O Gabão, país da África Central, acolhe a maior parte dos elefantes da floresta: são cerca de 95 mil, correspondentes a dois terços da população total. O efectivo sofreu uma quebra de 80% ao longo do último século devido à caça furtiva e à perda de habitat.
Numa floresta isolada do Gabão, as noites mais quentes e a chuva menos abundante podem ser a causa de uma diminuição dos frutos das árvores, pondo em risco um dos animais mais ameaçados de África.
Texto: Yudhijit Bhattacharjee
Fotografias: Jasper Doest
Ao crepúsculo, entrámos de carro na zona florestada do Parque Nacional de Lopé, na região central do Gabão, deixando para trás a cidade de Lopé – o último posto avançado antes da reserva. Nas duas margens da estrada, um mosaico de savana e da floresta húmida tropical estendia-se até perder de vista. No preciso instante em que nos preparávamos para entrar numa secção cerrada da floresta, o nosso condutor, Loïc Makaga, responsável pela gestão da unidade de investigação do parque, travou a fundo. “Elefantes!” disse, em voz baixa e entusiasmada, apontando para a frente. Desligou o motor.
A uma escassa centena de metros de nós, uma manada de elefantes emergiu da floresta. À luz do luar, contei seis animais, entre os quais uma cria empurrada presumivelmente pela progenitora. O grupo atravessou a estrada pesadamente, num passo descontraído, com uma segurança que sugeria já terem por aqui passado muitas vezes. Ao observá-los de perto, senti-me como um estranho que tivesse entrado no lar ancestral de uma família, sem ser convidado. Mesmo assim, puxei do telemóvel para captar o momento. Porém, enquanto satisfazia este desejo, um enorme macho, a menos de trinta metros à nossa direita, barriu com agressividade, de tromba erguida no ar.
“Temos de ir!” disse Loïc bruscamente, ligando de novo o jipe.
As florestas húmidas do Gabão são um dos derradeiros redutos dos elefantes da floresta, cujo efectivo sofreu um declínio radical nas últimas décadas, devido à caça furtiva. Mais pequenos do que os elefantes da savana, os elefantes da floresta são criaturas enigmáticas que percorrem trilhos percorridos há muitas gerações, alimentando-se de erva, folhas e frutos. Caminham com suavidade, deslocando-se em silêncio entre as árvores. Parecem planear a sua busca de alimento à semelhança da forma como os seres humanos outrora planeavam a sua recolecção de alimentos consoante as estações do ano, regressando às mesmas árvores quando é mais provável que os frutos se encontrem maduros.












Tal como os elefantes dependem da floresta para sobreviver, muitas árvores de Lopé dependem dos elefantes para disseminar as suas sementes, através dos excrementos dos animais. Algumas chegam ao ponto de produzir frutos que não podem ser digeridos por mais nenhum animal, sugerindo uma interdependência frágil com origens muito antigas na história da evolução.
Embora isolado e relativamente intocado pelas pessoas, o Parque Nacional de Lopé e os seus elefantes parecem estar agora numa situação difícil. Os investigadores descobriram que o aumento da temperatura média da Terra poderá estar a diminuir a quantidade de fruta produzida por muitas espécies de árvores do parque, o que, por sua vez, parece causar fome entre os elefantes.
Alguns animais estão de tal maneira subnutridos que os ossos se vêem através do couro espesso. Como certas espécies de flora dependem dos animais para sobreviver, as dificuldades enfrentadas pela população de elefantes poderão pôr em perigo a sustentabilidade da floresta a longo prazo.
“Até num local como o Parque Nacional de Lopé, onde existe pouca pressão humana e uma baixa densidade demográfica, os animais selvagens não conseguem evitar o impacte das actividades humanas sob a forma das alterações climáticas”, afirma o cientista ambiental Robin Whytock, da Universidade de Stirling, um dos autores de um artigo publicado em 2020 na revista “Science” que divulgou estas descobertas.
Numa manhã soalheira e húmida, junto-me a Edmond Dimoto, um investigador da Agência Nacional de Parques do Gabão, para uma caminhada numa floresta nas encostas de uma montanha chamada Le Chameau. Ganhou esse nome por se assemelhar a um camelo de duas bossas.
















Banquete florestal. Selecção da variedade de frutos e sementes encontrados no Parque Nacional de Lopé.
Edmond trocara os sapatos por botas de borracha até ao joelho. Caminhando com cuidado por um trilho ainda molhado e escorregadio da chuva da noite anterior, cortava com tesouras de poda as gavinhas e trepadeiras que se atravessavam à sua frente. A floresta zumbia com sons de insectos e ouvia-se o chilreio das aves.
Edmond imobilizou-se diante de uma árvore da espécie Omphalocarpum procerum, pontilhada com frutos em forma de dónute que emergiam do seu tronco. Este fruto possui uma casca dura que o torna incomestível para todas as espécies de animais, excepto o elefante. Os elefantes servem-se da cabeça como aríete, batendo contra as árvores para sacudir os frutos. Então, com uma destreza incrível, pegam em cada fruto com a ponta da tromba, aconchegam-no numa curva da protuberância, aproximam o fruto da boca e, por fim, engolem-no com um empurrão hábil da ponta da tromba.
Com o suor a pingar-lhe pescoço abaixo, Edmond espreitou pelo binóculo a copa das árvores acima de nós. O seu olhar subia e descia, fazendo uma contagem rápida do número de frutos. Dois minutos depois, pegou num bloco de notas e registou as suas observações da abundância de folhas, flores e frutos. Classificou cada árvore inspeccionada numa escala de 1 (escasso) a 4 (abundante).
Quase todos os meses ao longo dos últimos 25 anos, Edmond percorre a pé segmentos da floresta de Lopé para monitorizar as árvores, que apresentam uma variedade espectacular de frutos, de tamanho variável entre o abacate e a melancia. Logo na sua primeira semana de trabalho, foi atacado por um gorila. A experiência foi de tal maneira aterradora que Edmond Dimoto disse aos colegas: “Vou-me embora.” Tiveram de convencê-lo a não se demitir. Noutra ocasião, tropeçou e caiu ao fugir de um elefante em fúria. “Tive a certeza de que ia morrer”, contou-me. Vendo-o no chão, jazendo imóvel, o elefante afastou-se.
As observações de Edmond Dimoto dão continuidade a um estudo iniciado pela primatóloga Caroline Tutin em 1984, ano em que ela e os seus colegas fundaram uma unidade de investigação que ainda funciona no Parque. Queriam perceber de que forma as variações sazonais da quantidade de fruta disponível afectavam os gorilas e os chimpanzés. A investigação de Caroline Tutin terminou no início da década de 2000, mas a inspecção mensal de centenas de árvores prosseguiu, o que torna este estudo o mais antigo projecto contínuo deste género realizado em África.
A partir de 2016, Emma Bush, colega de Robin Whytock na Universidade de Stirling, começou a analisar estes dados e identificou um declínio dramático da quantidade de frutos. Em média, a probabilidade de descobrir fruta madura em 73 espécies de árvores monitorizadas diminuíra 81% entre 1987 e 2018. Enquanto em 1987 os elefantes precisavam de examinar dez árvores para encontrar uma com frutos maduros, agora viam-se obrigados a vasculhar mais de cinquenta.
Emma tinha uma pista sobre a possível razão deste declínio. Na década de 1990, Caroline Tutin registara um decréscimo da floração e frutificação de determinadas espécies de árvores em anos mais quentes do que o habitual. Formulou então uma hipótese: a temperatura nocturna tinha de descer abaixo de 19ºC para que estas árvores conseguissem florescer.
Ao examinar os dados meteorológicos de Lopé das três décadas anteriores, Emma e os seus colegas descobriram que a temperatura média nocturna subira cerca de 0,85ºC. A pluviosidade descera acentuadamente. Devido às alterações climáticas, Lopé estava a tornar-se mais quente e mais seco. “Pensamos que esta é a teoria mais credível para explicar o declínio da fruta”, resumiu Emma Bush.
Depois de Emma partilhar os resultados com Robin Whytock, os dois conversaram sobre como descobrir se esse decréscimo estava a afectar a vida selvagem do parque. Robin acabara de dar início a um projecto destinado a avaliar a biodiversidade de Lopé, recorrendo a centenas de armadilhas fotográficas. Observara também imagens de elefantes captadas pelas armadilhas fotográficas instaladas por Anabelle Cardoso, da Universidade de Oxford, para a sua investigação.
Muitos desses elefantes apresentavam uma magreza alarmante. Em algumas imagens, as costelas eram claramente visíveis. Robin Whytock recordou as fotografias do início da década de 1990, em que os elefantes tinham barrigas rechonchudas e traseiros amplos. O contraste era chocante.
Em busca de imagens antigas de elefantes, Robin contactou o biólogo Lee White, ministro gabonês dos Recursos Hídricos, das Florestas, do Mar e do Ambiente. Em finais da década de 1990, no âmbito de uma investigação em Lopé, Lee White filmara centenas de vídeos ali. “Ele guardou todas as cassetes de vídeo – literalmente centenas de cassetes”, diz Robin. “Foi-me entregue uma caixa enorme, cheia de minúsculas cassetes de vídeo digital. Não tinha como visioná-las.”
Com base nas cassetes de Lee White e outras fontes, Robin compilou uma base de dados com milhares de fotografias de elefantes. Descobriu que, em média, a forma física dos elefantes da floresta – avaliada segundo critérios como a aparência mais ou menos ossuda dos animais – piorara em 11% entre 2008 e 2018. A escassez de fruta em Lopé era a explicação mais provável. “Os frutos e as sementes são o alimento mais calórico da dieta dos elefantes”, afirma Emma Bush.
Uma solução encontrada pelos elefantes de Lopé para compensar a escassez de fruta consiste em fazer incursões nas hortas a meio da noite. Jean-Charles Adigou, cuja casa se situa junto do limite do parque, numa aldeia com uma dezena de casas, contou-me ser frequentemente acordado por elefantes de visita ao seu quintal, onde tem uma plantação de banana e banana-da-terra. Para assustarem os elefantes, Jean-Charles e os vizinhos faziam todo o barulho possível. Muitas vezes, porém, era tarde de mais. Uma manada de seis elefantes é capaz de destruir uma plantação doméstica no espaço de poucos minutos. “Quando era novo, isto não acontecia”, disse. “Os elefantes mantinham-se longe da aldeia.”
Outro morador, um pescador chamado Vincent Bossissi, mostrou ainda maior cepticismo. Enquanto conversei com ele, manteve-se sentado numa cadeira sob uma árvore, uma mangueira que tinha no quintal onde também cultiva milho. Quando lhe fiz perguntas sobre os elefantes, a sua expressão tornou-se sombria e olhou para o outro lado. As mangas são atractivas para os animais, disse. Afirmou estar plenamente convencido de que, numa das próximas noites, eles viriam fazer-lhe uma visita e colher todos os frutos da mangueira. Isto explicava por que razão tinha uma fila de mangas maduras numa mesa a seu lado. Durante a nossa conversa, comeu os frutos, um após outro, numa aparente antecipação de possíveis perdas decorrentes de um ataque nocturno.
Embora Vincent não gostasse de elefantes, Brigitte Moussavou, uma das suas vizinhas, contou-me que muitas pessoas da aldeia tinham consciência de que eles viabilizam a regeneração de determinadas espécies de árvores, incluindo a moabi, uma árvore de grande valor cujas sementes são utilizadas no fabrico de óleo alimentar.
“Queremos proteger as nossas culturas, mas nada temos contra os elefantes”, afirmou.
No Parque Nacional de Lopé, a comunidade científica investiga actualmente se as alterações climáticas estão a modificar o regime alimentar dos elefantes. Certa manhã, acompanhei dois investigadores no seu trabalho de campo, em busca de excrementos de elefante. Não foi preciso percorrer uma grande distância de automóvel até descobrirmos uma pilha fresca verde-acastanhada, do tamanho de um balde, junto da estrada. Depois de calçar luvas de borracha, um dos investigadores contou o número de excrementos e, em seguida, mediu a circunferência de cada um com uma fita métrica.
A recolha foi feita com minúcia, como me explicou de maneira algo envergonhada, para documentar a quantidade de excrementos que os elefantes estavam a produzir – a prazo, estes dados revelam a quantidade de alimento ingerida.
Depois de recolhermos os excrementos num saco de plástico, prosseguimos até um riacho. Os investigadores despejaram o conteúdo sobre uma peneira de arame e mergulharam-na na água, permitindo que as fezes mais finas fossem levadas pela corrente deixando para trás as sementes, os caules e os ramos. Guiados pelas sementes, como explica Robin Whytock, os cientistas esperam descobrir quais os frutos – e em que quantidade – consumidos pelos elefantes e, em seguida, comparar esses dados com os estudos sobre os excrementos realizados por Lee White, e outros investigadores, três décadas antes. “Esta é a maneira mais directa de avaliar se o regime alimentar dos elefantes da floresta tem sido afectado”, afirma.
Ao partirmos de Lopé, não muito longe do local onde eu avistara os elefantes, vimos um búfalo na estrada, bloqueando a passagem. Olhámos fixamente para ele e ele olhou fixamente para nós, sem arredar pé. No silêncio, dei por mim a imaginar um mundo em reformulação. Por fim, o búfalo afastou-se calmamente e nós seguimos viagem. À medida que as colinas e as florestas ficavam para trás, tive um pensamento inquietante: poderá a fragilização do antigo elo entre árvores e elefantes num lugar como Lopé ser um prenúncio? Será possível que outras florestas aparentemente incólumes, sem terem um Edmond Dimoto para inspeccionar as suas árvores, já estejam afectadas por processos ainda não detectados?