Caça furtiva de elefantes

“Quando o objectivo é proteger os animais selvagens, não podemos fazê-lo sem pensarmos no bem-estar das pessoas”, afirma Timothy Kuiper, co-autor de um estudo sobre caça furtiva de elefantes em África. Fotografia de David Chancellor, Nat Geo Image Collection.

Caçaram-se menos elefantes ilegalmente em zonas onde as comunidades são mais saudáveis e mais ricas, concluiu um estudo sobre abates realizado em 30 países africanos.

Texto: Rachel Fobar

Segundo conclusões publicadas este mês em Proceedings of the Royal Society B, a caça furtiva de elefantes é provavelmente motivada pela necessidade e não pela ganância.

Caçaram-se menos elefantes ilegalmente em zonas onde as comunidades são mais saudáveis e menos pobres, afirmam investigadores da Universidade de Oxford, das Nações Unidas, da Universidade da Cidade do Cabo e de outras instituições, que analisaram dados referentes a mais de 10.000 abates, praticados ao longo de quase duas décadas em 30 países africanos. O estudo baseou-se nas taxas de mortalidade de crianças com menos de 5 anos e levantamentos que aferiam, por exemplo, o número de divisões das casas a disponibilidade de água limpa e instalações sanitárias e a propriedade de bens como um frigorífico e um televisor.

A caça furtiva é uma causa importante do declínio dos elefantes da savana, considerados em perigo, e dos elefantes da floresta, em perigo crítico, cujos números combinados diminuíram para cerca de 415.000, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.

Previamente, as evidências daquilo que levava ao abate de elefantes e outros animais eram informais e provenientes de casos de estudo específicos. Agora, porém, organizações sem fins lucrativos e governos “podem utilizar o estudo como justificação” para abordagens de conservação, diz Timothy Kuiper, co-autor do estudo, encomendado pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), o acordo internacional para a gestão do comércio de animais selvagens.

“Quando o objectivo é proteger os animais selvagens, não podemos fazê-lo sem pensarmos no bem-estar das pessoas”, afirma. Para combater melhor a caça furtiva, os conservacionistas têm de pensar de forma criativa, implementando estratégias como reformas governamentais contra a corrupção, redução da procura pelos países consumidores de marfim, melhorias em programas de educação, saúde e economia, e mais apoios aos vigilantes da vida selvagem.

Embora a aplicação da lei continue a ser importante, “a saúde e o bem-estar das comunidades locais são factores essenciais para alcançar os objectivos da conservação de vida selvagem, dizem Thea Henriette Carroll e Tanya McGregor, que trabalham com o programa de monitorização de caça furtiva de elefantes CITES. “Isto justifica ainda mais a necessidade de envolver as comunidades afectadas no planeamento de conservação e na gestão das zonas protegidas.”

A equipa de investigação descobriu que a caça furtiva era mais frequente na África Central e junto à fronteira entre Moçambique e a Tanzânia e que afectava mais os elefantes da floresta do que os seus primos da savana. Entre 2002 e 2020, mais de 860 elefantes morreram às mãos de caçadores furtivos no Parque Nacional de Garamba, na República Democrática do Congo (RDC), e mais de 750 na Selous Game Reserve, na Tanzânia. As áreas adjacentes tinham das menores taxas de riqueza familiar e taxas médias de saúde.

Caça furtiva de elefantes

Segundo a IUCN, a caça furtiva é uma causa significativa de declínio entre os elefantes da savana e da floresta. Fotografia de Charlie Hamilton James, Nat Geo Image Collection.

Medidas numa escala de zero a cem, as regiões mais ricas tinham tipicamente pontuações a partir de 60. Todas as áreas do estudo tiveram pontuações abaixo de 45 e, nas das pontuações mais baixas, havia níveis mais elevados de caça furtiva. Em 2020, na RDC e na Tanzânia, as pontuações de riqueza tinham subido apenas para cerca de 25 e 26 respectivamente. A RDC tinha cerca de 79 mortes infantis por cada 1000 nados-vivos e a Tanzânia tinha 47, segundo os dados mais recentes (em Portugal a média é de 3).

Por outro lado, os elefantes dão-se muito melhor no Parque Nacional de Etosha, na Namíbia. A pontuação de riqueza das comunidades vizinhas aumentou constantemente entre 2002 e 2020 para cerca de 43 e Etosha registou apenas dois abates ilegais ao longo desses anos. (O número de rinocerontes caçados furtivamente na Namíbia quase duplicou em 2022, para 87 rinocerontes, mas este valor parece estar relacionado com o trabalho de grupos internacionais e não de caçadores furtivos locais.)

Actualmente, as mais de 80 unidades de conservação comunitárias permitem que mais de 200.000 autóctones participem na gestão de cerca de 20 por cento das terras do país. Este sistema de gestão de recursos naturais de base comunitária já criou mais de 6.000 postos de trabalho desde a década de 1990 e contribuiu para um aumento das populações de elefantes e leões.

Quando as comunidades locais desfrutam dos benefícios da conservação, os incentivos para a caça furtiva diminuem, dizem Carroll e McGregor. “Será importante os governos assegurarem que as comunidades locais não têm de suportar o fardo dos custos associados com estes animais selvagens e que têm acesso a oportunidades geradoras de rendimentos que possam contribuir para tirar as comunidades da pobreza”.

Os abates ilegais são praticados por redes criminosas que recrutam caçadores furtivos em vez de caçadores oportunistas, diz Kuiper. “Quando muitos dos parques nacionais [de África] foram criados, as pessoas foram inevitavelmente expulsas de terras que passaram a ser designadas como protegidas”, diz. “Os autóctones que praticavam caça de subsistência passaram, subitamente, a ser apelidados de caçadores furtivos.”

As origens coloniais das leis sobre a caça de animais selvagens ajudam a explicar por que alguns africanos “continuam a resistir à legislação que protege a vida selvagem” e requerem estratégias “que abordem as desigualdades sociais”, concluíram investigadores sediados no Reino Unido e nos Países Baixos num estudo realizado em 2015 sobre as ligações entre a caça furtiva e a pobreza, no âmbito de um corpo crescente de investigação sobre o que motiva o abate ilegal de animais selvagens.

Um estudo realizado em 2019 concluiu que a pobreza, medida em função da taxa de mortalidade infantil e de dados referentes aos rendimentos, era um dos mais fortes preditores de caça ilegal. Num inquérito feito em 2017 a 173 tanzanianos residentes junto à fronteira do Parque Nacional de Ruaha, que admitiram ter abatido ilegalmente animais selvagens, 164 dos inquiridos disseram que parariam de caçar ilegalmente se tivessem rendimentos para se sustentar e às suas famílias.

As pessoas que vivem num raio de 8 quilómetros de refúgios de vida selvagem na Tanzânia também relataram ter perdido até metade dos seus rendimentos no ano anterior ao inquérito devido à destruição das suas culturas por elefantes e cabeças de gado mortas por leões, diz Eli Knapp, co-autor do Inquérito de 2017 e professor de ecologia na Universidade de Houghton, no estado de Nova Iorque. “Quem está mais perto do Parque, sofre mais com os custos do que sente os benefícios da zona protegida”, afirma.

O facto de a maioria dos caçadores furtivos entrevistados terem crescido em famílias pobres levanta uma questão importante, segundo Knapp: “qual o nível de rendimentos, ou de subsistência, necessário para conseguirmos que um agregado familiar se abstenha voluntariamente da caça furtiva?” Talvez seja um dólar ou talvez seja deixá-los participar na protecção dos animais selvagens do parque.

Knapp diz que a situação não é irremediável – no inquérito fez uma pergunta hipotética a todos: o que é preciso para parares de caçar? “Ninguém disse nada.”

A National Geographic Society apoia o Wildlife Watch, o nosso projecto de investigação sobre actos criminosos e exploração de animais selvagens. Leia mais histórias da Wildlife Watch aqui e envie dicas, feedback e ideias para NGP.WildlifeWatch@natgeo.com. Sabia mais sobre a missão sem fins lucrativos da National Geographic Society em natgeo.com/impact.

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