Inspire. Sinta o ar passando pelas narinas, do nariz até ao peito. O oxigénio entra nos pulmões e viaja até aos vasos capilares, preparando-se para alimentar todas as células do corpo. O leitor está vivo!

Texto: Nathan Wolfe

A inspiração que acabou de fazer também está viva. Quando inspiramos ar, as nossas narinas captam milhões de partículas invisíveis: poeira, pólen, humidade marinha, cinza vulcânica, esporos vegetais. Por sua vez, estas partículas abrigam uma comunidade numerosa de bactérias e de vírus. Alguns tipos podem desencadear alergias ou asma. Muito mais raros são agentes patogénicos inalados que causam doenças como a síndrome respiratória aguda grave (SARS), a tuberculose e a gripe. 

Nos últimos 15 anos, despendi muito tempo a introduzir cotonetes em narizes humanos, focinhos de porcos, bicos de aves e probóscides de primatas, em busca de sinais desses agentes, antes que estes pudessem causar pandemias mortíferas. E, em virtude disso, passei a considerar o ar como meio de transmissão da próxima pandemia e não como meio de sustentação da vida. Mas o leitor pode respirar à vontade: a maioria dos micróbios presentes na atmosfera causa-nos pouco ou nenhum mal e é quase certo que alguns nos fazem bem.
A verdade é que ainda possuímos pouca informação sobre eles. 

Só tomámos conhecimento da existência das bactérias, que representam grande parte da massa de vida presente na Terra, quando Antoni van Leeuwenhoek apontou os seus microscópios para amostras de água dos charcos e de saliva há cerca de 350 anos. De dimensão muito inferior à das bactérias, mas mais numerosos do que todas as outras formas de vida combinadas, os vírus foram descobertos há pouco mais de um século. E foi apenas nas últimas décadas que nos apercebemos da ubiquidade dos micróbios, que florescem por toda a parte. Só agora começamos a compreender a sua importância para a nossa saúde e para a saúde do planeta.

No passado, o desconhecimento relativamente à abundância de micróbios deveu-se sobretudo à nossa incapacidade para criar a maioria dos microrganismos em laboratório. Ultimamente, as técnicas de sequenciação do DNA permitiram-nos estudar populações inteiras sem ser preciso cultivá-las numa placa de Petri. Em 2006, por exemplo, cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley anunciaram que amostras de ar recolhidas nas cidades de San Antonio e Austin, continham pelo menos 1.800 espécies distintas de bactérias, o que coloca a biodiversidade atmosférica ao mesmo nível da do solo. 

Muitos micróbios não provêm de lugares muito distantes, mas alguns percorreram enormes distâncias. Poeiras oriundas de desertos atravessam oceanos, acabando por realizar uma viagem à volta do mundo. Essas nuvens de poeira contêm bactérias e vírus saídos dos solos de onde são originários, bem como micróbios agregados de passagem, no fumo das queimas de lixo ou na neblina que paira sobre os oceanos. Inspire e recolherá uma amostra do planeta. 

Acima do ar que respiramos, as altas camadas da atmosfera contêm igualmente micróbios, que flutuam sobre a superfície da Terra a alturas que podem elevar-se a 36 quilómetros. Creio que conseguem subir ainda mais alto, embora me pareça difícil de imaginar que sejam capazes de sobreviver tão longe da água e dos nutrientes. Mais abaixo, aparentemente sobrevivem e, até, prosperam. Há provas de que, apesar dos elevados níveis de radiação ultravioleta, alguns têm capacidade para metabolizar e, talvez mesmo, para se reproduzir dentro das nuvens.

Os micróbios não se limitam a habitar o ar. Foram eles que o criaram, ou pelo menos aquela parte da qual mais dependemos. Quando a vida surgiu na Terra, a atmosfera não continha oxigénio em quantidades significativas. O oxigénio é um produto residual da fotossíntese e nós devemos a invenção desse processo, ocorrida há cerca de 2,5 mil milhões de anos, às cianobactérias. Estas bactérias são directamente responsáveis por quase metade do oxigénio produzido em cada ano na Terra e indirectamente pela maior parte do restante. Há centenas de milhões de anos, formas antigas de cianobactérias introduziram-se nas células que posteriormente evoluiriam até se transformarem em plantas. Uma vez incorporadas nessas plantas ancestrais, evoluíram e tornaram-se cloroplastos, motores da fotossíntese e produtores de oxigénio das células vegetais. Em conjunto, as cianobactérias de vida livre e os cloroplastos nas plantas são responsáveis por efectuar uma percentagem amplamente maioritária da fotossíntese do planeta. 

Em conjunto, os micróbios do nosso organismo podem pesar tanto como o cérebro: cerca de 1.350 gramas num adulto médio. 

mas regressemos ao nosso nariz. O que aconteceu a essas bactérias que o leitor involuntariamente inalou? Estavam apenas de passagem. Nas suas vias nasais, também se abriga uma população rica e complexa de residentes a tempo inteiro. Três géneros (Corynebacterium, Propionibacterium e Staphylococcus) representam a maior parte das bactérias das suas narinas. Formam uma das muitas comunidades de que se compõe o microbioma humano: a totalidade do complemento genético de bactérias e outros organismos intrínsecos presentes na pele, gengivas e dentes, no aparelho genital e, principalmente, nos intestinos do leitor. 

Em conjunto, os micróbios do nosso organismo ultrapassam em número as células do organismo numa proporção de dez para um e podem pesar tanto como o nosso cérebro: cerca de 1.350 gramas num adulto médio. Cada um de nós, portanto, é ao mesmo tempo um organismo e um ecossistema, com habitats onde se abrigam espécies tão diferentes entre si como os animais da floresta e do deserto.

Na sua maioria, os micróbios que habitam os nossos organismos são micróbios benéficos ou comilões discretos. Ajudam-nos a digerir os alimentos e a absorver os nutrientes. Fabricam vitaminas vitais para a saúde e proteínas anti-inflamatórias que os nossos genes não conseguem produzir e ensinam os nossos sistemas imunitários a combater intrusos infecciosos. As bactérias residentes na nossa pele segregam uma espécie de humidificador natural, impedindo a formação de fissuras que permitiriam a penetração dos agentes patogénicos. 

Recebemos a primeira dose destes micróbios, ao passarmos pelo canal vaginal da nossa mãe, onde a população bacteriana se altera dramaticamente durante a gravidez. Por exemplo, o Lactobacillus johnsonii, por regra residente nos intestinos e que nos ajuda a digerir o leite, torna-se mais abundante na vagina, expondo os bebés à bactéria e, talvez, preparando o caminho para que sejam capazes de digerir o leite materno. 

Os nossos corpos são igualmente anfitriões de personagens duvidosas. A qualquer momento, cerca de um terço dos seres humanos abrigam nas narinas o Staphylococcus aureus, uma bactéria geralmente benigna mas que pode tornar-se virulenta. Normalmente a concorrência movida pelos restantes membros presente nas narinas mantêm a bactéria sob controlo. Mas o S. aureus pode tornar-se nocivo, em especial quando se aventura noutros ambientes. Na pele, pode provocar borbulhas, mas também infecções letais. Em certas condições, as bactérias a título individual podem coalescer e formar uma massa fina como uma película que actua como uma frente unida, invadindo os tecidos novos e, até, infectando os cateteres intravenosos e outro equipamento hospitalar. Estirpes super-resistentes de S. aureus podem provocar infecções mortais como a síndrome de choque tóxico ou fasceíte necrotizante, destruidora do tecido muscular. 

O que torna estas estirpes tão perigosas é a sua resistência aos antibióticos, esses milagres da medicina moderna que, desde meados do século passado, têm salvado milhões de vidas. Contudo, quanto mais vamos aprendendo sobre a nossa microbiota, mais nos apercebemos da facilidade com que os micróbios úteis são apanhados no meio do fogo cruzado entre um antibiótico e o seu alvo pretendido. 

O consumo generalizado de antibióticos durante o período inicial da vida poderá ter repercussões profundas mais tarde. Sabe-se há muito que o micróbio estomacal Helicobacter pylori provoca úlceras em algumas pessoas, embora na maioria cumpra a útil função de regular as células imunitárias presentes no estômago. Há várias décadas que o microbiólogo Martin Blaser estuda o H. pylori, tendo observado que este micróbio se encontra presente num número cada vez menor de adultos, em parte devido à administração repetida de doses elevadas de antibióticos durante a infância.

À medida que aprendemos mais sobre as relações que mantemos com os micróbios e as próprias relações complexas que eles mantêm entre si, os cientistas começam a interpretar o microbioma da mesma forma que os ecologistas entendem um ecossistema: não como um conjunto de espécies mas como um ambiente dinâmico, definido por numerosas interacções entre as suas componentes. Significa isto que devia haver mais cuidado na utilização de antibióticos e, cada vez mais, será preciso recorrer a tratamentos selectivos com probióticos que não se limitem a incentivar temporariamente o número deste ou daquele micróbio específico, mas que sustentem a totalidade da população microbiana para melhorar a saúde. “Sabemos como se pode perturbar uma comunidade”, diz Katherine Lemon, investigadora do microbioma no Instituto Forsyth. “Agora, precisamos de aprender a reconduzi-la a um estado saudável.”

Os micróbios que colonizam o bebé “ensinam” o sistema imunitário, nos primeiros três anos de vida, influenciando o risco de o bebé sofrer alergias ou eczemas. 

Este entendimento da nossa relação com os micróbios (olhando-os como companheiros de viagem que precisam de ser tratados e geridos para nosso benefício) situa-se nos antípodas do ponto de vista da minha profissão, que os considera assassinos, e que nos motiva a persegui-los e erradicá-los antes que possam propagar-se. Ambas as perspectivas são válidas, evidentemente. Nunca devemos baixar a guarda relativamente à ameaça dos agentes patogénicos infecciosos. No entanto, à medida que continuamos a explorar o mundo dos micróbios, o medo que sentimos pelos seres invisíveis existentes à nossa volta e dentro de nós deve ser temperado com respeito por aquilo que vamos aprendendo sobre eles e por um ímpeto de entusiasmo relativamente a tudo aquilo que ainda falta descobrir.

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