Aldeia de Sobral Fernando

Fotografia de Jesus Salazar.

Há perto de dois mil anos, esta mina de ouro a céu aberto fez parte do eldorado que o Império Romano trouxe como objectivo para a conquista da Hispânia.

Texto: Carlos Neto de Carvalho

Sobral Fernando perfila-se no esporão rochoso deixado pela erosão do rio Ocreza e de um meandro da ribeira da Fróia, que vem no seu encalço. A aldeia coexiste com pilhas de escombros, canais e lagoas escavadas na margem direita do Ocreza. Ao longo deste rio, entre a foz da ribeira do Alvito e a foz da Sardinha, descobrem-se dez destas minas, hoje unidas pelo percurso pedestre da Rota das Conheiras.

No Poço do Almourão, ecoa a lenda do carro de ouro, onde até os bois eram feitos do precioso metal, e que permanecerá ainda nas profundezas das águas. Na década de 1960, era comum encontrar gentes da terra e forasteiros nos terraços arenosos depositados pelo rio a “tirar ouro” com calhas e conchas de madeira, que garantiam magro sustento em momentos de incerteza onde a sorte poderia sorrir. Hoje, a “gandaia do ouro” faz parte da memória colectiva reavivada pela festa de “Há Ouro na Foz” em 2007, uma rica experiência turística no Geopark Naturtejo da UNESCO.

Mapa Sobral Fernando

Infográfico de Anyforms Design.

Sobral Fernando e Foz do Cobrão são as duas guardiãs das Portas de Almourão. O Ocreza, ainda revoltoso pela transposição da garganta entalhada 350 metros na serra das Talhadas, cria um cenário de cristas gigantescas de branco quartzito, um verdadeiro geomonumento. Entre a solenidade e o silêncio das muralhas de rocha, estas paisagens inspiraram emoções há mais de dez mil anos, deixando registos de arte rupestre que começam a ser revelados.

Na serra das Talhadas, sobejam referências do “tempo dos mouros” aos usos do espaço por mais de três mil anos, desde as buracas da Moura à estrada dos Mouros e ao escorregadoiro da Moura, que importa interpretar através de estudos em curso. Estas fragas guardam também segredos mais antigos, dos vestígios fósseis de vida num oceano existente há quase 500 milhões de anos, à génese da serra das Talhadas: quem quiser saber como se faz uma montanha tem de vir às Portas de Almourão!

Sobral Fernando

Uma pintura rupestre descoberta em 2015 numa cavidade. Fotografia de Jesus Salazar.

No deslumbre geológico das escarpas da imponente Dobra da Albarda, do Escalhão ou da Pena de Má Nome ou da cascata do Barranco da Nave, paira a águia de Bonelli, a cegonha-preta e o grifo e nestas se debruçam o sobrevivente zimbro. Inesperadas cavernas perfuram a montanha, vestígios de um projecto para a construção de uma barragem sem sentido que se iniciou na década de 1940 e que só as diversas espécies de morcegos que aí passam temporadas souberam aproveitar.

Sobral Fernando volta a expor a sua bela arquitectura de aparelhos tradicionais de metagrauvaque e “conhos” quartzíticos rolados pelo rio. Resultante de uma vibrante vida comunitária constituída por pouco mais de quarenta sonhadores, a rua principal enche-se agora de cores diversas dadas pelos perfumados canteiros de flores plantados, há crianças em brincadeiras e os bailaricos são multilingues.

Sobral Fernando

As Portas de Almourão. Fotografia de Jesus Salazar.

O visitante dispõe de vários percursos pedestres que partem daqui para os mais misteriosos destinos; na canícula, pode ir ao Penedo dos Cágados, zona balnear de águas límpidas provenientes do grande Olho d’Água, na Foz do Cobrão. Do forno comunitário, saem com a desejada recorrência os sabores da terra, das novas brisas de Almourão ao tradicional bolo cevado, cujos aromas convidam a dois simpáticos dedos de conversa. Em Sobral Fernando, o mais provável é que se sinta tentado a ficar.

Pesquisar