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Um estudo de sequenciação do genoma publicado no início do ano demonstrou que os kungas, os primeiros animais híbridos criados pelo ser humano, eram metade burro doméstico e metade hemipo, uma espécie de burro selvagem extinta oriunda da Síria.
Texto: Héctor Rodriguez
Um estudo de sequenciação do genoma descobriu a evidência mais antiga da criação de animais híbridos de que há conhecimento. Os pormenores da descoberta são explicados em pormenor num artigo intitulado “The genetic identity of the earliest human-made hybrid animals, the kungas of Syro-Mesopotamia”, publicado recentemente na revista “Science Advances”.
O artigo conclui que os chamados kungas descenderiam do cruzamento entre uma fêmea de burro doméstico e um macho de hemipo – Equus hemionus hemippus – uma subespécie actualmente extinta de burro selvagem sírio que os sumérios domesticaram antes dos cavalos.
No entanto, o trabalho também confirma a identidade de misteriosos esqueletos pertencentes a vários equídeos com 4.500 anos de idade, encontrados num cemitério destinado a elites mesopotâmicas no norte da actual Síria, os quais pertenceram provavelmente a estes estranhos kungas.
Fotografia de Conrad Keller.
Cavalos domésticos
Antes da introdução do cavalo doméstico na Mesopotâmia, em finais do terceiro milénio a.C., as tabuinhas cuneiformes da época já documentavam a criação intencional de uns equídeos de grande valor chamados kungas para serem usados para fins diplomáticos, em cerimónias ou na guerra. Segundo estas tabuinhas, um kunga poderia valer seis vezes mais do que um burro normal durante a Idade do Bronze antiga.
Existem muitas teorias sobre a origem destes estranhos equídeos. Alguns cientistas chegaram a afirmar que seria um cruzamento de burro com uma outra espécie de equídeo desconhecida ou por determinar. Só agora, graças ao trabalho desenvolvido por E. Andrew Bennett e os seus colegas do Instituto Jacques Monod-Universidade de Paris, adscrito ao CNRS, e da Academia Chinesa das Ciências, é que foi possível determinar com exactidão a origem genética da espécie.
Para saber se eram kungas ou tentar averiguar a origem taxonómica das criaturas, os investigadores analisaram os genomas de até 25 esqueletos completos pertencentes a exemplares masculinos de diferentes híbridos e equídeos. Estes tinham sido previamente identificados num antigo cemitério de Tell Umm el-Marra, na actual Síria.
Como o ADN estava extremadamente mal conservado devido às condições climáticas quentes da Síria, os investigadores tiveram de combinar a sequenciação de ADN nuclear com reacções em cadeia da polimerase – PCR – dirigidas ao ADN mitocondrial para estudar as fêmeas, e ao cromossoma Y, para investigar os machos, a fim de identificarem os progenitores.
Fotografia de Internet archive book images / "the origin and influence of the thoroughbred horse. 1905.
Em seguida, Bennett e a sua equipa compararam as suas descobertas com os genomas de vários equídeos provenientes de um sítio turco do início do Neolítico e com amostras de dois dos últimos burros selvagens sírios de que há conhecimento, conservados no Museu de História Natural de Viena.
“Sequenciámos os genomas de um destes equídeos com aproximadamente 4.500 anos juntamente com os de um hemipo com 11.000 anos, oriundo de Göbekli Tepe, e dois dos últimos hemipos conhecidos”, diz Bennet, “e concluímos que os kungas eram híbridos de primeira geração entre burros domésticos fêmea e hemipos machos, documentando assim a evidência mais antiga da criação de animais híbridos”, acrescenta.
Uma vez que o estudo confirma a hipótese anterior, segundo a qual os equídeos encontrados no local de enterramento eram híbridos, e descobre a ascendência dos kungas, os investigadores dizem que pode contribuir para compreender a importância da reprodução de híbridos nas sociedades mesopotâmicas do terceiro milénio a. C..
Um Kunga poderia valer até seis vezes mais do que um burro normal na Idade do Bronze antiga.
Artigo publicado originalmente em castelhano em nationalgeographic.com.es