golfinhos

Apesar de ainda faltarem dados científicos concretos, tudo indica que roazes como estes (avistados em frente da Torre de Belém) pertencem a um grupo, com cerca de meia centena de indivíduos, residem na frente atlântica e sobem amiúde a barra, ao passo que os golfinhos-comuns, com grupos de dimensão muito variada, não são residentes.

Nos meses mais quentes, o rio enche-se de alforrecas, os pescadores são forçados a recolher as redes e são os golfinhos que aproveitam essa trégua.

Texto: Alexandre Vaz

É difícil encontrar uma grande cidade que não se tenha implantado junto ao mar ou na margem de um lago ou de um rio. Lisboa não é a esse título excepcional e a presença do Tejo está enraizada na história e na cultura da cidade. O rio espreguiça-se à vista da metrópole num estuário antes de se diluir no oceano. As referências à presença de mamíferos marinhos que se aventuravam rio acima são quase tão antigas como a própria cidade, mas, nas últimas décadas do século XX, os avistamentos tornaram-se raros. Até à inauguração da ponte sobre o Tejo em 1966, quem se deslocava de Lisboa para a margem sul contornava o estuário ou fazia a travessia de cacilheiro. Nesse tempo, o avistamento de golfinhos no rio era comum, mas, com os anos, o aumento do tráfego marítimo e da poluição e a depleção dos stocks de pesca empurraram esta experiência para as memórias dos mais velhos.

Desde criança que Bernardo Queiroz é apaixonado pelos oceanos. Seguia as aventuras de Jacques-Yves Cousteau e hoje, décadas passadas, confessa que ainda guarda com estima esses livros. Uma perfuração do tímpano e um diagnóstico precipitado impedi-lo-iam no entanto de sonhar com uma vida abaixo da superfície. Com 13 anos, começou a velejar e, pouco depois, já dava aulas de vela. Ainda na faculdade decidiu criar a escola de vela onde se mantém até hoje. São 35 anos a navegar no Tejo e a pele marcada pelo sol e pelo salitre não enganam.

Durante anos, só via mamíferos marinhos quando se aventurava mar adentro, mas há uma década que grupos de golfinhos recomeçaram a entrar esporadicamente no rio. Bernardo não se cansa de repetir que não é biólogo, mas o fascínio que tem pelo mar e pelos seus animais transparece no entusiasmo com que descreve cada encontro. Entre 2010 e o início da pandemia, ele e a sua equipa, aos comandos de uma dúzia de embarcações, avistavam em média uma dezena de grupos de golfinhos todos os anos. “Na maioria, eram golfinhos-comuns, mas também avistámos roazes.” Bernardo não tem dúvidas de que as restrições impostas pela pandemia alteraram radicalmente esta realidade, “de um momento para o outro, passámos de uma dezena de observações por ano para cerca de duzentas – não apenas de roazes e golfinhos comuns mas também de botos onde a água do rio se mistura com a do mar”.

Nos dias seguintes à entrada de um grupo de roazes, não costuma avistar os congéneres de menor porte. “Quando entram os lobos, as raposas mantêm-se à distância”, diz com uma gargalhada. Mas há uma atitude em comum: “Quando entram no rio, vêm em modo de caça.” Este comportamento promete gerar conflitos não apenas com pescadores que temem a competição, mas também entre operadores de empresas marítimo-turísticas que, não estando licenciados para a observação de cetáceos, não querem perder a oportunidade de tirar vantagem de mais esta atracção.

Com o alívio das restrições impostas pela pandemia, Bernardo já nota um ligeiro decréscimo dos avistamentos, mas está convencido de que entretanto os golfinhos não voltarão as costas a este recurso. Nos meses mais quentes, o rio enche-se de alforrecas, os pescadores são forçados a recolher as redes e Bernardo sabe quem vai aproveitar essa trégua. A empresa que fundou aposta sobretudo nas aulas de vela, e o turismo orientado para observação de golfinhos será sempre um pequeno extra. Na maioria dos casos, “são os golfinhos que se aproximam das nossas embarcações e se sentem saturados da nossa presença”, diz. “Mostram-no muito facilmente, afastando-se e batendo com a cauda na água, e nós respeitamos”. Nas principais marinas da região, estão agora afixadas regras de conduta que devem ser observadas nestes encontros. Se todos souberem respeitar estes magníficos animais, Lisboa poderá voltar a ser uma das únicas capitais europeias de onde se podem observar cetáceos a partir de uma esplanada.

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