Para o estudante de engenharia filipino Jonathan Vitug, o focinho suplicante de um gato vadio preso no seu quintal “representa o que os gatos querem das pessoas que se preocupam: que os ajudemos”. Ele pensa que os gatos precisam de maior protecção no seu país. O resultado desse sentimento, segundo Jonathan, chama-se agora Pepper.
Os gatos são o animal de estimação mais popular do mundo e não chegaram aqui usando o comportamento cooperativo dos cães, descobriram a sua própria forma de sobreviver e prosperar com os humanos.
“Eles também podem cooperar e conseguem aprender connosco mas só quando querem”, confirma Dennis Turner, do Instituto de Etologia Aplicada e Psicologia Animal na Suíça. “São criaturas independentes com as quais é difícil trabalhar. É a razão principal pela qual ninguém ainda estudou seriamente as suas capacidades cognitivas em testes orientados.” Immanuel Birmelin, da Sociedade de Pesquisa de Comportamento Animal, conseguiu demonstrar que os gatos podem contar até quatro, mas isso de pouco serviu: “Realmente, não percebemos a mente do gato. Talvez sejam mais selvagens do que costumamos imaginar.”
No entanto, Immanuel, Dennis e outros asseguram que os gatos prestam mais atenção aos seus donos humanos do que as pessoas provavelmente percebem e, devido a essa característica, são excelentes a aprender com o que observam. “Alguns gatos podem ver algo apenas uma vez e depois repeti-lo sozinhos na vez seguinte”, diz Dennis. Dá como exemplo o talento de muitos gatos na Europa para abrir portas. Como a maioria das maçanetas europeias não são verdadeiramente maçanetas, mas sim manípulos horizontais, os gatos conseguem facilmente abrir portas depois de verem os seus donos a fazê-lo. Alguns gatos até aprendem a usar a liteira observando os seus donos.













Gatos e cães também aprendem rapidamente com o método de tentativa e erro e com o que os psicólogos designam por condicionamento clássico. Nessas experiências, se queremos que o gato faça algo, como sentar-se ou levantar a pata, dá-se um clique positivo e uma guloseima por cada pequeno passo até toda a sequência estar aprendida.
“Foi assim que treinei os meus gatos”, diz Samantha Martin, a directora do Amazing Acro-Cats, um grupo de Chicago composto por gatos artistas. “Quando percebem o método, conseguimos entender que se fez luz nas suas cabeças. E que eles estão prontos para mais.” Com este método, Samantha ensinou os gatos a rodopiar, balançar, andar no arame, saltar através de arcos e até tocar guitarra. “Eles tocam jazz”, brinca, embora os gatos, na verdade, toquem nas cordas ao acaso. “Conseguiriam aprender melodias se lhes ensinasse o som de cada corda”, diz. “Só é preciso tempo e paciência.”
Os gatos são conhecidos pela sua capacidade de tomar decisões, o que é considerado um sinal decisivo de inteligência, diz Dennis Turner. Quando caçam, os gatos atacam a presa apenas se acreditarem que têm hipótese de ser bem-sucedidos. “Observam e esperam, mas estão também a avaliar o potencial resultado. Têm de tomar essa decisão.”
Também tomam muitas das decisões sobre como e quando irão interagir com os donos. Ao contrário dos cães, a maioria dos gatos não responde à chamada, refere Dennis. E é o gato, não o humano, que decide quando e por quanto tempo vai ser acariciado, razão pela qual a carícia por vezes termina de forma abrupta quando o gato morde a mão que lhe faz festas. “É por isto que muitas pessoas pensam que os gatos são falsos e não se pode confiar neles”, diz Dennis. “O gato na verdade indicou que quer que as festas terminem quando semicerrou os olhos, mas geralmente não reparamos nesse sinal. Então, o gato mordisca para nos dizer que o seu estado de espírito mudou.”












Os gatos podem ser manipuladores inteligentes, especialmente dos donos. “Costumava interrogar-me por que razão um determinado ronronar do meu gato às vezes era tão irritante e difícil de ignorar”, conta Karen McComb, especialista em comunicação vocal de mamíferos da Universidade de Sussex. “É diferente de um ronronar normal e leva a que nos levantemos para ver o que o gato precisa.” Karen decidiu analisar o ronronar depois de falar com alguns dos amigos que também tinham gatos que faziam o mesmo som irritante. A especialista gravou e analisou o que denomina por “ronronar de solicitação” do seu e de outros nove gatos, percebendo que aquele tipo de ruído também contém um grito de alta frequência que é semelhante ao de um bebé humano. “Eles incorporam esse grito ligeiramente choroso dentro de uma chamada, o ronronar, que normalmente associamos a contentamento”, diz. Quão eficaz será este ronronar especial? De acordo com Karen, as pessoas que ouvem este ronronar levantam-se e alimentam o gato, antes mesmo de tomarem o seu café ou de darem comida ao cão.
Os gatos são também excelentes observadores do rosto humano, confirmam Karen e Dennis. Conseguem perceber o nosso estado de espírito muito melhor do que julgamos. Num estudo recente, vários gatos “reagiram fortemente a pessoas com pensamentos negativos”, diz Dennis Turner. Miaram e esfregaram-se contra as pernas dos que estavam deprimidos, temerosos ou introvertidos ajudando-os a sair desses estados.
Esfregar-se é uma acção típica de todos os gatos e sobre a qual sabemos ainda pouco”, refere Sarah Ellis, daUniversidade de Lincoln. “Muitas das suas acções, incluindo as que envolvem os humanos, implicam enviar e receber sinais químicos. Estas mensagens referem-se frequentemente às suas relações sociais. Quando esfregam o focinho contra nós, não estão apenas a deixar uma mensagem, estão também a receber. Quando se deslocam pelo ambiente, estão a depositar e a ler informação. É como se fosse um trilho de post-it químicos.” Esse trilho danifica-se facilmente quando o dono pinta um quarto, muda a mobília, tem um bebé ou adopta um animal. “Tudo isto gera mais stress para um gato do que podemos imaginar”, diz Sarah. “Não prestamos tanta atenção quanto devíamos e o gato encontra uma forma de o expressar: espalhando urina, por exemplo.”
Pormenor da única representação conhecida de um gato em porcelana do século XVI. A taça foi encontrada numa escavação no Pátio José Pedreira junto do Castelo de São Jorge, em Lisboa, e estudada pelo arqueólogo José Pedro Henriques (Instituto de Arqueologia e Paleociências). Segunda metade do século XVI, reinado do imperador Jiajing (1522-1566). China. Jiangxi. Jingdezhen.
Não é clara a razão pela qual inicialmente os gatos foram viver com os seres humanos. Podem não ter sido essenciais mesmo com a existência de roedores, dizem agora os investigadores. Os antepassados dos gatos eram felinos pequenos e selvagens, mas os cientistas sabem pouco sobre a forma como viviam. Sabem apenas que eram criaturas essencialmente solitárias e que eram simultaneamente presas e predadores.
“Para serem tão sociáveis quanto são hoje, tiveram de mudar rapidamente”, diz Sarah. Adaptaram-se à partilha de território com gatos com os quais não estavam relacionados e passaram a temer menos os nossos movimentos bruscos, que em ambiente selvagem seriam interpretados como a ameaça de um predador. O abandono de muitos hábitos solitários deu-lhes acesso permanente à comida e água que lhes fornecemos, acrescenta Sarah. “Ao viverem connosco, não têm de defender grandes territórios para assegurar estes recursos. É por isso que conseguem viver com outros gatos na mesma casa.”
A natureza primária do gato pode continuar a alterar-se, pelo menos no mundo desenvolvido, onde se espera que eles sejam estritamente animais de interior, tanto para sua protecção como para protecção da fauna local. “Isto coloca uma nova questão”, diz Sarah Ellis. “Se os gatos forem apenas animais domésticos de interior, irão mudar? Isto torná-los-á mais dependentes dos donos e, em caso afirmativo, mais ligados a nós?”
A investigadora refere que os cães muitas vezes tentam agradar-nos, fazendo algo útil para obter o que querem. Os gatos tomarão esse rumo e tornar-se-ão previsíveis e cooperativos como os cães? Ou desenvolverão competências adicionais, descobrindo novas formas de fazer o dono responder aos seus pedidos?
Querem apostar?
Para os cientistas, estas questões e muitas outras sobre a cognição do cão e do gato são como uma pilha de bons ossos que vale bem a pena escavar.