de assassinos, envenenadores, mulheres públicas e blasfemadores diminuiu e as ruas estão menos sujas.” No entanto, havia quem encontrasse inconvenientes na inovação: “Antes desta época”, escrevia o abade Terrasson,“todos, com medo de serem assassinados, regressavam a casa cedo, o que resultava em proveito do estudo. Agora todos passam a noite fora e ninguém trabalha”.

candeeiro

O candeeiro de rua, uma invenção holandesa. As lanternas instaladas em Paris impressionavam os visitantes e pode dizer-se que o futuro da iluminação pública moderna começou quase ao mesmo tempo noutra cidade: Amsterdão. Ali, Jan van der Heyden inventou uma luminária de rua que funcionava a óleo, provida de reflectores que multiplicavam a luz. Em 1669, a metrópole neerlandesa criou uma rede de luminárias nas ruas e espaços abertos para dar segurança aos transeuntes não apenas contra os ladrões, mas também para reduzir o risco de quedas nos canais. Berlim adoptou este sistema em 1682 e, no ano seguinte, Anthony Vernatty introduziu em Londres uma luminária parecida, a chamada “lâmpada convexa”. Na imagem lanterna a óleo com reflector. Projecto do arquitecto Pierre Patte. Amsterdão, 1766.

Os forasteiros que visitavam Paris apercebiam-se da diferença que existia em relação às suas cidades de origem. Um siciliano dizia:“A invenção de iluminação de Paris durante a noite, através de uma infinidade de luzes, merece que os povos mais distantes venham ver o que os gregos e romanos nunca pensaram para a gestão dos seus Estados. Estas luzes, fechadas em lanternas de vidro suspensas no ar e à mesma distância, apresentam uma ordem admirável e iluminam toda a noite.”Também para um inglês, em 1698, era algo notável: “As ruas estão iluminadas todo o Inverno, até durante a Lua cheia.”As lanternas estão suspensas a meio da rua a uma altura de 20 pés [cerca de 6 metros] e a uma distância de 20 passos umas das outras”.

O entusiasmo inicial e a surpresa dos forasteiros não escondia as limitações da iluminação feita apenas com simples velas: luz pouco intensa, risco permanente de se apagarem por causa do vento, necessidade de se cortar a mecha de hora a hora (tarefa assegurada por um funcionário ou criado), poucas lanternas nas ruas longas, a destruição por parte dos malfeitores… Como se isto fosse pouco, um sucessor de La Reynie decidiu que era preciso poupar e ordenou que não se acendessem as lanternas em noites de Lua cheia, o que muitos criticavam porque, em noites de nevoeiro, a escuridão voltava a ser total.

Luzes que deslumbram

Face a estes inconvenientes, em meados do século XVIII, as autoridades de Paris promoveram o uso de um novo tipo de candeeiros a óleo providos de reflectores como os que tinham sido desenvolvidos nos Países Baixos e em Inglaterra desde finais do século anterior. Em 1766, foi lançado um concurso público, ganho por um relojoeiro da Borgonha, Bourgeois de Châteaublanc, com um modelo de candeeiro inventado vinte anos antes. Châteaublanc comprometeu-se a instalar 2.400 candeeiros (um número inferior às lanternas anteriores, mas mais luminosos) e a encarregar-se da sua manutenção.

pont neuf

A Pont Neuf de Paris, iluminada por candeeiros eléctricos. Fotografia de Brassaï. Fundo Gilbert Brassaï, Paris.

Uma vez mais, a inovação foi recebida com grande entusiasmo. “O reino da Noite vai terminar./ Globos brilhantes, astros novos, / que toda a Paris admira no meio da escuridão/ dissipai os seus horrores fúnebres/ com a claridade das vossas chamas.” Alguns até se queixavam que a luz era demasiado intensa e ofuscava os transeuntes e os cocheiros, ao que Châteaublanc respondia que não percebia porque olhavam para os candeeiros e não para a estrada. Graças à sua maior luminosidade, os candeeiros podiam ser colocados a maior altura do que as lanternas, ficando deste modo resguardados dos ataques dos vândalos noctívagos.

O cronista Restif de la Bretonne destacava as vantagens do novo sistema: “As tristes lanternas providas de vela eram tão numerosas e emitiam tão pouca luz que todas tinham de estar acesas para se ver debilmente. Hoje, o trabalho é realizado por um número menor [de candeeiros] e, quando um candeeiro está aceso, lança à distância um brilhante resplendor. Estamos melhor e este progresso é dos nossos dias!”. Que teria dito se tivesse podido ver a iluminação a gás, introduzida em Inglaterra em 1802, e os candeeiros eléctricos que chegaram na década de 1880?

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