pandas

Este panda semi-adulto vive no vale dos Pandas, em Chengdu, na província chinesa de Sichuan. Aqui, alguns pandas nascidos em cativeiro são treinados para uma futura vida em liberdade, o que requer uma longa aprendizagem.

Deslocam-se com dificuldade pelas impenetráveis e íngremes florestas temperadas das províncias chinesas de Gansu, Shaanxi e Sichuan. De GPS em punho, os 70 membros da equipa responsável pela monitorização da população selvagem de pandas-gigantes observam atentamente o terreno em busca de excrementos.

Texto: Eva van den Berg 
Fotografias: Andoni Canela

É extremamente difícil observar estes animais em liberdade no seu habitat e mais ainda identificar cada espécime individualmente. Por isso, os investigadores concentram-se no reconhecimento das fezes (em número abundante, pois, devido à sua dieta rica em celulose, um panda pode defecar quarenta vezes por dia), que guardam em sacos estanques para analisar o seu DNA e poderem atribuí-lo a um espécime específico.

Este será o quarto recenseamento da espécie. O mais recente, realizado pela World Wide Fund for Nature (WWF) em 2004, permitiu o levantamento de 1.596 animais, um número muito baixo e insuficiente para assegurar a viabilidade dos pandas-gigantes selvagens a longo prazo. Segundo os registos fósseis, calcula-se que este animal endémico da China terá em tempos ocupado praticamente todo o país e também Myanmar (Birmânia) e o Vietname.

Os últimos pandas-gigantes selvagens encontram-se hoje dispersos por uma área de quase 14 mil quilómetros quadrados, ainda que 80% vivam em Sichuan. Esta província de 80 milhões de pessoas é uma das mais densamente povoadas do país. Na sua capital, Chengdu, localiza-se a Base de Investigação de Reprodução do Panda-Gigante, um centro de referência a partir do qual se coordena à escala internacional a criação em cativeiro desta espécie emblemática.

A dieta do panda baseia-se 99% em bambu, uma singularidade alimentar que restringe muito a sua capacidade de distribuição.

Enquanto procedem à monitorização, os cientistas tomam notas sobre as condições do habitat. A conservação destas florestas de clima temperado é vital para salvaguardar o excedente selvagem do panda e valorizar a viabilidade de reintroduções futuras de animais nascidos em cativeiro planeadas para os próximos anos.

“Embora sujeito a peculiaridades de adaptação, o panda conseguiu sobreviver sem problemas ao longo dos seus oito milhões de anos de existência até se ver confrontado com uma enorme pressão por parte dos seres humanos”, diz Jesús Fernández, director zoológico do grupo Parques Reunidos que gere, entre muitos outros parques, o Zoo Aquarium de Madrid, que alberga actualmente dois pandas adultos e as suas duas crias.

mapa pandas

Este veterinário é também o encarregado principal dos pandas-gigantes do centro. Na sua opinião, existe margem para optimismo, tanto relativamente às populações selvagens como às residentes nos centros de criação, “porque há muitos anos que se realizam grandes esforços para assegurar a sua conservação a longo prazo”. Porém, num país em plena expansão demográfica e económica (a China tem cerca de 1.340 milhões de habitantes), os novos povoados humanos propagam-se rapidamente pelo território e também pelas reservas naturais onde vivem estes ursos carismáticos. A urbanização, o abate madeireiro, a agricultura, a construção de estradas e a exploração mineira são algumas das actividades económicas que obrigam os pandas a mudar-se para sobreviver, optando por lugares situados a maior altitude. No entanto, nem todos os sítios lhes servem. Noventa e nove por cento da dieta do panda-gigante é composta por bambu, um hábito alimentar singular que restringe muito a sua capacidade de migração.

80% dos pandas-gigantes vivem em Sichuan, uma província com 80 milhões de habitantes e uma das mais densamente povoadas do país.

Curiosamente, embora pertença à ordem dos carnívoros e se encontre munido de um sistema digestivo típico destes animais, a evolução levou este ursídeo por caminhos vegetarianos. Graças à rica fauna microbiana que alberga nos intestinos, o panda-gigante é um animal especializado em processar a celulose desta gramínea.

Todavia, esta é uma opção dietética pobre, pois para extrair o alimento necessário à sobrevivência o panda precisa de investir cerca de dez horas diárias para ingerir 9 a 18 quilogramas de talos de bambu, dos quais só aproveita 30 por cento. Esta dieta tão especializada obrigou-o a desenvolver um metabolismo basal (o gasto energético diário necessário para sobreviver) muito baixo, o que determina o seu comportamento tranquilo: a sua prioridade consiste em limitar ao máximo a actividade corporal para, deste modo, optimizar as reservas energéticas. É igualmente por esse motivo que as fêmeas, que pesam cerca de cem quilogramas, face aos 135 que um macho pode atingir, geram crias minúsculas, de peso por vezes inferior a 150 gramas. Suportar uma gravidez mais longa para conseguir crias mais desenvolvidas seria um gasto energético excessivo para uma fêmea de panda.

Nos novos locais para onde os pandas foram obrigados a retirar-se, nem sempre há diversidade suficiente de bambu. Se acabarem por fixar-se numa zona com apenas uma ou duas das 27 espécies existentes na China, podem ver-se confrontados com um problema grave caso tenham o azar de coincidir com um episódio denominado dieback. Em determinados ciclos de tempo (oscilando entre 15 e 120 anos), certas espécies de bambu sofrem este fenómeno em simultâneo. Quando isso ocorre, todos os exemplares de uma mesma espécie, seja qual for a sua localização, florescem ao mesmo tempo e morrem, pouco depois de produzirem novas sementes que tanto podem germinar no ano seguinte como apenas 20 anos mais tarde. Em mais de uma ocasião, já aconteceu um grupo de panda morrer por inanição após um episódio de dieback, ao ver-se preso numa parcela recôndita de floresta, sem alimento e sem de lá conseguir sair.

em contraciclo com as populações selvagens, o número de pandas nascidos em cativeiro na China  aumentou  de  forma  espectacular  nos últimos anos, bem como a taxa de sobrevivência das crias, graças ao avanço das técnicas de reprodução assistida. Do ponto de vista tecnológico, foi uma proeza notável, uma vez que a fecundação constitui um problema grave para esta espécie e raramente uma fêmea em cativeiro engravida de forma natural. Aparentemente, os pandas que vivem nos jardins zoológicos perdem o desejo sexual e só 10% das fêmeas em cativeiro conseguem engravidar através da cópula. Além  disso,  é  frequente  o  período  de  cio anual da fêmea não coincidir com o dos machos, que têm além disso fraca disposição sexual e um pénis muito pequeno. Ainda que se tenha conseguido melhorar a cópula graças ao uso de Viagra e à projecção de filmes eróticos protagonizados por pandas cujos sons parecem estimular o macho (não é gracejo), é mais habitual que as fêmeas sejam inseminadas artificialmente, uma técnica mais cara, mas também mais segura.

Partindo de um número de espécimes reduzido, os dois centros de reprodução de referência na China, em Chengdu e em Wolong, conseguiram criar condições para a gestação dos cerca de trezentos pandas actualmente em cativeiro na China e dos cerca de sessenta repartidos por jardins zoológicos dos Estados Unidos, México, Japão e Austrália. Também os encontramos na Europa, nos jardins zoológicos de Viena, Edimburgo, Berlim, Beauval e Madrid.

Embora os pandas-gigantes sejam actualmente um negócio milionário para a China, durante muitos anos os líderes políticos do gigante asiático ofereceram-nos a vários chefes de Estado para melhorar as suas relações internacionais. Já no século VII da era cristã a imperatriz chinesa Wu Zetian ofereceu um casal de pandas aos soberanos do Japão. No século XX, em 1946, após diversos incidentes de captura e retirada do país, por estrangeiros, de pelo menos 15 crias, a China estabeleceu os primeiros regulamentos destinados a proteger estas criaturas e proibiu terminantemente este tipo de espoliação, punindo-a inclusivamente com a pena de morte.

Aquela que acabaria por denominar-se “diplomacia do panda” continuou a dar frutos. Em 1972, Richard Nixon, presidente dos EUA, realizou uma visita ao país asiático depois de 25 anos de isolamento. Mao Tsé-Tung ofereceu-lhe dois espécimes e os dois países restabeleceram relações diplomáticas em 1979.

O encanto do panda também suavizou as relações entre a China e o Reino Unido em 1974, quando o primeiro-ministro britânico Edward Heath, interessado em melhorar e fortalecer os vínculos entre ambos os países, visitou Pequim. O famoso líder comunista ofereceu-lhe também um casal de pandas, que viria a ser destinado ao Jardim Zoológico de Londres. O mesmo aconteceu com os reis de Espanha após a sua primeira visita oficial à China, em 1978, já com Deng Xiaoping no poder.

Em 1984, contudo, o governo chinês mudou radicalmente de atitude quanto a estas doações. Aproveitando os protestos dos conservacionistas, segundo os quais um animal tão escasso não poderia ser utilizado como moeda de troca diplomática, a China decidiu que, em vez de oferecê-los, os alugaria por um período máximo de dez anos. Por um milhão de dólares anual (cerca de 800 mil euros, ao câmbio actual), a China aceitaria estas “doações”, mantendo todos os direitos, inclusivamente sobre as crias, que são consideradas chinesas a partir do momento do seu nascimento e pagam a mesma renda anual até à idade máxima de quatro anos, após a qual são transferidas para a China. Trata-se de um montante astronómico, o qual, pelo menos em teoria, reverte na China em benefício da protecção, in situ ex situ, de um animal convertido no símbolo internacional da conservação e que, não por acaso, é símbolo da mais internacional das organizações conservacionistas, a WWF, desde a sua génese em 1961. Por motivos afectivos, a espécie fascina a maioria das pessoas. Nos jardins zoológicos que a albergam, o público visita-a de forma diferenciada e em número muito superior ao dos restantes animais.

Agora  que  a criação em  cativeiro parece ter deixado de constituir o problema principal da  conservação,  é  possível  que  mais  esforços possam ser dedicados a garantir a sobrevivência de longo prazo dos últimos pandas em ambiente selvagem, uma população que terá de aumentar para ser viável no futuro. Desde meados de 2005,  o  governo  chinês  já  criou  mais  de  cinquenta reservas de pandas, o que significa que estão sob protecção mais de dez mil quilómetros de florestas habitadas por este animal. Segundo as expectativas, trata-se de 45% do habitat total estimado  para  a  espécie.  A  conservação  deste habitat intacto para os pandas será uma tarefa árdua. O facto de a espécie ser a exportação mais rendível do país contribuirá, sem dúvida, para protegê-la com determinação, embora possa um dia entrar na agenda a discussão sobre os méritos da sua reprodução em cativeiro, mais simples e compensadora neste paradigma de posterior aluguer por valores astronómicos, do que a preservação da população de animais selvagens. Com o tempo, ver-se-á o que acontece à insígnia nacional deste gigante asiático. 

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