Todos os anos, quando se aproxima o dia 4 de Julho, feriado nacional dos Estados Unidos, um vale das montanhas Rochosas transporta-se para outro século.
Texto Jeremy Berlin Fotografia David Burnett
Richard “Spirit Horse Hunter” Ashburn, guia no Wyoming, inspira-se no horizonte reflectido nos lagos Green River, integrados na Floresta Nacional Bridger-Teton.
Dezenas de homens de aparência rude reúnem-se num acampamento. Amarram os cavalos e mulas às árvores. Vestem peles de animais. E, enquanto assam nacos de carne de búfalo numa fogueira acesa com pederneira, partilham truques sobre armadilhagem de castores e recarga de espingardas.
Estes festivais são interpretados por dentistas, advogados ou carteiros que, durante uma semana todos os anos, deixam cair o verniz moderno e regressam a uma época na qual a sobrevivência significava auto-suficiência.
São homens de montanha que recriam o comércio de peles que floresceu na América do Norte entre 1800 e 1840. Estes festivais são interpretados por dentistas, advogados ou carteiros que, durante uma semana todos os anos, deixam cair o verniz moderno e regressam a uma época na qual a sobrevivência significava auto-suficiência.
O fotógrafo David Burnett passou duas temporadas com eles. Descobriu “um grupo acolhedor e curioso sobre o que era necessário à sobrevivência antes de existirem as conveniências da vida moderna”, conta. “Gostam de conhecer as coisas antigas, as coisas autênticas, as que já não são ensinadas.”
Scott Olsen é dentista em Montana. Transformado em homem de montanha, o seu nome passa a DocIvory. Na imagem, ele e o seu cão, Ume, verificam armadilhas para castor nos riachos gelados do vale Ruby, em Montana.
Na verdade, a associação Homens de Montanha Americanos (AMM, na sigla original) esforça-se por preservar “as tradições e o modo de vida dos pioneiros mais destemidos e dos exploradores audazes desta nação” e “partilhar o conceito fraternal de ensinar, partilhar e aprender as competências necessárias para sobreviver e viver como o fizeram os grandes homens de montanha americanos”.
Para a maioria, o interesse no passado começou na juventude. “Enquanto crescia, lia livros de Davy Crockett, Kit Carson e Daniel Boone”, conta Scott Olsen, dentista em Montana e membro há 25 anos da AMM. “E percebi que tinha nascido demasiado tarde.”
O comércio de peles do Oeste começou após a expedição de Lewis e Clark em 1805-1806. Em 1825, realizou-se o primeiro encontro anual de caçadores perto de McKinnon, no Wyoming. Baptizado Rendavouze Creek Rendezvous, foi um acontecimento barulhento e agitado, uma oportunidade para os homens da montanha venderem as suas peles, reabastecerem-se de víveres e socializarem após meses em locais selvagens.
Em Canton, o antigo técnico de radar da Marinha Larry Hanson, de 74 anos, enverga uma pele de veado (em cima, à esquerda). Em Lima Peaks, Raylene Ashburn, artista que faleceu em Março de 2015, refresca-se (em cima, à direita).
Conan Asmussen (em baixo, à direita) e a mãe, Gail (em baixo, à esquerda), posam por momentos. No encontro, as mulheres vestem-se como as nativas americanas que por vezes casavam com os caçadores.
O comércio de peles morreu a meio do século XX com as mudanças no vestuário e a queda do preço das peles. Em 1968, porém, o seu legado foi reavivado, quando um homem chamado Walt Hayward fundou a AMM com seis outros ávidos amantes da história e da vida ao ar livre.
Na actualidade, esta é uma organização espalhada por todo o país, com brigadas locais, encontros estaduais e um encontro nacional. Todos seguem o código dos homens de montanha, mas as diferenças regionais têm a sua importância, segundo Mike Morgan, um caçador e um antigo capitão da Marinha que se juntou à brigada de Montana do amigo Scott em 1998.
“A oeste do Mississípi, replicamos o comércio de peles como este existia nas Rochosas, o que significa vestir peles e couros e aprender técnicas antigas”, como esfolar um rato-almiscarado, montar a cavalo, atirar facas ou controlar um barco rudimentar.
Depois de andar 55 quilómetros naquele dia, Rik “Hawk” Hurst (de pé) e três companheiros descansam enquanto os cavalos pastam, em Lima, Montana. Cavaleiros e cavalos têm de estar em forma para seguir os trilhos originais dos homens de montanha do Oeste do século XIX.
A detecção dos equipamentos historicamente adequados é um desafio. “Encomendei calças brancas de algodão com dupla abotoadura, uma camisa e mocassins”, diz David Burnett. “Porém, quando me vesti, parecia deslocado do contexto. Coloquei por isso todas as peças num balde de plástico, acrescentei um corante vermelho-acastanhado e deixei-as assim durante quatro dias. O resultado foi melhor.”
Para se juntar à AMM, um “peregrino” tem de ser apadrinhado por um membro e iniciado através de requisitos e níveis. Independentemente da pontuação, porém, o objectivo é sempre o mesmo. “Queremos documentar a história da forma mais completa possível e transmitir competências valiosas para que as futuras gerações tenham acesso ao passado”, conclui Mike Morgan.