Os papagaios-do-mar desaparecem durante meses a fio. Quando regressam a terra, porém, estas destemidas aves aquecem a alma de muitos ornitólogos amadores.
Texto Tom O’Neill Fotografias Danny Green
Preparando-se para pousar, este papagaio-do-mar traz uma refeição para a sua cria nas ilhas de Treshnish. Os progenitores fazem oito a dez viagens diárias em busca de alimento. Cada ave pode transportar 20 ou mais peixes no bico.
Lá vêm eles, batendo as asas numa pulsação desenfreada. Os corpos formam manchas pretas e brancas, com pinceladas cor de laranja dos seus bicos exageradamente grandes, como que saídos de um desenho animado. Vazias e escuras durante meses, as falésias são perturbadas por grande alvoroço no início de Abril com a chegada do bizarro e adorável papagaio-do-mar.
Entre Abril e Agosto, os papagaios-do-mar tomam posse das falésias envoltas em nevoeiro da Reserva de Hermaness. Muitos regressam para o mesmo parceiro e o mesmo ninho. O seu paradeiro no Inverno continua a ser um mistério.
É a mais pequena das quatro espécies de papagaios-do-mar e chega em massa para se reproduzir nas ilhas e costas da Grã-Bretanha. Ninguém sabe como e onde a Fratercula arctica (“fradinho do Árctico” numa tradução literal, assim denominado devido ao carapuço negro, de aspecto monástico) passa o resto do ano. Os animais andam algures nos vastos mares do Norte, solitários, raramente avistados, enquanto voam, comem e flutuam.
A reprodução é o único pretexto destas aves marinhas para ir a terra. Tornam-se intensamente sociais, cortejando, acasalando, lutando. O tamanho dos bandos varia entre algumas centenas de casais, no Maine (EUA), a dezenas de milhares na Islândia. As Ilhas Britânicas, onde o fotógrafo Danny Green trabalhou, atraem cerca de 10% de um total estimado de vinte milhões de papagaios-do-mar. Embora ninguém conheça o número exacto da população, estima-se que a Islândia albergue quase metade.
Um papagaio observa o seu domínio na Reserva de Hermaness, nas Shetland. Os papagaios-do-mar constroem ninhos junto da falésia para terem acesso rápido ao mar. Estão sempre atentos às aves oportunistas que lhes roubam o alimento.
Os papagaios-do-mar mudam de roupa durante a época de acasalamento. Os bicos ficam mais grossos e brilhantes, penas brancas substituem as pretas e os olhos ficam enfeitados. Depois de emparelharem, frequentemente com o mesmo parceiro de anos anteriores, os papagaios-do-mar utilizam o bico e as patas com membranas para escavar um ninho no solo macio. Noutros locais, nidificam entre rochas e pedregulhos. As fêmeas põem ovos que são incubados, por turnos, sob as asas do macho e da fêmea. Eles também partilham os deveres relacionados com a alimentação: a fêmea faz a maioria das viagens, correndo até à água e regressando com o bico cheio de peixes, determinada a evitar gaivotas, mandriões-grandes e outros piratas do ar.
Quando cortejam, esfregam e batem os bicos. Na ilha de Skomer, no País de Gales, um casal exibe o bico laranja com sulcos e o vistoso anel à volta dos olhos típicos de um papagaio-do-mar em época de acasalamento.
Uma colónia de papagaios-do-mar é quase sempre silenciosa. Nas Ilhas Britânicas, onde não são caçadas há um século (a caça ainda é legal na Islândia), as aves podem ser incrivelmente dóceis, tolerando visitantes humanos.
Segundo Iain Morrison, que acompanha ornitólogos amadores às ilhas escocesas de Treshnish, é óbvio que “o convívio com papagaios-do-mar torna os humanos felizes. Chamo-lhe a terapia do papagaio”.
Carregado de caules e folhas, um papagaio-do-mar recolhe material para forrar o ninho. “Eles recolhem tudo com muita motivação”, diz o especialista Mike Harris. Entre os elementos particularmente apreciados incluem-se penas, pedaços de fio, papel e algas marinhas.
A maioria das populações tem vindo a diminuir na última década. Em alguns anos, certas colónias da Islândia e da Noruega quase não geraram juvenis. Os pequenos peixes preferidos pelos papagaios-do-mar, como galeotas, espadilhas e arenques, estão a escassear e o tamanho das capturas tem vindo a diminuir. O aquecimento da água parece afectar a cadeia alimentar.
Espreitando a partir do ninho, um papagaio-do-mar colhe uma flor para decorar a sua casa temporária, na ilha de Skomer, onde se reproduzem seis mil casais. Os ninhos têm normalmente um metro de comprimento para manter ovos e crias em segurança. As crias raramente são vistas durante seis semanas.
Mike Harris estuda a colónia da ilha de May (Escócia) e crê que “os papagaios-do-mar estão com dificuldades em criar pintos.” Vivendo em média até aos 30 anos, os papagaios-do-mar “podem dar-se ao luxo de interromper o ciclo de reprodução durante alguns anos, até as condições melhorarem. Contudo, a longa duração deste período vai afectar toda a população”.
Papagaios-do-mar em modo guerreiro abrem as asas e os bicos num combate enlameado na ilha de Skomer. A maioria das lutas entre papagaios-do-mar é motivada por disputas por ninhos. Um ataque ao pescoço costuma pôr termo à discussão.
Entretanto, existem motivos para comemorar, como na ilha de Skomer, no País de Gales. Por razões ainda não totalmente conhecidas, o número de papagaios-do-mar está a aumentar. Vários ninhos estão cheios. Com a chegada de Agosto, as crias partem, como sempre, bamboleando-se pelas encostas íngremes abaixo até nadarem e voarem para longe, enfrentando vários meses de frio sozinhos. Conhecem o caminho de volta. E para um papagaio-do-mar, é impossível resistir à atracção de uma multidão na Primavera.
Gráfico Lauren E. James. Fontes: Birdlife International e Natureserve; Mike Harris, Centro de Ecologia e Hidrologia, Edimburgo.