Na véspera do Diwali, o festival das luzes Hindu, pessoas amontoam-se num mercado em Bangalore. Ainda este ano a Índia tornar-se-á o país mais populoso do mundo, substituindo a China, que se mantinha no topo há dois milénios. No momento em que a população atinge 8 mil milhões, alguns países, como a Nigéria, estão a conhecer um crescimento acelerado, enquanto outros, como o Japão, estão a diminuir. Fotografia de Manjunath Kiran.
A população mundial aumentou mil milhões em apenas 12 anos. As implicações para o planeta — e para o nosso próprio bem-estar — dependem de como lidarmos com as alterações climáticas.
Texto: Craig Welch
Desde o aparecimento do Homo sapiens, foram necessários cerca de 300.000 anos até existirem mil milhões de pessoas sobre a Terra. Isso aconteceu por volta de 1804, o ano da descoberta da morfina, quando o Haiti declarou a independência de França e Beethoven fez a primeira interpretação da sua Terceira Sinfonia em Viena.
Acrescentámos o nosso mais recente milhar de milhão desde o primeiro mandato de Barack Obama como presidente dos E.U.A.. Apenas doze anos depois de termos atingido os sete mil milhões, é muito provável que o planeta ultrapasse os oito mil milhões de pessoas algures em meados de Novembro, segundo estimativas das Nações Unidas baseadas nas suas melhores projecções demográficas.
O momento exacto em que isso acontecerá, porém, é incerto. Em algumas partes do mundo, os dados de recenseamento têm décadas de idade. Durante a COVID-19, foi virtualmente impossível para alguns países registarem todas as mortes. Até os modelos informáticos sofisticados têm uma margem de erro de um ano ou mais. Não é como se alguém tivesse feito uma contagem de cabeças pessoa-a-pessoa.
No entanto, as Nações Unidas estão a declarar o dia 15 de Novembro como “Dia dos Oito Mil Milhões” porque não há como negar a importância deste momento. Seres humanos de todo o mundo vivem mais tempo, graças a melhores cuidados de saúde, água mais limpa e melhorias nas condições sanitárias – tudo factores que diminuíram a prevalência de doenças. Os adubos e a irrigação aumentaram o rendimento das colheitas e a nutrição. Em muitos países, nascem mais crianças e morrem muitas menos.
É claro que os desafios que enfrentamos à medida que a população mundial continua a aumentar também são significativos. A poluição e a sobrepesca estão a degradar muitas zonas dos oceanos. A vida selvagem está a desaparecer a um ritmo alarmante, à medida que os seres humanos eliminam florestas e outras zonas bravias para fins de desenvolvimento, explorações agrícola e fabrico de produtos comerciais obtidos a partir das árvores. As alterações do clima, impulsionadas por um sistema de energia global que ainda é esmagadoramente alimentado por combustíveis fósseis, está rapidamente a tornar-se a maior ameaça histórica à biodiversidade, segurança alimentar e acesso a água para ingestão humana e fins agrícolas. Tudo isto com o número de pessoas que já temos.
População mundial ultrapassa os 8 mil milhões. As Nações Unidas declararam o dia 15 de Novembro de 2022 como “Dia dos Oito Mil Milhões” para assinalar a sua estimativa de que a humanidade alcançou outro patamar de milhar de milhão. Enquanto alguns demógrafos norte-americanos projectam que a população mundial exceda os 10 mil milhões este século, outros grupos de investigação prevêem um pico mais cedo.
Os riscos e as oportunidades da nossa explosão demográfica e crise de recursos paralela dependem muito de decisões que ainda não tomámos. O que irá controlar mais o nosso futuro — os milhares de milhões de boca que teremos de alimentar ou os milhares de milhões de cérebros adicionais com que poderemos contar para o fazer?
“Na minha opinião, os impactos exactos na vida humana no futuro ainda não foram determinados”, diz Patrick Gerland, que supervisiona estimativas demográficas para o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.
“Até à data, em termos gerais, o mundo tem sido bem-sucedido a adaptar-se e encontrar soluções para os nossos problemas”, diz Gerland. “Acho que precisamos de estar um pouco optimistas.”
No entanto, ele reconhece que as alterações climáticas são uma ameaça poderosa. “Mantermos simplesmente o status quo e não fazermos nada não é uma opção”, diz. “Gostemos ou não, as alterações estão a acontecer e a situação não vai melhorar sozinha. São necessárias intervenções presentes e futuras.”
Fumie Takino, de 89 anos, é a fundadora e membro mais velha de uma claque sénior de Tóquio chamada Japan Pom Pom. Em 2010, a população do Japão atingiu o seu auge, com 128 milhões. Agora tem 125 milhões e está projectado um declínio para as próximas quatro décadas. A população do país é a mais velha do mundo. Fotografia de Kim Kyung-Hoon.
Entretanto, a nossa explosão populacional geral disfarça tipos muito diferentes de alterações demográficas que estão a ocorrer no mundo. E os melhores especialistas mundiais em demografia não concordam sobre o futuro da nossa população.
As alterações demográficas variam dramaticamente
O mundo está a enfrentar a probabilidade de enormes explosões e colapsos demográficos em simultâneo. Os mais significativos ocorrem em lados opostos do planeta.
Talvez ainda este ano, pela primeira vez em dois milénios, a China deixará de ser o país mais populoso da Terra, quando a Índia finalmente o ultrapassar. Mesmo antes da política do filho único na China, que entrou em vigor em 1980, “os nacimentos na China estavam a diminuir de forma quase contínua”, diz Gerland. Só na década de 1970, a taxa de natalidade caiu para metade. Com o aumento das oportunidades de educação e de carreira, cada vez mais mulheres atrasam a maternidade e já existem menos mulheres em idade fértil.
Estas tendências aceleraram durante a pandemia. Nasceram menos 45 por cento crianças em 2020 do que em 2015. A taxa de natalidade da China é agora muito inferior à dos E.U.A.
Mesmo com uma das mais longas esperanças de vida de qualquer país – 85 anos – prevê-se que a população de 1.400 milhões da China comece a diminuir em breve – com efeito, esse declínio pode já ter começado. A população activa está a encolher há uma década. Neste momento, não chega a haver dois trabalhadores para sustentar cada reformado ou criança. Nos próximos 25 anos, o país deverá ter 300 milhões de pessoas com mais de 60 anos a sobrecarregar os recursos do estado, segundo um relato publicado na revista Nature. Espera-se que os custos com os cuidados de saúde dupliquem.
Em Lagos, na Nigéria, Emmanuel e Nwakaego Ewenike vivem num quarto com os seus quatro filhos há 11 anos. Não têm água canalizada e a electricidade é intermitente, uma situação que Emmanuel diz ser “muito má”. Mais de um terço do povo da Nigéria vive em pobreza extrema – a taxa mais alta do mundo. A população do país poderá quadruplicar até ao fim do século. Fotografia de Yagazie Emezi.
Em África, por outro lado, as tendências estão a avançar rapidamente na direcção oposta. Na região do Sahel, a população está a expandir-se rapidamente. A idade media da Nigéria é apenas 17 anos, menos de metade da chinesa. As taxas de natalidade também estão a diminuir, mas permanecem 20 vezes mais altas do que as da China.
A segurança alimentar já é uma preocupação. Mais de um terço do país vive em condições de pobreza extrema, um número mais elevado do que em qualquer outro país, incluindo a Índia, que é seis vezes maior. Um terço de todos os agregados familiares incluem um adulto que tem de prescindir de refeições ocasionalmente para a sua família sobreviver.
Actualmente fixada em 216 milhões, a população do país poderá quadruplicar até ao fim do século segundo algumas estimativas. Por essa altura, poderá ter mais pessoas do que a China, que tem 10 vezes mais terra. No entanto, tudo isso depende das taxas de natalidade. Todas estas projecções são baseadas em pressupostos e a realidade pode ser muito diferente.
O maior factor por detrás do decréscimo da natalidade é a educação, sobretudo das raparigas. Há uma década, investigadores determinaram que o aumento do acesso à educação poderia abrandar o crescimento da população mundial em mil milhões até meados do século. Quanto e quão depressa expandimos essas oportunidades de educação ao longo das próximas décadas são algumas questões importantes a responder, que irão determinar quantos de nós viverão na Terra quando nos aproximarmos de 2100.
A taxa de natalidade da China tem continuado a diminuir. À medida que as oportunidades de educação e carreira aumentam, as mulheres estão a escolher ter menos filhos. Embora os seus habitantes vivam mais, em média, do que na maioria dos países, a população de 1.400 milhões da China pode já ter iniciado o seu declínio. Fotografia de Justin Jin.
Prever a população mundial é complicado
Avaliar a população a curto prazo não é terrivelmente polémico. “A maioria das pessoas que estarão vivas em 2050 já estão vivas hoje”, diz Gerland.
As Nações Unidas, um grupo de investigadores da Universidade de Washington, em Seattle, e especialistas em Viena, na Áustria, tendem, em grande parte, a concordar sobre aquilo que os próximos 25 anos nos reservam. Com base em acontecimentos passados, pelo menos, poucos esperam outra pandemia global mortífera tão cedo. Apesar de crises como a guerra na Ucrânia, os demógrafos também não prevêem outra migração em massa a nível mundial até meados do século. A maioria dos especialistas pensa que a população deverá exceder nove mil milhões por essa altura.
Depois disso, as projecções variam bastante. Há alguns anos, as Nações Unidas estimaram que, até 2100, a população mundial pudesse aumentar até 11 mil milhões. No início de 2022, reviu essas estimativas por baixo, para cerca de 10.400 milhões, graças ao progresso na diminuição do número de crianças nascidas em cada família. Em 2018, no Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada, em Viena, investigadores projectaram um possível aumento da população para 9,7 mil milhões em 2070, seguido de um recuo para cerca de 9 mil milhões até ao fim do século. Basearam-se em pressupostos diferentes, sobretudo na opinião de especialistas globais. “A narrativa principal não é apenas sobre a fertilidade, mas sobre o progresso no combate à mortalidade infantil e neo-natal”, diz Anne Goujon, directora do programa demográfico da IIASA.
Quando o mundo ganhou mais mil milhões de pessoas, algumas regiões cresceram mais depressa do que outras. Entre 2011 e 2022, as Nações Unidas estimam que a população mundial tenha aumentado de 7 para 8 mil milhões. África foi o local com o crescimento mais acelerado, com três regiões a aumentar mais de 25 por cento. A Ásia Oriental, que conheceu um crescimento acelerado em décadas anteriores, só aumentou 4,9 por cento.
Entretanto, o Institute for Health Metrics, de Seattle, acha que a população alcançará cerca de 9.700 milhões em 2064, mas descerá para 8.800 milhões, ou menos, até ao fim do século. As populações podem diminuir metade em quase duas dezenas de países, incluindo a Bulgária e Espanha. Grande parte da diferença baseia-se num método complexo que os investigadores usam para calcular as taxas de natalidade no futuro.
Para além das diferenças entre os modelos, todos os investigadores concordam que os esforços até à data desenvolvidos para incorporar as alterações climáticas nas futuras projeções demográficas têm sido inadequados. Isso deve-se, em parte, ao facto de o potencial efeito depender bastante de quão rapidamente o mundo reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa. No entanto, parte da dificuldade reside também na avaliação dos impactos climáticos. O calor extremo pode tornar inabitáveis zonas do Médio Oriente, da África subsariana e da Índia. As tempestades podem agravar a segurança alimentar. E como irão as pessoas reagir ao aumento dos níveis dos mares em regiões costeiras densamente povoadas?
“Ninguém está a fazer isto da maneira certa neste momento”, diz Stein Emil Vollset, que supervisiona as estimativas demográficas do IHME.
E, para além das estimativas da população mundial, as alterações climáticas e a política também deverão influenciar bastante a migração entre países. A população dos E.U.A. e da Europa ocidental tem sido, em grande parte, sustentada pela imigração, mas isso tornou-se uma questão política delicada. Outros países com populações em decréscimo, como o Japão, têm sido ainda mais relutantes no acolhimento de imigrantes.
No entanto, essas tendências desequilibradas, entre aumentos e declínios da população, exacerbadas pelas alterações climáticas, irão quase certamente aumentar a pressão exercida pela imigração em quase todos os locais.
“A única de maneira que temos de sair deste desequilíbrio demográfico”, diz Vollset, “é através de uma colaboração internacional bem gerida”.