criar arvores

O futuro do outrora magnifico castanheiro-americano pode depender de plântulas como esta, numa estufa de Syracuse (EUA). As plântulas foram geneticamente modificadas para resistir a um fungo que matou milhares de milhões de castanheiros no início do século XX.

Os cientistas conseguem criar árvores mais resistentes, alterando o DNA. A grande pergunta é: deverão fazê-lo?

Texto: Sarah Gibbens

Quando Rexmann, hoje com 77 anos, teve idade suficiente para trabalhar nas florestas dos Apalaches, elas estavam cheias de árvores mortas.

“Chamávamos-lhes fantasmas cinzentos”, diz o silvicultor reformado, referindo-se aos castanheiros espalhados pela Carolina do Norte, onde então vivia, e que ainda se erguem sobre os solos das florestas. Eram os restos esqueléticos de árvores majestosas que, noutro tempo, chegaram a alcançar 30 metros de altura e três metros de diâmetro. Ao longo do século XX, talvez 4.000 milhões, um quarto das árvores de madeira dura que crescem na região dos Apalaches, foram mortas por um fungo asiático acidentalmente importado em finais do século XIX. Foi considerada uma das piores catástrofes ambientais que até hoje assolou a América do Norte e também uma antevisão do futuro.

Do escaravelho-verde à morte súbita do carvalho, da doença do ulmeiro-holandês à murchidão do carvalho, do cancro da nogueira aos afídeos, muitas árvores enfrentam as suas próprias pandemias num mundo em globalização. E agora as alterações climáticas, com as suas secas, cheias e vagas de calor catastróficas, estão a tornar particularmente difícil o combate aos agressores.

Tudo isto levou alguns cientistas a perguntar: seremos nós capazes de criar árvores mais capazes de lidar com o stress? O castanheiro-americano pode, em breve, estabelecer um precedente – desta vez a caminho da ressurreição. Ajustando o seu DNA, alguns cientistas criaram uma árvore resistente a pragas. Se a solução resultar com o castanheiro-americano, talvez funcione com outras árvores afectadas de forma semelhante.

“Alguns críticos acusam-nos de tentar fazer o papel de Deus”, diz Allen Nichols, presidente da secção de Nova Iorque da Fundação do Castanheiro-Americano. “Costumo responder, lembrando que há demasiado tempo que andamos a armar-nos em diabo, por isso talvez agora precisemos de agir como Deus ou perderemos demasiado.”

O cancro do castanheiro é causado por um fungo que provoca úlceras alaranjadas no tronco e ramos da árvore. Estes entalhes podem impedir que a água e os nutrientes fluam no interior das árvores. O fungo, da espécie Cryphonectria parasitica, poupa os exemplares mais jovens, mas a casca da árvore racha à medida que envelhece, permitindo a entrada de esporos fúngicos no tronco, onde libertam ácido oxálico, que mata o tecido das árvores.

Enquanto espécie florestal, o castanheiro-americano tem sobrevivido através da germinação de clones a partir das raízes de árvores mortas. Porém, o cancro é inevitável com a idade e a capacidade da árvore para se clonar não é infinita.

Os esforços para cruzar castanheiros-americanos com homólogos chineses para desenvolver um híbrido resistente ao cancro começaram na década de 1930 e foram levados ainda mais a sério na década de 1950. A Fundação do Castanheiro-Americano começou a trabalhar formalmente no híbrido na década de 1980.

“Acelerando mais de 30 anos no trabalho de criação, verificamos hoje que a resistência ao cancro é muito mais complicada do que pensávamos”, diz Tom Saielli, cientista de silvicultura da fundação.

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No Outono, Hannah Pilkey colhe castanhas ao abrigo do Projecto de Investigação e Recuperação do Castanheiro-Americano, em Syracuse. As flores do castanheiro foram fertilizadas com pólen de árvores geneticamente modificadas. Os sacos garantem que o pólen e as sementes não se disseminam acidentalmente.

A comunidade científica crê agora que um número de regiões genéticas (talvez nove), trabalhando em conjunto, poderão ser responsáveis por disponibilizar resistência ao cancro, o que tornará a reprodução de árvores um desafio. A verdadeira questão é: qual a combinação de genes certa para produzir resistência ao cancro? A reprodução também exige muitas gerações novas para alcançar progressos e cada geração dura muitos anos.

A engenharia genética proporciona um atalho polémico para criar um castanheiro-americano verdadeiramente resistente ao cancro. Na década de 1990, Charles Maynard e Bill Powell, da Faculdade SUNY de Ciências Ambientais e Florestais de Syracuse, iniciou essa demanda, utilizando uma tecnologia considerada emergente nessa época. Segundo Powel, era como “construir um barco antes de ir pescar. Começámos, simplesmente, a testar genes”.

O momento decisivo deu-se quando a equipa tomou conhecimento de um gene do trigo que aumentava a resistência aos patógenos no tomate. O gene produz oxalato oxidase – OxO, resumidamente – uma enzima que decompõe o ácido produzido pelo fungo do cancro do castanheiro, tornando-o inofensivo. Em 2014, Maynard e Powell acrescentaram com sucesso este gene do trigo ao genoma do castanheiro. Deram à árvore modificada o nome de Darling 58, em homenagem a Herb Darling, engenheiro e ávido apoiante do seu trabalho. Árvores cultivadas em lotes de teste em Syracuse revelaram-se tolerantes ao cancro.

Os fãs dos castanheiros quiseram saber exactamente quando poderiam adquirir o Darling 58. Oito anos mais tarde, ainda estão à espera, mas Bill Powell mostra-se confiante de que o Darling 58 é seguro, embora as árvores transgénicas inspirem medo.

A autorização para testar culturas geneticamente modificadas é estritamente regulamentada nos Estados Unidos. Bill Powell e os seus colegas pediram ao Departamento da Agricultura, à Administração dos Alimentos e Fármacos e à Agência de Protecção Ambiental para que facilitassem os regulamentos impostos ao Darling 58, atribuindo-lhe o estatuto de árvore não-modificada. É a primeira vez que estas instituições lidam com um pedido destes e isso estabelecerá um precedente para outras espécies de plantas.

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Um investigador remove o ouriço pontiagudo de castanhas polinizadas com pólen transgénico. Com cada geração de árvores geneticamente modificadas, os cientistas aproximam-se mais do dia em que os castanheiros-americanos poderão de novo prosperar em ambiente selvagem.

“Quando forem libertadas na floresta, já não há volta a dar. Não há como inverter a situação”, diz Anne Petermann, directora executiva do Projecto Global de Justiça Ecológica. Alguns activistas também estão preocupados com a possibilidade de as árvores violarem o seu direito a manterem os organismos geneticamente modificados, ou OGM, fora das suas terras.

Apesar destes receios, a comunidade científica defende que a engenharia genética é uma ferramenta poderosa para manter intactos os ecossistemas florestais. Na Universidade de Purdue, os investigadores têm estudado formas de modificar geneticamente freixos de modo a evitar o escaravelho-verde, um insecto altamente destrutivo. No Canadá, os cientistas desenvolveram um choupo geneticamente modificado que evita as lagartas do género Choristoneura. E no laboratório de Powell, em Syracuse, os cientistas estão a investigar novos genes para incorporar em ulmeiros e castanheiros. Para os adeptos do castanheiro-americano, como Rex Mann, a quem os pais contaram histórias sobre o desaparecimento da árvore e cujos netos podem assistir ao seu regresso, a recuperação seria a prova de que os erros ambientais podem ser corrigidos. Na sua casa, em Kentucky, Mann dedica-se àquilo que chama “evangelismo do castanheiro”. Ele diz que pregará a importância dos castanheiros “até começar a babar-me”. “Muitas pessoas nem sabem que toda esta morte e destruição anda à solta na nossa floresta”, afirma. “Acho que não temos o direito de ficarmos simplesmente parados e deixarmos que tudo isto desapareça.”

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