Em 1996, o fotógrafo David Doubilet maravilhou-se com um recife no Pacífico. Dezassete anos depois regressou para comprovar se aquele local mágico e frágil sobreviveu.
Texto de Cathy Newman Fotografia de David Doubilet
Uma castanheta-de-três-pintas nada junto de um trio de peixes-palhaço na baía de Kimbe, na Papua Nova-Guiné.
Existe um reino de coral no oceano Pacífico que se chama baía de Kimbe. “É um mundo mais estranho do que as fronteiras exteriores do espaço”, afirma o fotógrafo David Doubilet. Ao contrário do espaço gelado, porém, este mundo vive e respira. No seu universo, existem galáxias de peixes e formações de coral tão espectaculares como a explosão de uma supernova. A baía situa-se na costa da Nova Bretanha, na Papua Nova-Guiné. A região assenta sobre duas placas em colisão. Essa geologia desconfortável originou uma paisagem composta por vulcões, uma plataforma insular estreita que se precipita abruptamente, como se fosse o fim do mundo, num abismo com dois quilómetros de profundidade e montanhas subaquáticas que, ao longo dos milénios, foram coroadas por recifes.
Abrangendo 9.800 quilómetros quadrados ao longa da costa da Nova Bretanha, a baía de Kimbe faz parte do Triângulo de Coral, que alberga cerca de 76% das espécies mundiais de coral. Os grupos de conservação identificaram 14 áreas com potencial para refúgio marinho.
Uma tartaruga-de-pente nada junto de peixes-morcego e barracudas. Picos submersos atraem várias espécies de alto-mar e fazem da baía de Kimbe um paraíso de biodiversidade.
Em 1996, David Doubilet trabalhou durante oito dias em Kimbe numa reportagem e essa experiência provocou-lhe o desejo de lá voltar. Foi uma obsessão nascida da memória de um paraíso submerso com cardumes prateados, bosques de gorgónias e águas transparentes. Estaria o paraíso intacto? – interrogava-se o fotógrafo.
Este jardim de coral delicado está abrigado das tempestades no sotavento de uma península próxima. Os recifes de Kimbe contribuem para o sustento dos pescadores locais, alguns deles ainda dependentes do uso de canoas tradicionais.
“Alguns recifes são cinéticos, como uma pintura abstracta”, diz. Kimbe é lânguido, “como uma pintura impressionista”. A avaliação da vida marinha que balouça, nada ou rasteja nestas correntes testemunha a diversidade em todo o seu esplendor. O registo inclui 536 tipos de coral (mais de metade das espécies mundiais) e novecentas espécies de peixes de recife. Maravilhas pequenas (como o cavalo-marinho pigmeu) e grandes (como o cachalote) partilham as suas águas.
“Alguns recifes são cinéticos, como uma pintura abstracta”, diz. Kimbe é lânguido, “como uma pintura impressionista”.
Isso deve-se a uma combinação da situação geo- gráfica com correntes oceânicas, a temperatura e os caprichos da evolução. Ao contrário do que sucede em muitos outros recifes do planeta, este, por ser tão isolado, permanece tão vibrante hoje como era em 1996. Nem tem de enfrentar o crescimento demográfico, como acontece, por exemplo, com os recifes ao largos da Ásia. Aqui não existe pesca comercial. O recife também prospera por ser bem tratado. Um dos seus defensores é a Nature Conservancy, que elaborou um plano para 14 áreas protegidas na baía, com o apoio de uma organização de conservação e formação local denominada Mahonia Na Dari (“Guardiã do Mar”, no idioma nativo), juntamente com o Centro da Papua Nova-Guiné para as Áreas de Gestão Local, que ajuda as comunidades a gerir os seus recursos.
Vista aérea da baía de Kimbe que faz parte do Triângulo de Coral.
Animais semelhantes a plantas (crinóides) extraem plâncton das águas de Kimbe. Com 900 espécies de peixes de recife, a baía fervilha de vuda, num banquete em movimento para predadores como estas barracudas.
Se quiser avistar um recife saudável, Kimbe é um bom exemplo, concorda Geoffrey Jones, professor de biologia marinha na Universidade James Cook, da Austrália, que o estuda desde 1997. A singularidade inclui uma abundância invulgar de cabozes, peixes pequenos especializados em habitats extremos. “Se esse coral em particular desaparecer, o peixe também desaparece”, explica.
Por enquanto, os peixes e os corais mantêm-se intactos. Repare bem na escolha de palavras: por enquanto. Nunca é demasiado repetir que os recifes são perecíveis. São vulneráveis à acidificação dos oceanos, à sobrepesca, à escorrência de terras agrícolas e, acima de tudo, ao aquecimento global, gerador de uma cadeia de acontecimentos que termina na lixiviação do coral.
Uma torre de barracudas com 20 metros de altura ergue-se junto da bióloga marinha Jennifer Hayes, mulher do fotógrafo Doubilet e sua colaboradora. Muitos dos pináculos de coral de Kimbe acolhem um cardume residente de barracudas, indício de um recife robusto.
“Chegámos durante uma das piores monções em várias décadas”, diz David Doubilet, após regressar da visita a Kimbe. As alterações climáticas perturbam os padrões climáticos em todo o mundo. Na baía de Kimbe, a época das monções intrometeu-se num mês habitualmente claro e límpido. Chuvas torrenciais provocaram escorrências que turvaram as águas interiores, obrigando-o a concentrar-se em recifes mais distantes da orla costeira.
Mesmo assim, a baía de Kimbe perdura. Os pequenos peixes prateados, os corais brilhantes, as gorgónias carmesim que deslumbraram David Doubilet em 1996 anos ainda lá estão. Por enquanto. Mais de metade dos recifes da Papua Nova-Guiné encontram-se ameaçados. Os recifes são frágeis – tão frágeis e perturbadores como a recordação de um sonho.
De ventre afilado e quase planos, os peixes-lâmina nadam em formações perfeitas, apressando-se a procurar protecção entre os ramos de uma gorgónia. "É gratificante perceber que estes prodígios ainda abundam na baía de Kimbe", diz David Doubilet.