Este é o Ed, um gato Sphynx. É curioso, extrovertido, afectuoso e muito reactivo à emoção humana. Também é falador. Quando dizemos o seu nome, ronrona. Neste retrato, as suas orelhas viradas para a frente mostram que está alerta e as pupilas estreitas sugerem descontracção. Fotografia de Vincent Lagrange.
Desde ratazanas com empatia a macacos que se queixam, alguns animais têm emoções tão complexas como as nossas.
Texto: Yudhijit Bhattacharjee
Há 8 anos que vivo com Charlie, um cão de Santo Huberto embaraçosamente incapaz de detectar e seguir odores. Cumprimenta-me com alegria sempre que chego a casa, mesmo quando saí por pouco tempo. Consigo ouvir a sua cauda batendo no soalho da divisão ao lado quando me rio: ele ecoa a minha satisfação, mesmo quando não consegue ver-me.
No entanto, apesar de partilharmos este laço, sento-me com frequência a seu lado no sofá, abraço-o e pergunto à minha mulher: “Achas que ele gosta realmente de mim?” “Sim, sim!”, responde-me ela, com uma pontinha de exaspero – de certa forma, uma gentileza, dado que lho pergunto vezes sem conta. Esta rotina é quase um ritual no nosso lar. Interrogo-me se Charlie pensa nisso. Enquanto o observo a apanhar sol no alpendre, penso numa pergunta mais profunda: quão parecidas serão as mentes dos animais com as nossas? Terão as outras espécies pensamentos, sentimentos e memórias como nós?
Os seres humanos vêem-se a si próprios como seres excepcionais, fundamentalmente diferentes dos outros animais. Ao longo do último meio século, porém, os cientistas recolheram provas de inteligência em muitas espécies não-humanas. Os corvos da Nova Caledónia partem galhos para extrair larvas de insectos do interior de troncos. Os polvos resolvem enigmas e protegem os seus covis, colocando pedras na entrada. Já não temos dúvidas de que muitos animais possuem capacidades cognitivas espantosas. Mas serão mais do que autómatos sofisticados, unicamente preocupados em sobreviver e procriar? Um número crescente de estudos comportamentais tem revelado que muitas espécies partilham mais com os seres humanos do que se pensava. Os elefantes fazem luto pelos seus. Os golfinhos brincam só pelo prazer de se divertirem.











Os chocos têm personalidades diferentes. Os corvos parecem reagir aos estados emocionais de outros corvos. Muitos primatas formam laços fortes de amizade entre si. Em algumas espécies, como os elefantes e as orcas, os mais velhos partilham com os mais novos conhecimentos adquiridos através da experiência. Muitas outras são capazes de comportamentos de empatia e bondade.
Esta imagem emergente de senciência, de vidas interiores ricas entre espécies não-humanas surpreendentemente variadas, representa algo parecido com uma revolução coperniciana na forma como vemos os outros seres do nosso planeta. Até há cerca de três décadas, as mentes dos animais não eram dignas de investigação científica. “E as emoções dos animais eram um tema para românticos”, recorda Frans de Waal, etologista da Universidade de Emory que passou a carreira a estudar o comportamento dos primatas. Frans foi uma das primeiras vozes a defender o reconhecimento da consciência animal. Nas últimas décadas, os cientistas começaram a admitir que algumas espécies eram sencientes, mas argumentaram que as suas experiências não eram comparáveis com as nossas e, consequentemente, não seriam relevantes.
Agora, alguns comportamentalistas começam a crer que “os processos internos de muitos animais são tão complexos como os dos seres humanos”, prossegue. “A diferença é que nós os exprimimos através da linguagem e conseguimos falar sobre os nossos sentimentos.”
Caso seja aceite, esta nova percepção poderá desencadear uma reformulação da maneira como os seres humanos se relacionam e tratam as outras espécies. “Se reconhecermos emoções nos animais, incluindo a senciência de insectos, eles tornar-se-ão mais relevantes em termos morais”, diz Frans de Waal. “Não serão o mesmo que rochas. Serão seres sencientes.”
A investigação científica sobre a vida interior dos animais ainda é um empreendimento incipiente e também polémico. Para alguns cientistas, é praticamente impossível conhecer a mente de outra espécie. “A atribuição de sentimentos subjectivos a um animal através da observação do seu comportamento não é ciência, é mera suposição”, afirma David J. Anderson, neurobiólogo do Instituto de Tecnologia da Califórnia, que estuda comportamentos associados a emoções em ratos, moscas-da-fruta e alforrecas. Investigadores que estudam emoções como o luto e a empatia em não-humanos têm de se defender da acusação de que poderão estar a antropomorfizar os seus sujeitos de estudo.
A melhor forma de nos aproximarmos da verdade consiste em pormos à prova inferências obtidas a partir do comportamento animal, diz David Scheel, um biólogo marinho que estuda polvos. “Se fizermos observações informais ao longo de vários anos, a ideia de que os cães criam laços estreitos com determinadas pessoas torna-se muito clara. Mas os cães são animais domesticados. Será uma raposa capaz de fazer o mesmo?
Terá um lobo esse alcance emocional? Sentirá uma orca o mesmo tipo de ligação com os membros do seu grupo? Conseguirá um golfinho tornar-se amigo de um cardume de peixes ou de um mergulhador? A nossa intuição pode induzir-nos constantemente em erro.”
Se a antropomorfização constitui um ataque ao pensamento científico, então eu sou culpado… de adorar a ideia. Delicio-me a ver vídeos que mostram animais comportando-se de formas que sugerem emoções com as quais nos identificamos. No recinto de um zoológico, um búfalo-de-água esforça-se para virar uma tartaruga que se debate, deitada de costas, e depois, ao aperceber-se dos elogios dos espectadores, replica o que parece mesmo ser uma postura satisfeita. Um panda escorrega por uma encosta coberta de neve abaixo e, em seguida, volta a subi-la para escorregar de novo. Um macaco descasca uma banana à beira de um canal e fica desconsolado quando esta cai na água. Estou constantemente a mostrar estes vídeos à minha mulher, com um sorriso pateta estampado no rosto. A ideia de que a vida à nossa volta pode pulsar de emoção faz-me sentir feliz.
Estes devaneios não são científicos, como é óbvio, mas os cientistas reconhecem que as emoções não evoluíram apenas nos seres humanos. Em termos fundamentais, as emoções são estados internos que impelem um animal a agir de certa forma. Podemos não pensar na fome e na sede como emoções, mas são semelhantes a estas na medida em que também são estados internos que desencadeiam acções. David Scheel descreve-os como emoções primordiais. “Quando precisamos de urinar, levantamo-nos da cama num domingo, cheios de preguiça, e vamos à casa de banho porque não temos escolha. Está a tornar-se imperativo”, explica.
Da mesma forma, emoções primordiais “imperativas” e invisíveis, como o medo, incitam acções específicas. Embora emoções como o amor e o arrependimento possam parecer mais profundas, não são qualitativamente diferentes. “Todo o trabalho científico e filosófico que estamos a fazer neste momento aponta para a ideia de que qualquer emoção que possamos identificar, por mais sublime, elevada e etérea que seja, tem por base estas emoções primordiais”, explica o cientista.
Se assim for, não é difícil perceber que uma grande variedade de espécies – desde pulgas a chimpanzés – possuam emoções, algumas das quais primárias e outras avançadas.
Os corvos olharam para mim com cautela, afastando-se aos saltos quando me aproximava demasiado da rede que nos separava. A luz do Sol que entrava, filtrada, na gaiola reluzia nas suas penas sedosas, negras como breu, acentuando o seu brilho. Eu voara dos Estados Unidas para a Áustria para visitá-los porque Thomas Bugnyar, um biólogo comportamentalista e cognitivo da Universidade de Viena, fizera uma descoberta espantosa sobre o seu comportamento. Passados cerca de dez minutos, as aves pareciam ter-se descontraído. Uma delas aproximou-se cuidadosamente para me ver melhor, virando a cabeça e medindo-me com o seu olho esquerdo e depois com o direito.
Os corvídeos (família que inclui os corvos, as gralhas, os gaios e as pegas) são conhecidos pela sua inteligência. Os cientistas já demonstraram que conseguem usar ferramentas, resolver problemas e projectar planos para o futuro. Durante a minha visita, vi um que tentava esconder uma guloseima. Primeiro, pô-la sob uma pedra e afastou-se. Minutos mais tarde, aparentemente não satisfeito, regressou para apanhar a guloseima com o bico, saltou para um sítio diferente e enterrou-a na gravilha.
Imagem no espelho. As gralhas (membros da família dos corvídeos) são um dos poucos animais não-mamíferos que passa no teste do espelho. Quando detectam uma marca no seu corpo, visível apenas num reflexo, tentam removê-la. Isto indica que sabem que estão a ver-se a si mesmos. As aves têm cérebros pequenos e não possuem córtex cerebral, mas compensam-no com uma elevada densidade de neurónios. Fotografia de Tim Flach
Os corvos possuem capacidades cognitivas impressionantes, mas também demonstram comportamentos sugestivos de outra faceta da sua inteligência: a empatia. No decurso da sua investigação de doutoramento, Thomas Bugnyar reparou que, após uma luta entre duas aves, uma ave espectadora que assistia à “discussão” pareceu consolar a derrotada. Descreveu-me uma cena típica quando o visitei no seu escritório, sob o olhar de um corvo embalsamado – um presente de casamento – empoleirado num galho.
“Dois indivíduos começam a lutar. A vítima é perseguida durante alguns minutos e acaba por fugir para um canto e fica lá a tremer”, disse-me. “E os outros corvos estão excitadíssimos, voam e vocalizam. Depois, um deles voa até à vítima, não directamente para ela, mas para perto.” Emitindo chamamentos amigáveis, este corvo vai-se aproximando até uma distância próxima. Se a vítima se afastar, o outro insiste. “Passados alguns minutos, acaba por limpar o outro.”
Thomas Bugnyar documentou 152 interacções deste género. Ele e um colega, Orlaith Fraser, concluíram que os corvos que oferecem ajuda costumavam conhecer as vítimas. Os investigadores observaram comportamentos de consolo em chimpanzés e bonobos. O estudo de Thomas Bugnyar foi dos primeiros a documentá-lo em aves.
Os cientistas conseguiram investigar o fenómeno de forma mais pormenorizada realizando experiências com ratazanas. Numa experiência concebida por Inbal Ben-Ami Bartal, neurocientista da Universidade de Telavive, uma ratazana é confinada ao interior de um tubo de plástico transparente com orifícios. O tubo tem uma porta que pode ser aberta pelo lado de fora. Os investigadores colocam o tubo dentro de uma gaiola com outra ratazana que pode deslocar-se à vontade. A ratazana presa no interior do tubo contorce-se numa tentativa de escapar. A sua aflição é visível para a outra ratazana, que começa a dar voltas ao tubo, mordendo-a e tentando escavar por baixo dela. Após algumas sessões, a ratazana livre descobre como abrir a porta. Depois de perceber o truque, a ratazana livre não perde tempo e liberta a ratazana presa.
Este comportamento de ajuda, contudo, depende de a ratazana livre sentir algum laço de afinidade com a ratazana confinada. Um indivíduo livre criado com outros do mesmo tipo genético ajudará uma ratazana presa desse tipo, mesmo que seja um estranho. Mas se a ratazana presa for de um tipo genético diferente, o indivíduo livre permanece imperturbável e não a liberta. No entanto, se uma ratazana de um tipo genético crescer com ratazanas de outra variante, ajudará apenas as dessa variante, incluindo estranhos, ignorando a aflição de ratazanas da sua variante. “Por isso, não é uma questão de semelhança biológica”, diz-me Ben-Ami Bartal. “É uma questão de gostarmos daqueles com quem estamos. É termos a nossa família e sabermos que aquela é a nossa família.”
Salvamento. “As ratazanas demonstram os componentes essenciais da empatia”, afirma a neurocientista Inbal Ben-Ami Bartal, da Universidade de Telavive. Ela testou os roedores para ver se eles libertavam outra ratazana presa num tubo. Descobriu que só ajudavam aquelas que pertenciam ao seu grupo social. As ratazanas adolescentes, porém, não discriminam. Fotografia de Paolo Verzone
Uma característica indispensável da inteligência emocional, incluindo a capacidade de reacção à aflição de um semelhante, é a capacidade de interpretar o estado emocional do outro. Numa manhã ventosa, acompanhei a psicóloga Leanne Proops até um terreno lamacento na zona rural de Inglaterra e ela mostrou-me de que maneira está a testar se os cavalos possuem essa capacidade.
Encostámos dois quadros a uma vedação, ambos com uma fotografia da cabeça de um cavalo, vista de frente, impressa em tamanho real. Numa delas, as orelhas do cavalo estavam em pé, o focinho e a boca descontraídos e os olhos pareciam calmos. Na outra, o cavalo tinha um ar ameaçador, com as orelhas inclinadas para trás, as mandíbulas cerradas e as narinas abertas.
Uma aluna de pós-graduação trouxe um cavalo de pelagem castanho-avermelhada do estábulo: o nosso primeiro sujeito de estudo. Passeou-o a pé durante algum tempo antes de o conduzir até às duas cabeças de cavalo e depois retirou a guia. Pretendíamos observar como o cavalo reagiria às fotografias. Demonstraria maior interesse pelo cavalo com a expressão feliz ou pelo outro?
Leanne susteve a respiração. O cavalo observou as duas imagens durante instantes e depois passeou calmamente até um canto do recinto, abanando a cauda e olhando para o prado coberto de erva adiante. Leanne avisara-me que isto poderia acontecer. Os sujeitos caprichosos podem confundir os cientistas que estudam animais.
A aluna trouxe depois um cavalo malhado branco e cinzento com uma crina brilhante. Este era mais cooperante. Ficou alguns minutos parado, contemplando as fotografias e dirigiu-se ao cavalo de expressão feliz e roçou o focinho na fotografia.
Leanne e os seus colegas submeteram 48 cavalos a um teste idêntico ao que presenciei. Concluíram que os cavalos evitavam quase sempre a expressão zangada se lhes fosse mostrada, o que convenceu os investigadores de que os cavalos eram capazes de reconhecer as expressões de um cavalo completamente desconhecido.
Noutro estudo realizado por Leanne Proops, foi mostrada a um cavalo uma fotografia de um rosto humano sorridente ou zangado. A fotografia foi mostrada de manhã. À tarde, a pessoa da fotografia (ou outra pessoa completamente diferente) sentou-se em frente do cavalo, com uma expressão neutra. Se ele tivesse visto a expressão zangada, revelaria sinais de aflição ao avistar aquela pessoa à tarde. O cavalo olhou para a pessoa mais com o olho esquerdo do que com o direito – um comportamento normal diante de uma potencial ameaça –, contraiu o nariz e a boca e puxou as orelhas para trás.
Se o cavalo tivesse visto a fotografia de um rosto feliz ou se o visitante fosse uma pessoa diferente, tenderia a revelar uma reacção positiva ou neutra. As conclusões deste estudo, igualmente realizado com 48 cavalos, sugerem que os cavalos poderão ter uma capacidade subtil para interpretar e reagir a estados emocionais não só em cavalos, mas também em seres humanos. O comportamento demonstra capacidades de reconhecimento e memória altamente avançadas. “Tiveram de transferir de uma fotografia para uma pessoa real. Tiveram de se lembrar de uma pessoa específica e, evidentemente, lembrarem-se da emoção em particular”, afirmou.
“Isso é espectacular”, comentei.
“Sim, sim”, respondeu com um enorme sorriso. “É mesmo.”
Ocasionalmente, Charlie geme e contorce-se enquanto dorme. Consigo imaginar um pesadelo que o assustasse. Quando lhe acaricio a cabeça para o acalmar, fico a pensar no que estaria a sonhar. Não sou o único a desejar saber o que se passa na mente de um animal.
Christina Hunger, especialista em patologias da fala e da linguagem residente em Chicago, sentiu o mesmo desejo quando levou uma cadela para casa há quatro anos. No seu trabalho junto de crianças com atrasos no desenvolvimento da linguagem, Christina utiliza um dispositivo de comunicação – um quadro com botões que reproduzem sons previamente gravados. Ela interrogava-se se Stella, resultante de um cruzamento entre um pastor australiano e um catahoula, poderia ser treinada para pressionar botões e reproduzir palavras como “água”, “brincar” e “rua”. Stella aprendeu depressa e, passado cerca de um mês, começou a carregar nos botões para verbalizar esses desejos. Certo dia, quando Christina estava a regar as plantas dentro de casa, Stella correu para outra divisão, carregou no botão de “água” e voltou para continuar a observar a dona.
“A tigela da água estava cheia. Ela não queria beber água. Estava só a utilizar a palavra de uma maneira nova”, diz Christina. Stella parecia estar simplesmente a salientar aquilo que vira.
Christina deu-lhe a conhecer mais algumas dezenas de palavras como “ajuda”, “adeus,” “não” e “amo-te”. Certa noite, Stella tinha algo importante para dizer. “Dirigiu-se ao botão de ‘comer’ e disse ‘Comer’ e depois foi até à outra ponta do nosso apartamento, até ao botão de ‘não’ e disse ‘Não’”, recorda a investigadora. “Ela combinou as duas palavras para nos dizer que não jantara.”
Depois, Christina juntou os botões num só sítio – 48 no total – para que Stella pudesse utilizar múltiplas palavras com mais facilidade, o que resultou num surto de comunicação. “Ela começou a combinar palavras todos os dias, várias vezes por dia, para criar novas mensagens que eu nunca lhe ensinara, mas eram perfeitamente compatíveis com o que estava a acontecer à sua volta naquele momento”, disse Christina, que relatou esta experiência no livro “How Stella Learned to Talk” [sem tradução portuguesa].
Vida imóvel. Knopfi, um cão pastor australiano que está a ser estudado na Universidade de Viena, aprendeu a permanecer imóvel dentro de um equipamento de ressonância magnética. Observando o cérebro dos cães, os cientistas descobriram actividade em áreas semelhantes às dos seres humanos. Os elogios activam os centros de recompensa do cão. Vídeos mostrando os seus cuidadores activam regiões ligadas ao apego. Fotografia de Jasper Doest
Num dia da Primavera passada, Christina estava ao telefone quando Stella tentou chamar a sua atenção. Primeiro, carregou nos botões de “olhar”, “vem” e “brincar.” Christina estava ocupada, por isso Stella continuou a experimentar versões diferentes da mesma mensagem, incluindo “Querer. Brincar. Rua.” Por fim, frustrada, pressionou “amo-te” seguido de “não.” Christina ficou estupefacta. “Nunca pensei dar-lhe a conhecer um botão de ‘amo-te’ para ela me dizer ‘Amo-te. Não’, quando está zangada comigo”, disse. “Mas é espantoso ver todos os pensamentos que lhe passam pela cabeça.”
Nos últimos anos, outros donos de cães utilizaram dispositivos de comunicação com os seus animais de estimação. A tendência levou Federico Rossano, cientista de cognição na Universidade da Califórnia, a iniciar um estudo para o qual quase três mil donos de cães e gatos enviaram relatos sobre o uso de botões para exprimir palavras pelos seus animais de estimação.
Federico diz já ter observado vários exemplos de cães a perguntarem sobre um membro da família quando a pessoa está ausente. Exprimem o seu desejo de brincar com amigos caninos específicos combinando a palavra “parque” com o nome do cão. “É fascinante a quantidade de vezes em que existem dois animais numa casa e um pede ao humano para ajudar o outro”, diz.
Não inscrevi o Charlie neste estudo, mas consigo imaginar que ele esteja ansioso por me dizer o que pensa de eu fazer troça da sua falta de talento para farejar ao longo de todos estes anos: “Divertido. Não.”
Diana Reiss, cujos olhos se iluminam quando fala em mamíferos marinhos, estava a filmar golfinhos-roazes num aquário na década de 1980 quando fez uma descoberta surpreendente. Viu um animal nadar até ao fundo e expirar um anel de ar pelo espiráculo. Enquanto o anel prateado subia à superfície, o golfinho expirou um segundo, mais pequeno, que subiu mais depressa do que o primeiro, fundindo-se com ele e criando um anel maior. Em seguida, nadou através dele. Diane é agora psicóloga cognitiva no Hunter College, mas na altura duvidou do que via. “Foi a primeira vez que vimos um animal criar o seu próprio objecto de brincadeira”, diz.
Desde então, Diane e outros observaram golfinhos em aquários a fazerem anéis e a brincarem com eles de variadíssimas formas. Em ambiente selvagem, os golfinhos jogam à apanhada entre si. São apenas uma das muitas espécies – além dos cães e dos gatos, como todos sabem – a dedicar-se à brincadeira. Os babuínos provocam as vacas, puxando-lhes a cauda. Enquanto estudava elefantes em África, Richard Byrne, que investiga a evolução da cognição, observou frequentemente jovens elefantes a perseguirem animais que não representavam qualquer ameaça, como gnus e garças. Os cientistas também recolheram provas de comportamentos brincalhões em peixes e répteis, segundo Gordon M. Burghardt, etologista da Universidade de Tennessee. Observou girinos de rã-musgo-vietnamita subindo repetidamente através de bolhas de ar libertadas do fundo do tanque até à superfície.
Os investigadores pensam que a brincadeira evoluiu por contribuir para o fortalecimento de laços entre membros de grupos sociais. Também ajudam os animais a exercitar capacidades como correr e saltar, que aumentam as suas probabilidades de sobrevivência. Isto explica como a brincadeira evoluiu. Mas que impulso leva um animal a dedicar-se a ela? Uma resposta plausível, segundo Vincent Janik, biólogo da Universidade de Saint Andrews, é a busca de alegria. “Por que razão um animal faz algo? Basicamente, porque quer”, diz. Na ausência de qualquer outra vantagem no momento, parece provável que a brincadeira proporcione prazer aos animais, enriquecendo a sua vida interior.
Quão rica é a vida interior dos animais que vivem em grupos sociais, como nós? A antropóloga Sarah Brosnan, da Universidade Estadual da Geórgia, faz experiências para tentar entender a mente dos macacos-capuchinhos. Ela levou-me a conhecer o centro de investigação que aloja seis grupos de macacos-capuchinhos. Cada grupo tem o seu próprio recinto exterior cercado por rede onde os macacos passam a maior parte do dia, comendo, limpando-se ou brincando. Estávamos a meio da tarde e os funcionários tinham acabado de espalhar comida pelos recintos.
De todos os alimentos que aqui oferecem aos capuchinhos, as uvas são um dos preferidos. Sarah serviu-se desse conhecimento para conceber uma experiência destinada a sondar a vida emocional dos macacos. Conduziu dois capuchinhos a compartimentos adjacentes separados por uma rede e fez um jogo com eles. No jogo, que os macacos aprenderam depressa, eles tinham de entregar uma “peça” a Sarah – um pequeno objecto, como um pedaço de madeira – para receberem uma recompensa. Por vezes, Sarah dava a ambos um pedaço de pepino, de que os animais gostavam tanto como as crianças gostam de papa de aveia. Noutras ocasiões, oferecia a um capuchinho uma fatia de pepino e a outro uma uva. No terceiro teste, havia apenas um capuchinho. Sarah recompensava o macaco solitário com pepino, mas, sempre que o fazia, punha também uma uva no compartimento vazio.
Quando ambos os macacos recebiam pedaços de pepino, comiam-nos sem se queixarem. Mas quando um macaco estava constantemente a receber uma uva, o do pepino ficava visivelmente aborrecido. Deixava cair o pepino ou atirava-o a Sarah. Como é evidente, a injustiça era demasiada para o macaco conseguir lidar com ela. No teste com apenas um macaco, em que ele via as uvas acumularem-se no compartimento adjacente, o animal recusava-se a comer o pepino inicialmente, mas comia-o passado algum tempo. “Portanto, eles não parecem importar-se tanto com o contraste como com a desigualdade”, diz Sarah. O estudo sugere que a expectativa de justiça e o ressentimento quando esta não acontece não são provavelmente exclusivos dos seres humanos.
Ajuda ou pedido? Anih, um orangotango resgatado, estende a mão a Syahrul, um funcionário da Fundação para a Sobrevivência dos Orangotangos do Bornéu, que cuida dele há anos. Anih viu que Syahrul estava com dificuldade para atravessar o canal e ofereceu-lhe ajuda, conta o fotógrafo. A fotografia tornou-se viral, mas os representantes da Fundação pedem cautela com as interpretações. Talvez Anih estivesse apenas a pedir comida. Fotografia de Anil T. Prabhakar
Alguns primatas parecem suficientemente sofisticados para terem sentido de humor. Existe consenso entre os investigadores sobre o facto de os chimpanzés e outros grandes símios se rirem. No entanto, também já foram vistos a rirem-se noutros contextos. Frans de Waal conta a história de um colega que pôs uma máscara de pantera e emergiu do outro lado de um fosso, em frente de alguns chimpanzés. “Os animais ficaram zangados e atiraram-lhe objectos”, conta. Por fim, o investigador, que era conhecido dos chimpanzés, tirou a máscara e revelou a sua identidade. “E alguns chimpanzés – os mais velhos – riram-se.”
Soube de outro exemplo por Marina Davila-Ross, psicóloga da Universidade de Portsmouth, que me mostrou um vídeo de uma jovem chimpanzé chamada Pia, filmada num parque de animais na Alemanha. Marina captou a chimpanzé a puxar o pêlo do progenitor naquilo que parecia uma tentativa de começar a brincar. Como ele não reagiu, Pia sentou-se na erva.
Pouco depois, sem qualquer evento que o desencadeasse, o rosto de Pia abriu-se num sorriso rasgado. Em seguida, ela irrompeu naquilo que só pode ser descrito como um riso exuberante, atirando a cabeça para trás e tapando os olhos com os braços cruzados, como uma criança que vê um desenho animado hilariante.
Segundo a interpretação de Marina Davila-Ross, Pia poderia estar a rir-se da memória de um momento divertido com o progenitor. Essa suposição não pode ser provada, mas a sua alegria espontânea aponta para uma interligação entre a memória e a emoção sugestiva de uma vida interior mais complexa do que imaginámos. O vídeo fez-me sorrir. Pensei que tinha de o mostrar à minha mulher.