O jacaré Caiman latirostris consegue manter os olhos abertos sem piscar durante horas, inspirando esta nova investigação. Fotografia de Arianne P. Oriá.
De acordo com um novo estudo, esta descoberta pode ajudar a desenvolver novos tratamentos para as pessoas com doenças oculares.
Texto: Virginia Morell
A maioria das pessoas pensa nas lágrimas como um fenómeno humano, algo que faz parte do complexo tecido da emoção humana. Mas as lágrimas não servem apenas para chorar: todos os vertebrados, incluindo répteis e aves, têm lágrimas, que são essenciais para manter uma visão saudável.
Agora, um estudo, publicado na revista Frontiers in Veterinary Science, revela que as lágrimas dos animais não humanos não são assim tão diferentes das nossas. Aliás, as semelhanças químicas são tão grandes que a composição das lágrimas de outras espécies – e a forma como estão adaptadas aos seus ambientes – podem oferecer novas perspetivas sobre tratamentos para doenças oculares humanas.
Até recentemente, os cientistas só tinham estudado de forma mais aprofundada as lágrimas de alguns mamíferos, incluindo humanos, cães, cavalos, camelos e macacos. Neste novo estudo, veterinários brasileiros analisaram pela primeira vez as lágrimas de répteis e aves, focando-se em sete espécies: corujas-das-torres; araras-azuis-e-amarelas; gaviões Rupornis magnirostris; jacarés Caiman latirostris; e tartarugas-comuns, tartarugas-de-pente e tartarugas-verdes.
As lágrimas, que são emitidas pelos canais lacrimais (nos humanos e em alguns dos outros mamíferos), ou por outras glândulas semelhantes, formam uma película sobre o olho que é composta por três ingredientes: muco, água e gordura. O muco reveste a superfície do olho e ajuda a ligar a película ao mesmo, a água é uma solução salina natural que contém proteínas e minerais essenciais, e a gordura evita que o olho seque.
Os humanos são a única espécie conhecida que produz lágrimas de emoção; a expressão “lágrimas de crocodilo”, que se refere à falsa demonstração de emoção de uma pessoa, vem da tendência misteriosa que os crocodilos têm em libertar lágrimas enquanto comem.
Mas as lágrimas desempenham papéis fundamentais para além do choro, diz Lionel Sebbag, oftalmologista veterinário da Universidade Estadual de Iowa, em Ames, que não participou na nova investigação. As lágrimas ajudam a visão, lubrificando o olho e limpando-o de detritos. E também protegem o olho contra infeções e fornecem nutrição para a córnea – a camada externa e transparente do olho que não tem vasos sanguíneos.
“É um olhar fascinante sobre uma gama tão diversificada de espécies”, diz Sebbag sobre o novo estudo.
Como analisar lágrimas
A líder do estudo, Arianne Pontes Oriá, veterinária da Universidade Federal da Bahia, já sabia que os jacarés Caiman latirostris – um parente dos jacarés com “olhos lindos” – conseguem manter os olhos abertos sem piscar durante duas horas. As pessoas, por outro lado, piscam a cada 10 a 12 segundos. Piscar distribui as lágrimas pela superfície do olho, mantendo-os húmidos e a visão estável.
Esquerda: Lágrimas secas de um gavião Rupornis magnirostris. A cristalização é uma prática comum para avaliar doenças oculares nos humanos. Direita: Os cristais nas lágrimas de um jacaré Caiman latirostris estão mais distanciados uns dos outros do que acontece com as outras espécies no estudo. Fotografia de Arianne P. Oriá.
Para analisar as lágrimas dos jacarés e das outras seis espécies, Oriá e os seus colegas trabalharam com 65 animais em cativeiro num centro de conservação, numa instituição de veterinária e com um criador comercial no Brasil. Em conformidade com as diretrizes de várias agências governamentais que regulam o bem-estar animal, a equipa recolheu amostras de lágrimas em tiras de teste ou com uma seringa, bem como lágrimas de 10 voluntários humanos saudáveis. Os cientistas usaram kits especiais projetados para medir as quantidades de químicos e compostos específicos, como eletrólitos (uma mistura de sódio e cloreto) e proteínas.
Esquerda: As lágrimas secas de uma tartaruga-comum, quando cristalizadas, mostram um padrão único. Estes padrões variam bastante entre espécies, uma das grandes surpresas desta investigação. Direita: As lágrimas cristalizadas de uma coruja-das-torres parecem muito diferentes das lágrimas de répteis. Fotografia de Arianne P. Oriá.
Surpreendentemente, dado que as aves, os répteis e os mamíferos têm estruturas diferentes para produzir lágrimas, todas as lágrimas destas espécies – incluindo as dos humanos – tinham uma composição química semelhante, com quantidades semelhantes de eletrólitos, embora as lágrimas das aves e répteis tivessem concentrações ligeiramente mais elevadas. Esta diferença pode dever-se ao facto de viverem na água e no ar, algo que pode afectar a superfície do olho – níveis mais elevados de eletrólitos nas lágrimas podem ser necessários para proteger os animais de inflamações, diz Oriá.
As lágrimas humanas, bem como as dos jacarés e das corujas-das-torres, apresentaram níveis de proteínas mais elevados em comparação com as das outras espécies. Estas proteínas são importantes para manter a estabilidade da superfície ocular. Os jacarés e as corujas podem ter concentrações mais elevadas de proteína porque ambas as espécies têm olhos grandes e os intervalos entre o piscar de olhos são mais longos; os jacarés também vivem com os olhos submersos em água doce durante longos períodos de tempo, necessitando de lágrimas altamente estáveis.
Um cientista recolhe uma amostra de lágrima de uma coruja-das-torres. Fotografia de Arianne P. Oriá.
Os investigadores também analisaram os padrões de cristalização que as lágrimas formam quando secam – uma técnica utilizada frequentemente para diagnosticar doenças oculares. E aqui estava a maior surpresa, explica Oriá. “Havia muito mais variação nos seus cristais lacrimais do que na composição lacrimal. Os cristais lacrimais das tartarugas marinhas e dos jacarés eram surpreendentemente únicos, provavelmente devido à sua adaptação aos ambientes aquáticos.”
As tartarugas marinhas também têm de longe as lágrimas mais espessas de todos os animais no estudo, razão pela qual os investigadores tiveram de usar uma seringa para as recolher. “As tartarugas vivem em água salgada e, por isso, precisam de lágrimas adaptadas a esse ambiente”, diz Oriá. Ter um muco bastante espesso na película lacrimal provavelmente protege a visão das tartarugas; sem a película espessa, as lágrimas seriam diluídas, tornando-as inúteis.
Proteger a visão de tartarugas marinhas, pessoas, cães e gatos
Com a recolha de informações para proteger a visão de, por exemplo, tartarugas marinhas, que estão em perigo de extinção, o estudo pode ajudar nos esforços de conservação. “Se compreendermos o que constitui uma película lacrimal saudável, conseguiremos perceber como é que os poluentes ou outros efeitos ambientais podem afetar os olhos dos animais”, diz Oriá.
E aprender como é que os répteis e as aves usam as lágrimas também pode inspirar novos medicamentos para doenças como o olho seco, que acontece quando os canais lacrimais não produzem gordura suficiente. Esta doença, comum em cães, gatos e pessoas, pode por vezes dar origem a cegueira.
Esta investigação ilustra o quão pouco sabemos sobre as lágrimas e sobre como funcionam nos humanos e noutros animais, salienta Brian Leonard, oftalmologista veterinário da Universidade da Califórnia, em Davis.
“É um campo importante, mas que é amplamente pouco compreendido”, diz Leonard, “pelo que este estudo é interessante a vários níveis”.