As Penhas foram objecto de uma expedição em 1881. Depois, foram um refúgio contra a tuberculose.
Texto: Emanuel de Castro
As brumas da montanha cerram a paisagem, conferindo-lhe um ambiente nostálgico, mas ao mesmo tempo acolhedor, típico dos postais que retratam as paisagens de montanha. A 1.500 metros de altitude, já se sente bem a força da serra da Estrela ea sua altivez. Este é um mundo à parte… Aliás, as montanhas têm essa capacidade de nos tornar pequenos. Um pouco por toda a Estrela, muitos são os lugares que reflectem a difícil, mas genuína, adaptação das populações a um ambiente austero mas fascinante. Isso acontece nas Penhas Douradas, um povoado onde inspiramos o ar puro da serrania e sentimos a brisa que gela o rosto e afaga a memória.
Rodeada por penhas graníticas douradas pelo sol, este é um lugar especial, onde as marcas da Primeira Expedição Científica à serra da Estrela, organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1881, são ainda bem evidentes, não só pelo carácter arquitectónico das construções que observamos, mas sobretudo pela sua história associada aos sanatórios de altitude, do final do século XIX. De facto, quase todas as construções fizeram parte do programa sanatorial daquele período, utilizado para a terapia da tuberculose, à semelhança do que vinha acontecendo na Europa.
As criativas construções das Penhas, pioneiras do turismo de saúde. Fotografias de Filipe Patrocínio.
A exposição solar e a pureza do ar foram determinantes para o desenvolvimento deste povoado, edificado numa paisagem de caos de blocos e formas graníticas deixadas ao critério da nossa imaginação.
Os raios de sol permitem observar com clareza a influência dessa expedição onde o médico Sousa Martins teve papel de destaque, no estilo arquitectónico, na disposição das casas, nos antigos sanatórios e chalets e na harmonia que se sente neste lugar, alcandorado no limite norte do planalto da Estrela. Poucos serão os lugares onde a ciência teve papel tão determinante. Este marco histórico para o conhecimento da serra da Estrela determinou o aparecimento do património edificado das Penhas Douradas, tal como o primeiro Observatório Climático de Montanha, implementado em 1882, hoje conhecido como Observatório Meteorológico das Penhas Douradas.
Motivados pelo estio da tarde, deambulamos pelas ruas simples da montanha e descobrimos recantos destas penhas que se mostram douradas pela incidência da luz. De surpresa em surpresa, deixamo-nos envolver pela imponência da paisagem do Fragão do Corvo, as formas bizarras das rochas, a peculiaridade do Seixo Branco (um afloramento de quartzo no meio do granito) ou a beleza sublime do vale do Rossim. Neste preâmbulo entre a história arquitectónica e natural das Penhas Douradas, encontramos recantos singulares que ajudam a compreender a imensidão desta montanha e a razão pela qual faz parte do nosso imaginário e é, hoje, reconhecida internacionalmente pela UNESCO.
O ar húmido do Atlântico, trazido pelos ventos do final de tarde, envolve-nos de novo num espesso manto de neblina. O ambiente pede mais um agasalho para nos reconfortar. Chegamos às Penhas Douradas motivados pela descoberta e partimos deste lugar com a promessa de um regresso. Aqui, estamos mais perto da montanha e podemos imaginar a vida daqueles que percorreram os trilhos da serra, guiados pelas mariolas em dias de nevoeiro. Partimos com a bagagem cheia de estórias de expedicionários, do tempo em que a montanha curava e com a vontade de partir à descoberta da Estrela, tal como os cerca de cem homens o fizeram, durante 19 dias, em Agosto de 1881, para afirmar que a Estrela não é só uma montanha... É a Montanha!