Caracois Cuba

As conchas espetacularmente coloridas fazem com que estes caracóis cubanos – que estão em perigo crítico de extinção – sejam muito procurados, mas há quem se esforce para os salvar.

Texto: Douglas Main
Fotografias: Bruno D'Amicis

As conchas têm uma ampla variedade de cores: amarelo pastel e rosa, vermelho tijolo e preto, branco pérola e ocre. Independentemente da tonalidade, as cores presentes nas seis espécies de caracóis pintados cubanos, como são conhecidos, acentuam a forma em espiral das suas conchas do tamanho de uvas. É possível perdermo-nos por completo enquanto contemplamos estas maravilhas da natureza, como se estivéssemos a olhar para uma escada caprichosamente colorida com uma espiral interminável.

Cuba abriga a maior diversidade de caracóis do mundo, e não existem outras espécies com conchas que tenham uma variedade de cores e padrões tão complexos. Os caracóis pintados do género Polymita são procurados há muito tempo por coleccionadores, que vendem as conchas a turistas ou que os exportam para os Estados Unidos e para a Europa. Esta procura é uma das razões pelas quais Cuba classifica as seis espécies em perigo crítico de extinção, e durante mais de uma década proibiu a retirada destes caracóis da natureza. A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), que regula o comércio transfronteiriço de vida selvagem, proíbe o comércio dos caracóis Polymita desde 2017.

“Devido ao seu aspecto invulgar... estes caracóis são considerados os mais bonitos do planeta”, diz o fotógrafo Bruno D’Amicis. O fascínio que Bruno sente pelos caracóis levou-o a sair da sua cidade natal em Itália, em 2019, para ir para Cuba fotografar os caracóis e perfilar o pequeno grupo de investigadores e conservacionistas que estão a trabalhar na compreensão e protecção dos Polymita. Através da exibição dos caracóis em toda a sua glória, Bruno espera ajudar a informar sobre os perigos que enfrentam – não só a captura ilegal, mas também a limpeza de terras, a predação por espécies invasoras e as alterações climáticas – e incentivar os esforços que podem garantir o seu futuro.

Os caracóis pintados habitam uma faixa estreita de vegetação ao longo da costa leste de Cuba. Apesar de os cientistas não saberem quantos caracóis pintados existem, sabem que ocupam áreas pequenas porque dependem de micro-habitats que têm uma determinada composição de plantas. Por exemplo, a espécie Polymita sulphurosa, a espécie com cores mais vibrantes das seis, só se encontra num espaço de poucos quilómetros quadrados perto do Parque Nacional Alejandro de Humboldt.

Bruno D'Amicis passou um dia inteiro perto do parque com Norvis Hernandez, bióloga que trabalha no parque e que estuda caracóis pintados há 20 anos, à procura de outra espécie, Polymita brocheri. E só encontraram um caracol – “como uma agulha no palheiro”, diz Bruno.

Caracóis de cuba

Esquerda: O fotógrafo Bruno D'Amicis e a bióloga Norvis Hernandez demoraram um dia inteiro para encontrar este caracol vivo (Polymita brocheri) num arbusto. Direita: As cores e os padrões desta espécie – Polymita sulphurosa – fazem com que seja uma das mais vibrantes entre os caracóis pintados.

Na maioria das vezes, os caracóis vivem nas árvores e nos arbustos, onde comem líquenes e musgo – as fontes dos minerais que conferem as cores deslumbrantes às suas conchas. Ainda não se sabe se estas colorações protegem os caracóis de predadores ou se oferecem outra vantagem, diz Bernardo Reyes-Tur, biólogo de conservação e especialista em caracóis da Universidade do Oriente, em Santiago de Cuba. Os caracóis são ecologicamente importantes como fonte de alimento para espécies nativas e raras, como a ave Chondrohierax wilsonii que está em perigo crítico de extinção. Reyes-Tur diz que, quando os caracóis comem musgo e fungos, também ajudam a manter as árvores saudáveis, inclusive as plantações de café.

E também diz que uma das espécies – Polymita venusta – é tão sedentária que alguns indivíduos ficam no mesmo sítio durante seis meses. A lentidão com que os caracóis se movem e as exigências peculiares de habitat tornam-nos vulneráveis a quaisquer alterações. A limpeza de terrenos para a cafeicultura e para outros tipos de agricultura reduziu bastante a sua faixa de alcance, afirma Reyes-Tur. E também são presas de espécies nativas, como os gaviões, ou de animais invasores, incluindo ratos.

Caracóis de cuba

Esquerda: Bernardo Reyes-Tur mede conchas de Polymita picta no seu laboratório. Reyes-Tur espera que, ao aprofundar os seus conhecimentos sobre os raros caracóis pintados, consiga ajudar nos esforços de proteção. Direita: Uma mulher numa cidade perto de Baracoa tem joalharia e milhares de conchas de caracóis pintados para venda. É proibido apanhar estes caracóis para vender em Cuba ou para exportar para o estrangeiro.

As temperaturas mais quentes e as secas intensas associadas às alterações climáticas representam outra ameaça, e podem fazer com que as condições na vegetação que os caracóis precisam para sobreviver se tornem inóspitas. Um estudo de 2017 publicado na revista Tentacle sugere que as alterações climáticas conseguem praticamente eliminar por si só o habitat essencial para duas das espécies até 2050.

Jogo de conchas

A população cubana está cada vez mais ciente dos danos provocados pela recolha de conchas e de outras ameaças. Hernandez recorda uma viagem escolar que fez quando era adolescente, há três décadas atrás, a uma plantação de café. A sua turma encontrou vários caracóis pintados nas árvores. Ela ficou maravilhada com os caracóis. “Mas os rapazes começaram a matá-los para ficarem com as conchas. As raparigas também os mataram com paus e ganchos para o cabelo. Comecei a chorar e fui contar aos professores.” Mas os professores não se opuseram, porque matar e apanhar caracóis era comum, diz Hernandez.

Entre 2012 e 2016, o departamento alfandegário de Cuba fez 15 apreensões, totalizando mais de 23 mil conchas de caracóis pintados com destino aos EUA. Segundo Adrián González Guillén, especialista em caracóis e fotógrafo sediado em Cuba, a proibição da CITES não travou o comércio ilegal, sobretudo para os EUA, Espanha e para vários países asiáticos.

González Guillén diz que as autoridades alfandegárias são “muito eficazes” a impedir que os turistas levem um pequeno número de conchas do país, mas as grandes remessas continuam a sair. “O verdadeiro comércio ilegal para o mercado negro está ligado a uma equipa bem organizada de pessoas.”

Reynaldo Estrada, investigador da Fundação Antonio Núñez Jiménez para a Humanidade e Natureza, uma organização cubana não governamental com foco em questões culturais e científicas, concorda com esta afirmação. “De facto, existem redes organizadas de tráfico em Cuba”, diz Reynaldo.

O departamento alfandegário de Cuba e o Ministério do Interior não responderam aos inúmeros pedidos para comentar sobre o comércio ilegal de caracóis.

As conchas de caracóis pintados estão amplamente disponíveis em sites nos EUA, Espanha e Taiwan. E centenas de conchas estavam disponíveis no eBay, mas quando a National Geographic perguntou à porta-voz da empresa, Ashley Settle, sobre essas publicações, Ashley respondeu que violavam a regra do eBay sobre a venda de produtos de animais selvagens interditos pela CITES. Em 48 horas, a maioria das publicações tinha sido retirada.

Apanhar e vender caracóis pintados em Cuba pode dar origem a multas de até 20 dólares por incidente, de acordo com Reyes-Tur. Para ver o quão eficaz é esta proibição, Bruno D’Amicis percorreu as lojas turísticas perto da cidade de Baracoa, não muito longe do Parque Nacional Alejandro de Humboldt.

Os vendedores não estavam a vender abertamente conchas de Polymita, pelo que Bruno decidiu fingir que era um turista ingénuo e pediu algo extra especial para comprar. E logo de imediato, um casal convidou-o para ir a sua casa e mostraram-lhe cinco sacos do lixo de 90 litros cheios de conchas de caracóis pintados. “Eles tinham à vontade cerca de 30 mil”, estima Bruno.

Para proteger os caracóis pintados de Cuba, Reyes-Tur, Hernandez e os colegas estão a trabalhar para educar os cubanos e os visitantes do país sobre a raridade e vulnerabilidade destes animais. Estudam a biologia dos caracóis com o objectivo de os criarem em cativeiro para os libertarem na natureza. E também estão a fazer parcerias com os agricultores no leste de Cuba para os incentivarem a cuidar dos caracóis nas suas terras. No futuro, Hernandez prevê que possam ser organizados passeios de observação de caracóis, oferecendo um incentivo económico para a sua conservação.

“As pessoas vão perceber que é melhor protegê-los vivos do que vendê-los mortos.”

Para Hernandez, que dedicou a sua vida a salvar os caracóis pintados, é uma devoção intensa e desgastante. “Não tenho filhos, nem marido... simplesmente adoro os meus Polymitas. Acho que o mais importante é continuar com esta nobre tarefa de estudar, treinar os futuros decisores políticos e fomentar a educação ambiental nas crianças e jovens que são o futuro da sociedade. Devemos colocar muito amor nesta tarefa e nunca nos podemos cansar.”

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