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Com 5 bebés, dá sete. Após cinco anos a tentar conceber, Foyeke Omage e o marido, Ewanle, tiveram quíntuplos por milagre. No entanto, ficaram endividados. O país que estas crianças herdarão será muito diferente. Até 2050, quando tiverem 29 anos, a Nigéria deverá ter mais 150 milhões de habitantes.

Até 2050, espera-se que a Nigéria acomode 377 milhões de habitantes num país com menos de um décimo do tamanho dos Estados Unidos.

Texto: Adaobi Tricia Nwaubani
Fotografias: Yagazie Emezi

No Outono passado, a Terra acolheu o ser humano n.º 8.000 milhões. Nunca tantos membros da nossa espécie viveram em simultâneo neste planeta.

Ninguém sabe ao certo a hora ou o local em que este marco foi atingido, nem quem é esse 8.000 milionésimo habitante. Esse bebé poderia ser qualquer um dos cerca de 12 milhões que nasceram no mundo nesse mês. Poderá ter nascido num hospital de Tóquio, numa quinta do Wyoming, num abrigo antiaéreo de Kiev, num campo de refugiados do Ruanda ou numa aldeia isolada do Árctico. O número 8.000 milhões poderá também ser Eziaku Kendra Okonkwo, uma menina de 2,75 quilogramas nascida em Abuja, na Nigéria, no dia 12 de Novembro de 2022, filha de Kenneth e Amara Okonkwo.

A Nigéria é um candidato possível para essa distinção, uma vez que, com 224 milhões de habitantes, é o país mais populoso de África. Graças em parte aos seus modestos avanços em cuidados de saúde, a mortalidade infantil desceu para 72 mortes em cada mil nados-vivos e a esperança de vida aumentou para 53 anos (embora os indicadores ainda estejam abaixo das metas da ONU). Estes e outros factores, aliados a tradições que favorecem famílias numerosas, criaram uma das populações em mais rápido crescimento do mundo.

Segundo as projecções, até 2050, ano em que Eziaku completará 28 anos, a Nigéria terá 377 milhões de habitantes, tornando-se o terceiro país mais populoso do mundo, superado apenas pela Índia e pela China.

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Investimento necessário. Viajantes e vendedores convivem junto de um terminal de autocarros de Lagos, uma cidade com mais de 15 milhões de habitantes. Apesar do investimento da Nigéria em infra-estruturas, o Banco Mundial estima que o país terá de gastar biliões de euros até 2050 para maximizar o potencial da sua população em rápido crescimento.

Partindo do princípio de que a criança permanecerá na Nigéria, qual será o aspecto do país de Eziaku? Todas estas pessoas têm as suas preferências culturais, as suas políticas e práticas religiosas. Todas precisam de comida, emprego, transportes, água, saneamento, electricidade, cuidados de saúde e escolas, entre outros serviços. Segundo os indicadores demográficos, será esse o aspecto da Nigéria até meados do século.

As estatísticas são fundamentais para projectar o futuro, mas também são desligadas dos seres humanos que pretendem representar. Observemos, então, o futuro da Nigéria, a minha terra natal, através dos olhos de Eziaku, que crescerá num país diferente daquele em que eu e os seus pais crescemos.

Eziaku descansa tranquilamente nos braços maternos, com o rosto gorducho várias vezes mais escuro do que o da mãe, uma das muitas características que a bebé partilha com a avó, com quem os parentes dizem que se parece. Amara deu a Eziaku o nome da sua mãe, professora primária reformada que morreu aos 71 anos, quatro meses antes de a neta nascer. Sofria de diabetes e de problemas renais e fez diálise durante a maior parte da gravidez da filha.

Apesar da sua saúde debilitada, nunca parou de se preocupar com a filha e com a neta por nascer. “Depois de ela morrer, descobri que telefonou às minhas tias e à minha irmã mais velha para assegurar-se de que tomavam conta de mim quando a bebé nascesse”, diz Amara. “Calculo que soubesse que iria morrer.”

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A próxima geração. Mães grávidas esperam para serem atendidas por Itoko Ebiere (de bata), que trabalha como parteira há 35 anos. Embora tenham ocorrido melhorias nos cuidados de saúde da Nigéria, uma em cada cinco mães ainda morre no parto devido à falta de cuidados de saúde e de pessoal médico com formação.

Amara e Kenneth pertencem ao grupo étnico igbo, do Sudeste da Nigéria, que pratica o omugwo, um ritual que exige uma avó materna para prestar cuidados pós-parto. Durante este período, ela toma conta do bebé e ajuda a filha a adaptar-se ao papel de mãe, garantindo que ingere refeições nutritivas com especiarias locais para aumentar a produção de leite e ajudando-a a massajar a barriga com água quente para expelir coágulos sanguíneos do útero. A irmã de Amara ocupou o lugar da mãe na tradição.

O parto de Eziaku num hospital privado assinalou uma mudança em relação ao nascimento da sua mãe. Amara nasceu numa “maternidade” da Cidade do Benim, em 1988, quando a Nigéria tinha uma população de “apenas” 90,4 milhões. O pai de Amara era sacerdote e a maternidade era uma espécie de clínica, propriedade de uma igreja e gerida por mulheres com experiência na área, mas sem formação profissional. “Quando eu era pequena, a minha mãe mostrou-me a mulher que a ajudara no meu parto”, diz Amara. “Acho que ela não era enfermeira, nem parteira. Naquela altura, os cuidados de saúde eram empíricos. Não me lembro de ter ido alguma vez ao hospital em criança. A minha mãe perguntava às pessoas o que fazer sempre que não nos sentíamos bem e dava-nos remédios com base nas sugestões que recebia. ‘Se tiveres febre, toma isto. Se te doer a barriga, toma aquilo’.”

Muitas mulheres da Nigéria ainda preferem ser assistidas por parteiras tradicionais e não no hospital, não só por confiarem no conhecimento destas mulheres experientes mas também por estas se encontrarem mais perto de sua casa e serem mais baratas. A proporção de bebés nigerianos nascidos em unidades de saúde aumentou mais de 85% desde que Amara era pequena, mas ainda representa menos de metade dos partos do país.

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Seis décadas de liberdade. Um desfile em Lagos comemora a libertação da Nigéria do domínio colonial, ocorrida em 1960. O país é a maior democracia de África e os seus líderes esforçam-se por forjar um sentido de unidade entre os mais de duzentos grupos étnicos. O presidente Muhammadu Buhari sublinhou que “eleições livres, justas, credíveis e transparentes” são essenciais para o sucesso da Nigéria à medida que a sua população aumenta.

Amara teve o seu primeiro bebé num hospital público, mas, depois de ouvir algumas histórias preocupantes sobre cuidados de saúde inadequados em hospitais públicos da capital, Abuja, decidiu ter Eziaku num hospital privado. “Houve uma diferença nos cuidados entre o meu primeiro e o segundo bebé”, afirma. “Recebemos mais atenção quando estamos em hospitais privados.” Por 140.000 nairas (cerca de 290 euros), a conta também foi cinco vezes superior, mas Amara e Kenneth estavam dispostos a pagá-la.

Segundo o Banco Mundial, o rácio médico-pacientes da Nigéria é 1 para cerca de 2.500, comparado com 1 para 385 nos EUA. O governo nigeriano subsidia a formação de médicos nas faculdades de medicina do país, mas as más condições de trabalho e a baixa remuneração incitam muitos médicos a procurar melhores oportunidades no Reino Unido, nos EUA e na África do Sul, deixando o sistema de saúde da Nigéria. Entre Dezembro de 2021 e Maio de 2022, 727 médicos formados na Nigéria emigraram só para o Reino Unido. A manter-se a tendência actual, Eziaku crescerá num país onde mais pessoas terão acesso a unidades de saúde do que na era dos seus pais, mas ainda haverá grave escassez de médicos formados.

Sentada no único quarto do seu apartamento no subúrbio de Kubwa, nos arredores de Abuja, Amara embala Eziaku adormecida enquanto a sua irmã de 2 anos, Ifeyinwa, corre de uma divisão para a outra. A cama do casal está coberta com uma manta azul. Do outro lado do quarto, um lençol cor-de-rosa tapa um quarto mais pequeno para as crianças. Amara sorri ao tocar nos dedinhos dos pés e das mãos de Eziaku. Tira fotografias e filma a bebé abraçada pela irmã. Para os auto-retratos com Eziaku, ela solta as tranças, deixando-as cair sobre as suas bochechas redondas enquanto vira a bebé para a câmara.

No entanto, esta mãe extremosa ficou um pouco perturbada quando soube que estava de novo grávida. “Preocupei-me com um novo bebé porque não estou a trabalhar”, diz. Kenneth namorou a possibilidade de ser um rapaz: o seu sonho. “Deus cuida sempre da criança que Ele traz”, comenta. “Afinal, era uma rapariga, não há problema. Vou dar-lhe todo o apoio que ela precisar.”

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Elites em crescimento. Chegando em grande estilo ao copo de água do seu casamento, o apresentador televisivo Jimmie Akinsola e a consultora de moda Kanayo Ebi pertencem a um grupo pequeno, mais crescente, de jovens adultos prósperos. Os rendimentos são um factor decisivo nos planos matrimoniais dos nigerianos. As mulheres mais pobres do país casam-se em média aos 16 e as mais ricas aos 24 anos.

Kenneth é licenciado em gestão de empresas e trabalhava no Ministério da Ciência e Tecnologia quando o casal se casou, em 2019. Na altura, Amara era mestranda de ciência computacional. Kenneth ainda tem o mesmo emprego, onde ganha quase o quádruplo do salário mínimo nacional – 30.000 nairas (62 euros) por mês, mas Amara tem tido dificuldades em arranjar emprego desde que terminou o curso, apesar de dezenas de candidaturas submetidas através da Internet.

O número de nigerianos sem emprego tem aumentado na última década. Agora, mais de um terço dos nigerianos estão desempregados, 17% dos quais com pós-graduações. Todos os anos cerca de dois milhões de alunos são admitidos nas universidades e institutos politécnicos da Nigéria e cerca de 600 mil novos licenciados entram no mercado de trabalho, mas não há oportunidades suficientes. O Banco Mundial estima que o país precise actualmente de criar 2,5 milhões de empregos por ano para fazer face à procura. O número terá de crescer até Eziaku se licenciar, o que, segundo os planos dos seus pais, deverá acontecer na década de 2040.

Kenneth e Amara vivem do seu salário e o dinheiro acaba com frequência antes de o mês chegar ao fim. Os pais de Kenneth já morreram e o pai de Amara, com 76 anos, está reformado. “Eu e os meus irmãos contribuímos com dinheiro para cuidar dele”, diz ela. Apesar disso, a sua situação insere-os na classe média nigeriana, à frente de dois terços dos seus conterrâneos.

Amara esperava conseguir emprego antes do nascimento da segunda bebé. “A gravidez não foi planeada”, diz. “Não acho que seja só uma questão de dinheiro. É preciso muito para cuidar de um filho.” Kenneth acredita que serão capazes de satisfazer todas as necessidades de Eziaku, mas existe uma área na qual reconhece que poderão ficar aquém. Na sua juventude, Amara era a mais nova de cinco irmãos e os pais de Kenneth tiveram sete filhos. Kenneth descreve a sua casa de então como uma colmeia, cheia de movimento, com quase duas dezenas de crianças no interior, incluindo primos e outros membros da família alargada. “Ir para casa era sempre divertido”, diz. Tinha sempre com quem brincar. “Os meus filhos não vão ter as famílias grandes que nós tivemos.”

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Viver com pouco. Emmanuel e Nwakaego Ewenike vivem com quatro filhos num apartamento de um quarto, na cidade de Ajegunle. Cerca de trinta pessoas partilham o edifício, que não tem água canalizada nem electricidade. O ambiente para criar crianças é “mau”, conta Emmanuel. No entanto, ele e Nwakaego conseguem que eles frequentem a escola e aulas de religião.

A taxa de fecundidade da Nigéria era superior a sete filhos por mulher quando Kenneth nasceu, em 1983. Em 2004, o governo lançou um plano de dez anos destinado a reduzir a taxa de fecundidade para apenas quatro filhos por mulher e a aumentar o uso de contraceptivos pela população sexualmente activa do país, elevando-o a 30%. A taxa de fecundidade desceu ao longo da década seguinte, mas apenas para 5,5 filhos por mulher, pois menos de 10% dos casais usa contracepção. O fracasso da política não foi surpreendente. Desde o início que muitos nigerianos condenavam a recomendação do governo, segundo a qual uma mulher não deveria ter mais do que quatro filhos, embora a directiva tivesse sido parcialmente baseada em estudos que mostram que a saúde da mãe começa a sofrer após a quarta gravidez. “As pessoas citam sempre mal essa política”, diz Akanni Akinyemi, professor de demografia na Universidade Obafemi Awolowo. “Dizem que não podemos ter mais do que quatro filhos, como se fosse uma lei. Não era nada disso”, diz-me. “Pedia-se apenas para a população tomar uma decisão racional sobre planeamento familiar.”

Amara conhece as iniciativas de planeamento familiar do governo e considera-as positivas. “Olhe para quantos somos agora e há pessoas com dificuldades em sobreviver. Os ricos da Nigéria estão a chorar e os pobres também. Todos estão com problemas. Imagine como será ainda mais difícil se a nossa população continuar a crescer”, afirma. No entanto, ela não usa métodos de contracepção modernos, preferindo métodos de planeamento familiar naturais, como o aleitamento prolongado, que reduz a fertilidade, e evitar as relações sexuais durante a ovulação.

“A minha mãe aconselhou-me a não meter no meu corpo essas coisas que as pessoas metem no corpo para o planeamento familiar”, diz Amara, mencionando histórias que ouviu sobre efeitos secundários do uso de contraceptivos. “Ela acreditava que tudo acontece com naturalidade, sobretudo quando rezamos e acreditamos em Deus. Por enquanto, vou seguir os seus conselhos.” Amara ri-se enquanto admite com timidez que poderá ter até quatro filhos, uma vez que não planeia parar até ter um rapaz. “Se o terceiro for uma rapariga, vou tentar ter mais um”, afirma.

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Alimento sob pressão. No dia da feira, no estado de Nasarawa, na região Centro-Norte, criadores trazem milhares de vacas ao mercado de gado de Keffi, um dos maiores do país. Mais de 70% dos nigerianos praticam algum tipo de agricultura, mas a auto-suficiência alimentar diminuiu devido às más condições agrícolas e ao aumento da população. A Nigéria importa anualmente 20,7 mil milhões de euros em géneros alimentares, sobretudo trigo e peixe.

Embora Amara não esteja sob nenhuma pressão do marido ou família alargada para ter um rapaz, a maioria das culturas da Nigéria dá mais valor aos meninos do que às meninas. “Em algumas culturas, quando uma mulher não tem um filho, isso pode ser um problema para ela”, diz Chidera Benoit, da Iniciativa para a Consciencialização sobre a Explosão Populacional, uma associação sem fins lucrativos nigeriana empenhada em contrariar as crenças que levam os casais a terem muitos filhos. Em algumas famílias, quando o homem morre, “expulsam a mulher, apreendem todos os bens do homem e dizem que a mulher não tem um filho homem para perpetuar a linhagem. Por isso, uma mulher com quatro ou cinco filhas vai continuar… a ter mais filhos, na esperança de ter um rapaz porque esse filho homem é a sua apólice de seguro para o futuro.”

Segundo a ONU, o acesso ao planeamento familiar e ao ensino, sobretudo para as raparigas, é um importante factor para o declínio da fecundidade. Se a Nigéria tornasse ambos universais até 2030, como alguns demógrafos sugeriram, o país poderia abrandar o seu surto demográfico para metade: ou seja, em 2100, quando Eziaku tiver 78 anos, o país teria 400 milhões de pessoas em vez dos quase 800 milhões previstos por uma estimativa.

As atitudes em relação aos filhos são semelhantes no Norte da Nigéria, predominantemente muçulmano, onde a situação é agravada por dois factores: a região possui a percentagem mais baixa de crianças escolarizadas do país e quase metade das raparigas casam-se antes dos 15 anos. Sendo filha de pais cristãos do Sul da Nigéria, Eziaku terá provavelmente uma vida muito diferente das raparigas que nascem no Norte. É provável que inicie o ensino formal aos 3 anos e que frequente a universidade. Os seus pais planeiam inscrevê-la em colégios privados para evitar a instabilidade das escolas públicas da Nigéria, onde as salas de aulas estão com frequência sobrelotadas e muitos professores têm formação insuficiente e manifestam-se com regularidade por não serem pagos. A irmã de Eziaku já frequenta um colégio privado, que custa 48.000 nairas (99 euros) por período. “Se queremos bom ensino, precisamos de ter dinheiro no bolso”, diz Amara. “Explicaram-nos que o ensino é fundamental. Actualmente, o acesso a estudos é um factor decisivo para o sucesso no nosso país. Acho que o ensino é o bem básico que todos os pais devem dar aos filhos. Se lhes dermos uma boa formação, com sorte, eles conseguirão encontrar um rumo melhor e melhores oportunidades.”

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Um lugar para ser ela própria. Ashley Okoli dança num clube nocturno em Lagos, um espaço raro que acolhe pessoas de todas as orientações sexuais. As relações entre pessoas do mesmo sexo são ilegais na Nigéria. Nos últimos quatro anos, activistas LGBTQ celebraram o mês do Orgulho com actuações e manifestações em algumas regiões do país.

Mesmo sendo uma adulta com formação superior, Eziaku deverá enfrentar um dos maiores desafios do seu país: encontrar comida suficiente. A Nigéria gasta 20,7 mil milhões de euros por ano com a importação de alimentos e é um dos países que mais sofrem de fome no mundo: mais de 19 milhões de pessoas enfrentaram níveis críticos de insegurança alimentar em 2022. Kenneth e Amara não estão entre eles, mas mantêm um controlo rigoroso sobre o seu orçamento. “Compramos comida primeiro e depois poupamos para o resto”, diz Amara. Apesar disso, a crise em curso no sector agrícola da Nigéria pode fazer que, em adulta, Eziaku tenha de gastar uma percentagem maior do seu orçamento familiar em alimentação. No Outono passado, os nigerianos viram os preços dos alimentos aumentar 20% face ao ano anterior – o maior aumento dos últimos 17 anos. Mesmo que Eziaku tenha dinheiro, pode não haver comida suficiente para comprar.

Antigo presidente da Nigéria e um dos agricultores mais famosos do país, Olusegun Obasanjo fez uma alusão ao problema num evento em Lagos em 2021. “O meu coração sofre com o mar de cabeças que voam diante dos meus olhos nos parques, nos mercados e sob as pontes”, declarou. “Como vamos alimentar esta população explosiva?”

No Outono passado, viajei até à vila de Abeokuta para ver Obasanjo, que há quase 50 anos vive obcecado com o aprovisionamento alimentar da Nigéria. Encontrei-me com ele no último piso do edifício que aloja a sua residência particular e a sua biblioteca presidencial.

Antes da descoberta de petróleo, em 1956, a Nigéria era famosa por uma longa lista de culturas lucrativas como óleo de palmeira-dendém, cacau e amendoim, mas a aposta excessiva do governo no crude resultou na negligência de outros sectores e a economia agrária esgotou-se. Obasanjo é uma figura recorrente da história pós-colonial da Nigéria. Ascendeu ao poder em 1975, durante uma década de governos militares sucessivos, e foi mais tarde eleito para dois mandatos presidenciais. Tentou que a Nigéria apostasse de novo na agricultura durante o seu primeiro mandato, que durou até 1979. Lançou a Operação Alimentem a Nação, que incentivou todos os nigerianos a dedicarem-se à agricultura. “A ideia era cultivar legumes, até nas traseiras de casa”, explica.

Enquanto converso com ele sobre essas ideias, uma fila de pessoas aguarda pacientemente a sua vez, do lado de fora da sala de visitas. Apesar dos seus 86 anos, Obasanjo continua a ser um homem ocupado, reunindo-se com aspirantes a políticos, agências governamentais e chefes de Estado africanos, mas a sua paixão pela agricultura prevalece sempre. Quando os meus 30 minutos acabam, ele pede-me que espere algumas horas para me mostrar as suas famosas quintas nos arredores da cidade.

Conduz-me a uma estufa com o tamanho aproximado de um campo de futebol, onde molho as solas dos sapatos em desinfectante e visto uma bata de laboratório branca. Obasanjo colhe um tomate maduro e dá-lhe uma dentada e depois oferece-me um para eu provar. “Uma dieta só com isto e alguns legumes põe o corpo a brilhar!”, diz. Ao longo das suas quatro décadas como produtor agrícola, o conglomerado Obasanjo Farms espalhou-se por todo o país, incluindo estufas, silos, unidades de aquicultura, aviários e fábricas de alimentos processados. “Foi isto que a ciência e a tecnologia fizeram”, diz, explicando alguns dos mais recentes avanços aplicados nas suas explorações agrícolas, como o uso de cascas de coco moídas para melhorar os solos e promover a retenção de água. “A nossa população está a aumentar. Temos de assegurar que a produtividade também continue a aumentar.”

Obasanjo insistiu e lançou mais uma política de reanimação da agricultura ao regressar à presidência em 1999. O impulso transitou para as administrações subsequentes e os jovens uniram-se para se juntarem ao esforço nacional e reinventarem a agricultura nigeriana. Depois, veio a pandemia, a violência generalizada e o processo correu mal.

Durante o confinamento da COVID-19, ocorreram furtos de camiões de transporte de alimentos, conta Mezuo Nwuneli, co-fundador da Sahel Capital, uma empresa de investimento em agricultura. “A fome atingiu níveis máximos, os raptos também… Esse pico de criminalidade tornou a agricultura mais difícil.” Nos dois últimos anos, homens armados deslocando-se de motocicleta raptaram milhares de pessoas na Nigéria para pedir resgates. Os trabalhadores de empresas agrícolas foram especialmente visados, obrigando muitas quintas a abandonarem ou reduzirem as operações. A maioria das grandes quintas nigerianas situa-se nas regiões férteis do Norte.

Em Março de 2022, no estado de Kebbi, várias pessoas foram mortas num tiroteio entre agentes de segurança e bandidos que atacaram as instalações da GB Foods, uma fábrica de processamento de tomate do país. A nível nacional, mais de 350 agricultores foram raptados ou assassinados entre Junho de 2021 e Junho de 2022.

Nwuneli explica que os trabalhadores têm agora de ser escoltados de e para as quintas onde a sua empresa investe. Sob o espectro do medo, diz, “não é possível gerir uma empresa”.

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Educação e religião. Na vila de Ifako, nos arredores de Lagos, os alunos do colégio privado Taqwa têm um ensino moderno alicerçado nos princípios islâmicos. No Norte da Nigéria, predominantemente muçulmano, onde o conflito arrasou muitas escolas, só cerca de metade das crianças tem acesso ao ensino.

À medida que a população da Nigéria aumenta, a crescente insegurança, especialmente no Norte, é a maior preocupação de Kenneth no que diz respeito à sua família. É também por isso que ele costuma estar longe de casa, deixando Eziaku sozinha com a mãe e a irmã. Cerca de um ano depois de se casarem, foi transferido da cidade meridional de Enugu para Jos, mais a norte, palco de vários incidentes violentos nas duas últimas décadas. Kenneth mostrou-se relutante em levar a família. O sítio seguro mais próximo de que se conseguiu lembrar foi Abuja, a cerca de 265 quilómetros. “Não digo que Abuja seja totalmente segura, mas é mais segura do que qualquer outro sítio do Norte,” diz. “Por isso, decidi que elas ficariam cá enquanto eu estivesse em Jos e assim, se for preciso fugir do perigo, sei que estou a fugir sozinho e não tenho de levar a família comigo.”

Amara passa muito tempo a murmurar orações a Eziaku, sobretudo trechos da Bíblia que decorou. “O rosto do Senhor brilhará sobre ti”, diz-lhe. “Vais deitar-te sempre em pastos verdejantes.” Ela segura as mãos e os pés da bebé e fala com ela. “Não vais ser como eu. Não vais passar dificuldades”, diz, acreditando que as palavras positivas têm o poder de moldar o futuro de uma criança. Eziaku é o termo igbo para “boa saúde” e um dos pedidos de Amara é que o nome da sua filha seja profético.

“Sei que trabalhamos arduamente e que há dignidade no trabalho, mas continua a haver alturas em que a sorte ultrapassa o trabalho árduo”, diz Amara. “Rezo para que ela nunca tenha dificuldades nesta vida, na Nigéria ou noutro lugar qualquer. Em qualquer sítio onde esteja, que as suas mãos não se esforcem para abrir portas. Que ela encontre apenas portas abertas.”

Quando Eziaku completar 34 anos, a idade que a sua mãe tinha quando ela nasceu, o bebé número 9.000 milhões já terá chegado há muito e faltarão poucos anos para atingirmos 10.000 milhões. “Haverá comida para todos nessa altura?”, interroga-se Amara. “Acredito que a Eziaku será excepcional por mais pessoas que existam no mundo.”

exploradora

A National Geographic Society, empenhada em divulgar e proteger as maravilhas do nosso planeta, financia a fotografia da exploradora Yagazie Emezi em África desde 2020. Ilustração de Joe Mckendry.

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